quinta-feira, 4 de março de 2010

Períodos Literários: Quinhentismo

QUINHENTISMO

O Quinhentismo foi vivido no Brasil em meio ao “descobrimento” e aos interesses da exploração de riquezas materiais. Não se pode falar, propriamente, em Literatura Brasileira, uma vez que os textos da época somente atendem ao ponto de vista do colonizador, pois todos os autores (e potenciais leitores) são europeus. Além disso, predominam na época os relatos de viagem, textos informativos, de caráter documental e, portanto, com maior valor histórico do que literário. Mesmo assim, esses textos são chamados de Literatura de Informação.

Carta a El-Rei Dom Manuel
sobre o achamento do Brasil


A famosa Carta de Pero Vaz de Caminha, escrita entre 26 de abril de e 1º de maio de 1500, é tida como uma espécie de “certidão de nascimento” do Brasil. Tinha como objetivo informar ao rei de Portugal o descobrimento e relatar-lhe as peculiaridades do novo território.

Aspectos importantes:

*Descritivismo

A feição deles é parda, algo avermelhada; de bons rostos e bons narizes. Em geral, são bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de cobrir ou mostrar suas vergonhas, e nisso são tão inocentes como quando mostram o rosto. Ambos traziam os beiço de baixo furado e metido nele um osso branco, do comprimento de uma mão travessa e da grossura de um fuso de algodão.

*Choque cultural: Tabus religiosos x nudez
*Origens do estigma da sensualidade brasileira
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, muito novas e muito gentis, com cabelos muito pretos e compridos, caídos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.

*Visão paradisíaca
*Concepção mercantilista e colonizadora
*Ideal salvacionista
A terra por cima é toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é tudo praia redonda, muito chã e muito formosa. [...]
Nela até agora não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem o vimos. Porém, a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados, como os de Entre-Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.
As águas são muitas e infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la, tudo dará nela, por causa das águas que tem.
Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deverá ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar.


A literatura informativa emprestou muitos de seus temas e formas para períodos literários posteriores, em especial para o Romantismo (indianismo, fundação da nacionalidade) e para o Modernismo (revisão crítica da identidade nacional).

O poeta modernista Oswald de Andrade realizou apropriações parodísticas da carta, subvertendo seu sentido ao recortar as frases do texto original, dispondo-as de outra maneira.

AS MENINAS DA GARE

Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha

(OSWALD DE ANDRADE, em Pau-Brasil)

Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha. (CAMINHA)

PRIMEIRO CHÁ
Depois de dançarem
Diogo Dias
Fez o salto real

(OSWALD DE ANDRADE, em Pau-Brasil)

Passou-se, então, além do rio, Diogo Dias, almoxarife, que é homem muito bem-disposto e levou consigo um gaiteiro nosso com a sua gaita. Depois de dançarem todos, Diogo Dias fez-lhes ali, andando no chão, muitas voltas ligeiras e salto real, de que eles e elas se espantavam, riam e folgavam. (CAMINHA)


Testes de vestibular

(PAVE) Considerada a certidão de nascimento do país, a Carta de Pero Vaz de Caminha apresenta, dentre outras características,

(a) um relatório das riquezas do novo continente há poucos anos descoberto para o rei lusitano.
(b) uma visão que legitima a possessão portuguesa sobre o Brasil em detrimento das invasões francesa e holandesa.
(c) uma narração pormenorizada da vida dos índios a fim de compreender-lhes a cultura.
(d) uma análise com perspectiva européia sobre os tipos humanos que compunham a paisagem
social da nova terra.
(e) um curto, mas intenso tom de ‘mea culpa’ do colonizador português frente aos nativos.
(f) I.R.

(UFPEL 2006) Dentre os muitos textos conhecidos do poeta modernista Oswald de Andrade, selecionamos os que seguem.

Vício na fala

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha teia
Para telhado teiado
E vão fazendo telhados.


As meninas da gare

Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos muito pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha


ANDRADE, Oswald de. Poesias reunidas. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1978.

Com relação a eles, é correto afirmar.
(a) Em ambos, é estabelecida uma intertextualidade com a carta de Pero Vaz de Caminha, com o propósito de descontruí-la, a partir da
confrontação de duas realidades brasileiras que, embora distantes no tempo, permanecem similares em sua quintessência.
(b) Nos dois poemas, percebemos referência do
autor a uma realidade que até então (Semana de
Arte Moderna) não era retratada pela literatura
brasileira, o que o colocou em rota de colisão com
o movimento literário do qual participava.
(c) A oposição “melhor/mió”, no primeiro poema,
conota a forte estratificação social vigente na
realidade brasileira epocal, reforçada pelo tom
depreciativo da poesia de Oswald ao falar popular
brasileiro.
(d) O último verso do primeiro poema pode referir-se
tanto às ocupações operárias da camada da
população que se vale da linguagem não-padrão
quanto ao distanciamento social entre os estratos
populacionais, agravado pela diferença no modo
de falar.
(e) A referência à ausência de vergonha, confessada
pelo eu-lírico, remete a uma conhecida passagem
da carta de Pero Vaz, com o firme propósito de
satirizar as mazelas sociais brasileiras, conforme
o preconizado pelo Manifesto Antropófago.
(f) I.R.

*O Gabarito virá na próxima postagem, acompanhado de comentários

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