quarta-feira, 23 de setembro de 2015

RESUMOS UFSC 2016: VIDEOAULA - O FANTÁSTICO NA ILHA DE SANTA CATARINA


terça-feira, 22 de setembro de 2015

Resumos UFSC 2016: Análise de Poesia Marginal - Fogo-Fátuo




Fogo-Fátuo

ela é uma mina versátil
o seu mal é ser muito volúvel
apesar do seu jeito volátil
nosso caso anda meio insolúvel

se ela veste seu manto diáfano
sai de noite e só volta de dia
eu escuto os cantores de ébano
e espero ela chegar da orgia

ela pensa que eu sou fogo-fátuo
que me esquenta em banho-maria
se estouro sou pior que o átomo
ainda afogo essa nega na pia.
                                            
                                               (Chacal)

Apesar da linguagem coloquial (gírias como “mina” e “nega”) e do caráter confessional (o poema soa como um ‘desabafo’ do eu-lírico), abordando uma relação passional conflituosa, o poema se caracteriza pelo apuro formal, o que não é comum nos textos marginais. Observe que são três estrofes de quatro versos cada, com métrica eneassílaba, ou seja, de nove sílabas poéticas (lembre-se de que na escansão só contamos até a última sílaba tônica):

E / la / é / u / ma / mi / na / ver / sá / til


o / seu / mal / é / ser / mui / to / vo / lú / vel

Do aspecto formal destacamos ainda a presença de rimas soantes (volátil / versátil; volúvel / insolúvel; dia / orgia / maria / pia) e toantes* (fÁtuo / Átomo).
A forma contida, calculada, contrasta com o temperamento passional do eu-lírico, que, diante do comportamento “volátil” (instável) da mulher “versátil” (ao que tudo indica, infiel), revela sua melancolia (espera ela chegar da orgia escutando os cantores de ébano, ou seja os negros do jazz) e a possibilidade de uma reação explosiva (“sou pior que o átomo”/ “ainda afogo essa nega na pia”). Tal explosão, no entanto, parece algo passageiro, como sugere o título, “Fogo-Fátuo”, que remete ao fenômeno químico da rápida combustão de organismos em decomposição.

Obs: O poema, de temática passional, está contido na primeira parte do livro "Poesia Marginal", intitulada "Sentir é muito lento"

Intertextualidade:
a) O poema dialoga com as ciências da natureza:
- Fogo-fátuo;
- Volatilidade, entropia;
- Átomo, fissão nuclear;
b) A sugestão de um crime passional faz lembrar o desfecho do conto “A Cartomante”, também exigido no vestibular da UFSC, em que Vilela mata o casal adúltero. 







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sábado, 19 de setembro de 2015

RESUMOS UFSC 2016: O SANTO E A PORCA



        O SANTO E A PORCA – IMITAÇÃO NORDESTINA DE PLAUTO


Escrita em 1957 (pós-modernismo), por Ariano Suassuna (1927/2014), “O Santo e a Porca” é um texto do gênero dramático (teatro). Trata-se de uma comédia em três atos. Inspirado na Aululária, peça teatral do autor latino Plauto, escrita no século II a.C. e que aborda o tema da avareza. Apesar da linguagem simples e do riso fácil, o texto de Suassuna traz camadas mais profundas para análise:
      a)      O registro de usos e costumes e da cultura popular nordestina, inspirada na literatura de Cordel.       
      b)      A brasilidade no sentido da esperteza, na linhagem de Memórias de um Sargento de Milícias, Macunaíma e da obra do próprio autor, o Auto da Compadecida. Sobre esta última, cabe destacar o personagem João Grilo, mentiroso e astuto, diferente de Leonardinho e Macunaíma, trabalhava muito e, mesmo assim vivia miseravelmente. Suas armações eram, na verdade, um mecanismo de sobrevivência. Em “O Santo e a Porca”, Caroba, a empregada de Euricão é quem manipula com criatividade as situações para conseguir casar e ter onde morar, mas também se preocupa em fazer a felicidade dos demais.
       c)       Uma reflexão sobre o homem dividido entre a espiritualidade (o Santo) e o materialismo (a porca) aponta o caráter moralizante da obra.
PERSONAGENS
Euricão - Eurico Árabe, velho mesquinho conhecido como "Engole Cobra", é o protagonista da peça. Sua avareza é caricatural: acumula dinheiro dentro de uma porca de madeira e vive como um miserável, reclamando da pobreza (seu bordão: “Ai a crise, ai a carestia”) submetendo todos que o cercam a privações. Após ser abandonado pela esposa, passa a considerar a porca como seu bem mais precioso:
Euricão: Ai minha porquinha adorada! (...) querem levar meu sangue, minha carne meu pão de cada dia, a segurança de minha velhice, a tranquilidade de minhas noites, a depositária de meu amor!
Margarida - filha de Euricão (que queria casá-la com um homem rico) namora Dodó em segredo, mas é pretendida pelo pai do rapaz, o endinheirado Eudoro Vicente.
Dodó – filho de Eudoro é submisso ao pai (o próprio apelido ‘Dodó’ é uma redução do nome paterno) e não tem coragem de dizer-lhe que abandonou os estudos para viver ao lado de Margarida; apesar da covardia, faz de tudo para ficar ao lado da amada: vive miseravelmente na casa de Euricão (sob o pretexto de vigiar a moça para a família) usando um disfarce de corcunda para ficar acima de qualquer suspeita.
Eudoro Vicente – Fazendeiro de posses, mesmo sendo mais velho, deseja casar com Margarida, por sentir-se solitário. No passado, chegou a ser noivo de Benona, irmã de Euricão.
Benona – Seu nome é uma alusão à personagem de Plauto, Eunomia (do grego, “ordem bem regulada”); por seu pudor excessivo, acabou rompendo o noivado com Eudoro quando jovem e ficou solteirona. 

Caroba - empregada de Euricão, desejava casar com o noivo, Pinhão. Com esperteza e criatividade, desenvolve toda uma rede de intrigas e quiproquós* a fim de conseguir dinheiro para o matrimônio. Não deixa de ser solidária, pois se preocupa em arranjar os casamentos de Margarida e Dodó e de Benona e Eudoro.

Pinhão – homem simples, suas falas são recheadas de ditados populares. Noivo de Caroba, trabalha para Eudoro  e é um tipo malandro e oportunista: descobre a porca de Euricão e chega a roubá-la.

O Santo e a Porca – A porca de madeira representa a avareza de Euricão. É o elemento profano em oposição ao Santo. Santo Antônio, por sua vez, é a representação do sagrado. De devoção popular, é considerado “achador” e “casamenteiro”, o que remete, ao mesmo tempo à fortuna escondida de Euricão e ao enredo amoroso que envolve os outros seis personagens.
*quiproquó: Do latim quid pro quo, "uma coisa pela outra". Originalmente referia-se a um diálogo em que uma pessoa era confundida com outra, acarretando uma situação cômica. Em sentido mais amplo, utiliza-se o termo quiproquó como referência a uma confusão de palavras ou a um equívoco qualquer.

ESPAÇO
O espaço da ação é a casa de Euricão. Também são referidos a fazenda de Eudoro (onde Margarida passara a festa de São João), o Hotel de Dadá (onde Eudoro ficaria hospedado) e o cemitério (onde Euricão passou a esconder a Porca).
TEMPO
A ação se passa no período de um dia (manhã, tarde e noite).
Primeiro Ato (Manhã)- Temos a apresentação do conflito: Euricão recebe uma carta de Eudoro dizendo que este iria lhe tomar seu mais precioso tesouro (trata-se de Margarida, mas o avarento pensa que seja a porca). Aqui, a tensão é marcada pela espera por Eudoro e o ato se encerra após Eudoro pedir uma entrevista com Margarida.
Segundo Ato (Tarde)- As intrigas antes da entrevista movimentam este segundo ato. Dodó não aceita a ideia do encontro entre a amada e Eudoro briga com a namorada e Caroba, que se prontificara a ir no lugar da mocinha, acaba também brigando com Pinhão.
Terceiro Ato (Noite)- Após a entrevista, temos as revelações do enredo. As mentiras são descobertas e os conflitos resolvidos.

LINGUAGEM
O Santo e a Porca é um texto escrito para teatro (gênero dramático), em linguagem simples, diálogos espontâneos e repletos de ambiguidade.Para que o leitor não se confunda com os quiproquós (mal-entendidos cômicos), é preciso prestar atenção nas rubricas (indicações do autor para a contextualizar as cenas e orientar a representação dos personagens), que aparecem ao longo do texto em itálico.

ENREDO
PRIMEIRO ATO
Eudoro Vicente manda, pelo empregado Pinhão, uma carta a Eurico, que entra em desespero pensando se tratar de um pedido de empréstimo. Euricão, Caroba e Pinhão discutem sobre o conteúdo da carta quando chegam Margarida e Dodó, que usa um disfarce.
A moça, pensando que o pai descobrira seu namoro secreto com Dodó quase conta toda a verdade, mas é interrompida por Pinhão, que revela a origem da carta.
Após a insistência de Margarida, Eurico decide abri-la.

MARGARIDA    Mas  o  que  é  que  tem  a  carta?    cá, deixe  eu  ver! Onde é?
EURICÃO – Aí onde diz "de minha chegada aí". Ah carta amaldiçoada! Ai a crise, ai a carestia!
MARGARIDA  – De  minha  chegada  aí,  mas  quero  logo  avisá-lo: pretendo privá-lo de seu mais precioso tesouro!
EURICÃO – Está vendo? Esse ladrão! Esse criminoso! Meteu na cabeça que  eu  tenho  dinheiro  escondido  e  quer  roubá-lo.  Estão  me  roubando! Ladrões, só pensam nisso! Mas vou tomar minhas providências! Saiam, saiam imediatamente! Vou trancá-los, entrem   aqui imediatamente! Entrem, entrem! 
Empurra os quatro num quarto  qualquer,  que  tranca  por  fora.  Tranca também  as  portas  e janelas  com  barras  de  madeira  e abre  pelo  meio uma  grande  porca  de  madeira,  velha  e  feia,  que  deve  estar  em  cena, atirada  a  um  canto,  como  se  fosse  coisa  sem  importância  Dentro  dela, pacotes  e  pacotes  de  dinheiro.  EURICÃO,  enquanto  ergue  e  deixa  cair amorosamente  os  pacotes,  vai  falando,  ora  consigo  mesmo, ora com Santo Antônio, cuja imagem também deve estar em cena.

Euricão interpreta essa expressão em sentido literal, pensando que Eudoro deseja apoderar-se de sua porca de madeira, na qual escondia secretamente todo o seu dinheiro.
Desesperado, o árabe não quer receber o fazendeiro em sua casa. Dodó sugere o homem fique hospedado no hotel (e pague sua própria despesa!). Euricão concorda e vai para a cidade fazer a reserva.
Margarida imagina que Eudoro possa ter descoberto que Dodó não fora estudar em Recife e que estava justamente na casa de Euricão para namorá-la, mas Caroba desvenda o motivo da carta e da visita: Eudoro vinha pedir a mocinha em casamento pois era solitário e simpatizara muito com ela quando esta passara a festa de São João em sua fazenda.

 A atuação de Caroba é fundamental na peça. Com sua esperteza e criatividade (à semelhança de João Grilo de O Auto da Compadecida), ela toma a frente da situação, tramando uma estratégia para resolver o impasse de Margarida e Dodó e ainda ganhar dinheiro para casar com Pinhão.
Caroba começa a tramar. Quando Euricão volta da cidade, a empregada convence o avarento de que Eudoro viria mesmo pedir dinheiro emprestado. Caroba dá uma ideia ao patrão (em troca de uma comissão): sugere que Eurico peça vinte contos primeiro (que ela planeja usar em um jantar). Em seguida, convence Benona de que Eudoro viria pedi-la em casamento. Quando o fazendeiro aparece, Benona lança-lhe um olhar provocante:

Entra EUDORO VICENTE. BENONA lança-lhe um olhar provocante e terno.
BENONA — Eudoro, meu irmão vem já. Com licença, malvado! (Sai.)
EUDORO — Que foi que houve aqui, meu Deus, para Benona me olhar assim. Que coisa esquisita!
CAROBA — Ah, e o senhor ainda não soube de nada não?
EUDORO — Não, o que foi que houve?
CAROBA — O que houve, Seu Eudoro, foi que o povo daqui está desconfiado de que o senhor veio noivar.
EUDORO — E por que estão pensando nisso?
CAROBA — O senhor mandou dizer na carta que ia roubar o tesouro de Seu Euricão e todo mundo está pensando que isso quer dizer "casar com Dona Margarida".
EUDORO — Pois estão pensando certo, Caroba. Desde que Dodó saiu de casa para estudar, estou me sentindo muito só. Simpatizei com a filha de Euricão e resolvi pedi-la, apesar da diferença de idade.

Caroba continua sua trama, prometendo ajudar Eudoro intermediando seu pedido junto a Euricão. Em seguida, a empregada induz o pai de Margarida a acreditar que o fazendeiro pretendia desposar Benona, de quem, aliás, já fora noivo.

CAROBA — Seu Euricão, o senhor sabe perfeitamente que Seu Eudoro gostou de uma pessoa de sua família.
EURICÃO — Sei, mas pensei que isso já tivesse passado.
CAROBA — Ora passado, agora foi que começou! A simpatia que essa pessoa inspirou a Seu Eudoro só fez aumentar com a separação. Pois bem, Seu Eudoro veio pedi-la em casamento.
EURICÃO — Está dada, pode se considerar noivo. Mas eu preciso de vinte contos emprestados para fazer a festa do casamento.
EUDORO — Mas eu ainda não sei se ela aceita!
EURICÃO — A responsabilidade é minha, pode se considerar noivo! Não está vendo que eu não vou perder uma oportunidade dessa? Você está noivo, Eudoro, e eu preciso de vinte contos, esse é que é o fato.
EUDORO — Então mande chamar Margarida.
EURICÃO — Margarida? Pra quê?
CAROBA — Seu Eudoro quer vê-la depois de tanto tempo, é perfeitamente natural, Seu
Euricão. Ele já viu Dona Benona, agora quer ver Dona Margarida!

O plano de Caroba dá certo: Euricão e sua irmã acreditam que Benona, e não Margarida, é a pretendida de Eudoro. Este, por sua vez, acredita que conseguiu a mão da filha de Eurico em casamento.
Surge, porém, outra intriga: Eudoro deseja uma entrevista com Margarida, a sós. A moça, horrorizada, diz que prefere ir para um convento.

MARGARIDA — Já disse que prefiro ir para um convento. E vá marcar entrevista com gente de sua idade, está ouvindo? E saia daqui com seu casamento! Saia daqui porque eu...
CAROBA põe o dedo nos lábios e faz-lhe sinal para que ela saia. Margarida se interrompe bruscamente e começa a chorar, saindo arrebatadamente da sala, acompanhada sempre pelo fiel DODÓ.
EUDORO — Mas Eurico...
CAROBA — Coitada, foi pega de surpresa pela notícia, é muito apegada com a família, principalmente com Dona Benona, e está com medo de perdê-la.
EURICÃO — É isso mesmo. Não se ofenda, Eudoro, vou acalmá-la. Uma conversa comigo e em dois tempos ela vai ser a primeira a apoiar a ideia. (Sai.)
EUDORO — A apoiar que ideia? A da entrevista?
CAROBA — Não, a do casamento.
EUDORO — Bem que eu não queria fazer isso, assim de repente! Agora a moça está nervosa!
CAROBA — Isso passa, deixe comigo! Ela faz isso porque está na frente do pai. Mas quando ela falar com o senhor a sós, há de ver que ela quer o casamento.

Repare que Caroba manipula a situação fazendo com que Eurico acredite que a entrevista com Margarida seria apenas pela simpatia do fazendeiro pela moça, que ficara hospedada em sua fazenda nos festejos de São João. A reação da moça seria, segundo a empregada, se devia ao fato de ela ser muito apegada a Benona, não admitindo que a tia deixasse a família para se casar.
Caroba promete a Eudoro arranjar uma entrevista com Margarida, à noite, quando Euricão estiver dormindo.

Durante o jantar, Eudoro manifesta interesse em comprar a porca de Eurico, imaginando ser um simples objeto de antiguidade. O árabe reage chamando o fazendeiro de ladrão. Eudoro fica sem entender nada. Na saída, Eudoro depara com Benona, que se insinua para ele.

BENONA — Deixe de preconceitos, homem! Agora estou diferente, a vida me ensinou a ser menos tola! Não quer? Bem, então fica para mais tarde. Vou me vestir para o jantar. Mas não deixo você sair sem lhe dar um beliscão no espinhaço de jeito nenhum, quero me lembrar dos velhos tempos. Chegue aqui esse espinhacinho, safado!
EUDORO — Benona!
BENONA — Ai meu Deus, quanta timidez, como é lindo isso! Esse Dodó sempre foi doidinho! Não tem isso não, lá vai beliscão!
EUDORO — (Correndo.) Benona! Diabo de povo mais esquisito! Benona! Ai! (Sai correndo, com BENONA atrás.)
EURICÃO — Ai minha porquinha adorada, ai minha porquinha do coração! Querem roubá-la, querem levar meu sangue, minha carne, meu pão de cada dia, a segurança de minha velhice, a tranquilidade de minhas noites, a depositária de meu amor! Mas parece que Santo Antônio me abandonou por causa da porca. Que santo mais ciumento, é “ou ele ou nada”! É assim?
Pois eu fico com a porca. Fui seu devoto a vida inteira: minha mulher me deixou, a porca veio para seu lugar. E nunca nem ela nem você me deram a sensação que a porca dá. Ah, minha bela, ah, minha amada! Aqui você fica muito à vista de todos, todo mundo deseja a sua beleza, a sua bondade. É melhor levá-la para um lugar escondido. A mala do porão, é lá! Aí você ficará em segurança e eu poderei dormir de novo.
Entra num socavão sob a escada, sobraçando a grande porca de madeira, e volta sem ela.
EURICÃO — Agora, sim. E você, Santo Antônio, deve se contentar agora com minha pobreza e minha devoção. Eu não o esqueci. Não deixe que esses urubus descubram meu dinheiro! Faça isso, meu santo, e a banda de jerimum que eu ia dar a Caroba será sua. Menos as sementes, viu? As sementes eu quero para fazer xarope e vender no armazém. Ganha-se pouco, mas sempre é alguma coisa para se enfrentar a crise e a carestia! (Persigna-se e sai.)   

Benona, que no passado perdera Eudoro por ser excessivamente recatada e conservadora, agora imagina que vai casar com o ex-noivo e está disposta a tudo para agarrá-lo.
Atenção para o trecho sublinhado: Euricão, depois de perceber o interesse de Eudoro na porca, reclama do Santo Antônio por não protegê-la e afirma que entre o Santo e a Porca, fica com a Porca. Mais tarde, o árabe avarento será punido por isso.

SEGUNDO ATO
Dodó briga com Caroba por causa da entrevista arranjada entre Margarida e Eudoro. O rapaz, com ciúmes, termina por brigar também com a namorada. A empregada consola Margarida prometendo ir em seu lugar à entrevista, usando um vestido da moça. Agora é Pinhão quem briga com Caroba.
Os rapazes conversam entre si e acreditam que as duas mulheres marcaram entrevistas.

DODÓ — Chegaram uns homens aí fora.
PINHÃO — São os dois empregados do hotel, certamente vêm com a porca. Arranjei uma porca assada para nós.
DODÓ — Então, pelo menos, hoje se tira a barriga da miséria! Estou aqui há dois meses, é a segunda vez que vou comer de noite. Vá receber a porca.
PINHÃO — (Gritando para fora, enquanto sai.) É a porca? Levem lá para trás, nossa alegria hoje é essa porca. É a porca? (Sai. EURICÃO cruza a cena, transtornado.)
EURICÃO — Ai, a porca! Pega, pega o ladrão!
Sai no encalço de PINHÃO. Ouvem-se gritos, som de pancadas, imprecações. PINHÃO entra correndo, com EURICÃO atrás, ameaçador. EURICÃO vai investir sobre PINHÃO, que puxa uma faca.
EURICÃO — Pega, pega o ladrão! Assassino, ladrão!
DODÓ — O que é isso, Seu Eurico? Que é isso, Pinhão? Guarde essa faca imediatamente.
EURICÃO — Não, deixe ele assim, quero mesmo que a polícia veja! Pega, pega o ladrão! Vou denunciá-lo à polícia!

Outro quiproquó: Pinhão encomendara uma porca assada e Euricão pensa se tratar de sua porca de madeira.
Após averiguar se a porca permanecia em seu esconderijo, Eurico se reclama mais uma vez do Santo Antônio, enquanto Pinhão espia a cena e desconfia do segredo do avarento. Pinhão vai ao esconderijo da Porca, é afugentado por Euricão, mas volta escondido ao lugar e fica espiando.

EURICÃO — (Cruzando os braços.) Vai ou não?
PINHÃO — (Dando meia-volta rápida e saindo.) Vou! (Mesmo movimento anterior de ambos.)
EURICÃO — Não quero mais vê-lo!
Saem, sendo que PINHÃO na carreira. Ele dá uma volta por fora da cena; subentende-se que ele rodeou a casa; então, pula uma janela, novamente para dentro de cena, e esconde-se. EURICÃO volta por onde saiu.
EURICÃO — Ah, agora estou só. Estará escondido? O quarto está vazio. E aqui? Ninguém. Agora, nós, Santo Antônio! Isso é coisa que se faça? Pensei que podia confiar em sua proteção mas ela me traiu! Você, que dizem ser o santo mais achador! É isso, Santo Antônio é achador e está ajudando a achar minha porca! Eu devia ter me pegado era com um santo perdedor! Agora não deixo mais meu dinheiro aqui de jeito nenhum. O cemitério da igreja! É aqui perto e é lugar seguro. Entre o túmulo de minha mulher e o muro, há um socavão: é lá que guardarei meu tesouro. Prefiro a companhia dos mortos à dos vivos, e ali minha porca ficará em segurança. Com medo dos mortos, os vivos não irão lá e os mortos, ah, os mortos não desejam mais nada, não têm mais nenhum sonho a realizar, nenhuma desgraça a remediar. Ao cemitério! Escondo a porca no socavão e à noite, quando todos estiverem dormindo, cavo a terra e hei de enterrá-la o mais fundo que puder. E você, Santo Antônio, fique-se aí com sua proteção e seu poder de encontrar. Lá, meu ouro, meu sangue, estará em segurança: o mundo dos mortos é mais tranquilo, e, digam o que disserem os idiotas, lá é o lugar em que se perde tudo e não se acha nada!

Euricão sai com a porca para escondê-la no cemitério, mas Pinhão já conhece o segredo do velho. Caroba percebe que o velho leva algo debaixo da capa e brinca, batendo na barriga do patrão a perguntar se está com fome. Pinhão, ao flagrar a cena, fica com ciúmes e briga com Caroba e, em seguida, dirige-se ao cemitério.

TERCEIRO ATO
Mesma sala. Entram CAROBA e MARGARIDA. CAROBA aponta a MARGARIDA um lugar qualquer onde ela deve se esconder. MARGARIDA assente com a cabeça e se esconde. Então CAROBA joga um pacote que deverá conter o vestido, de que depois ela virá a precisar, atrás de um móvel qualquer. Um barulho de fim de jantar e vozes que se aproximam. CAROBA se esconde no mesmo lugar com MARGARIDA. Entram EURICÃO, BENONA e EUDORO.

Eurico se retira para dormir, despedindo-se de Eudoro. O fazendeiro fica à sós com Benona e os dois conversam sobre o passado:

BENONA — Eu era muito moça, Eudoro. Eurico não me deixava sair para lugar nenhum, eu não conhecia o mundo, não conhecia você direito, nada! Bem, naquela noite em sua casa... Você sabe o que foi, fiquei com medo de você.
EUDORO — Mas Benona, foi só por causa daquilo? E você, por tão pouco, estragar nosso casamento! Se eu soubesse, teria vindo e falado de tal maneira, que você me perdoaria e teria talvez casado comigo.
A conversa é interrompida por Euricão, que chama a irmã para arrumar os lençóis da cama.
Eudoro fica sozinho na sala e Caroba vai até ele para confirmar a “entrevista”. Euricão grita ordenando que a empregada tranque todas as portas, pois a rua é “cheia de ladrões”.
Eudoro sai, entra Margarida, trazendo para Caroba o vestido que servirá de disfarce. A empregada diz que é melhor que Margarida fique escondida no quarto. Caroba tranca a moça e fica com a chave. Em seguida, chama Benona:
BENONA — Qual foi a combinação com Eudoro?
CAROBA — A senhora fica em seu quarto. Eu vou escutar na porta de Seu Euricão, depois na de Dona Margarida. Se eles estiverem agarrados no sono, eu tiro o vestido de Dona Margarida e vou entregá-lo à senhora. Aí destranco a porta de entrada e fico esperando Seu Eudoro. Quando ele vier, canto como gia, chamo a senhora e desapareço.

Benona vai para o quarto e Caroba pede a ajuda de Santo Antônio para que tudo dê certo e sai.
Chega Pinhão, carregando a porca que roubou dentro de um saco de estopa. Dodó aparece e Pinhão disfaça. Os dois se escondem quando aparece Euricão, com um candeeiro e uma pá, pronto para ir ao cemitério enterrar a porca.

Entra CAROBA, vestida de MARGARIDA.
CAROBA — Tudo pronto. Agora, só falta o noivo.
DODÓ — O noivo está aqui.
CAROBA — Seu Eudoro?
DODÓ — Não, sou eu, Margarida! Sou eu, que vim me certificar de sua traição!
CAROBA — (Trancando a porta.) Mas Seu Dodó...
DODÓ — Não me chame assim, pelo amor de Deus!
CAROBA — O senhor não sabe de nada e veio foi atrapalhar tudo!
DODÓ — Tudo está esclarecido.
VOZ DE EUDORO — (Fora.) Margarida!
CAROBA — Meu Deus, é seu pai. Que é que eu faço agora, meu Deus? Com esta eu não contava! Entre aqui neste quarto, é o jeito.
DODÓ — Nunca! Vou ficar e contar tudo a meu pai!
CAROBA — Homem, quer saber do que mais? Entre e não converse mais não! (Empurra DODÓ no quarto de MARGARIDA e tranca a porta. Enquanto fala, tira o vestido de MARGARIDA.)

Em seguida, Caroba vai ao quarto de Benona e as duas trocam de vestido. A empregada encontra Eudoro e se insinua para o fazendeiro (se fazendo passar por Benona).

EUDORO — Mas Benona, podem falar de nós!
CAROBA — Falar o quê? Que é que você está pensando? Que eu vou tentar contra você o que você tentou contra mim, é? Eu sou uma mulher séria, Eudoro, incapaz de atentar contra os viúvos honestos!
EUDORO — Você é incomparável, Benona, como você nunca existirá outra!
CAROBA — Então entre. Entre e tudo se explicará! (Dá uma pancada nele, com o próprio traseiro, empurrando-o.)

Pinhão imagina que flagrou Benona com Eudoro e tenta tirar proveito.

PINHÃO — A senhora pode já ter passado a primeira mocidade, mas eu lhe digo uma coisa, Dona Benona, é nesse tempo que eu acho as mulheres mais bonitas! E a senhora pode não ser mais muito moça, mas é enxuta que faz gosto!
CAROBA — (À parte.) Ah, safado!
PINHÃO — A senhora não estava procurando as chaves?
CAROBA — Estava!
PINHÃO — Eu tirei todas duas! Pelo que a senhora disse, elas são muito importantes. Assim, a gente podia fazer um acordo. Eu lhe dava as chaves e... A senhora não repare não, mas já que estamos aqui e Seu Eudoro dormiu no ponto, a gente bem que podia entrar num acordo e fazer um amorzinho, para passar o tempo!
CAROBA — Você está muito enganado! Eu estava deixando você falar, para ver até onde ia seu atrevimento! Mas vou gritar! Vou gritar e você vai se arrepender da graça.

A empregada, ainda disfarçada de Benona, ameaça fazer um escândalo e bate em Pinhão. Em seguida, volta à cena como Caroba, diz ter ouvido tudo e dá outra surra no namorado.

PINHÃO — Ai, Caroba, ai Carobinha, ai Carobinha do meu coração! (Consegue beijá-la por entre as tapas, abraça-a, CAROBA vai diminuindo as tapas, retribui o beijo, depois o abraço.)
CAROBA — Safado!
PINHÃO — Beleza!
CAROBA — Pinhão!
PINHÃO — Caroba! Agora, podemos casar! Vamos casar amanhã e você vai ser a mulher mais rica daqui!
CAROBA — Mentiroso! Ai, as chaves! (Destranca os dois quartos e entra, abraçada com PINHÃO, num terceiro quarto. DODÓ e MARGARIDA saem do quarto.)
MARGARIDA — Está vendo? Está aberta! Graças a Deus! Você está zangado comigo, meu amor?
DODÓ — Não, pelo contrário, você estava certa e eu fui quem perdi a cabeça.
MARGARIDA — E não vai me desprezar porque eu o repeli?
DODÓ — Pelo contrário, cada vez aprendo a respeitá-la mais. Eu é que devo pedir perdão a você por ter me descontrolado.  

Euricão volta do cemitério desesperado com a perda da porca. Mais um mal-entendido: Dodó tenta se explicar, achando que o velho está lamentando por ter perdido a filha, quando, na verdade, se refere à porca.

DODÓ — Agi mal, confesso, minha falta é grave mas vim exatamente pedir que me perdoe.
EURICÃO — Como é que você teve coragem de tocar naquilo que não lhe pertencia?
DODÓ — Espere aí! Apesar das circunstâncias serem um tanto esquisitas, o que aconteceu foi coisa sem importância! O que eu toquei nela foi muito pouco!
EURICÃO — O que, canalha? Tanto assim que se você tocasse em meu tesouro, seria um crime inominável! Com que direito você foi tocar naquilo que era meu?
[...]
DODÓ — Bem, tocar, toquei, mas não foi nada que pudesse ofendê-la. Mas já que o senhor considera essa tolice um crime, por que não aceita os fatos e não me dá de vez esse tesouro?
EURICÃO — Como é, assassino? Você quer ficar com meu tesouro? Contra minha vontade?
DODÓ — Eu não estou lhe pedindo? A coisa que eu mais desejo no mundo é ficar com ela!
[...]
EURICÃO — Ah, não, você tem que devolver!
DODÓ — Devolver? Eu não já disse que não tirei nada? Devolver o quê?
EURICÃO — Aquilo que me pertencia e que você tirou!
DODÓ — Que eu tirei? De onde? Afinal, o que é que você quer?
EURICÃO — (Irônico, amargo.) Você não sabe?
DODÓ — Você não diz!
EURICÃO — O que eu quero é minha porca que você confessou ter roubado!
MAGARIDA — Ai, meu Deus, por que o senhor me insulta?
DODÓ — Isso é coisa que o senhor diga? Porca por quê? Sua filha é a mais pura das
moças, portou-se com toda a prudência e o senhor a trata com essa grosseria!
EURICÃO — Minha filha? Que é que minha filha tem a ver com isso? Que é que você está fazendo aqui, Margarida?
MARGARIDA — Mas papai, eu não...
DODÓ — Não é ela que o senhor está reclamando?
EURICÃO — Olhe a inocência do ladrão! O que eu quero é minha porca, cheia de dinheiro, que você confessou ter roubado!

Caroba aparece e explica que Dodó estava se desculpando por ter “comprometido” Margarida. Em seguida, conta também que Benona e Eudoro tinham se trancado no quarto para “matar as saudades”. Conforme o plano de Caroba, Euricão exige que todos se casem.
Desmascarado, Dodó pede desculpas ao pai por ter abandonado os estudos dizendo tê-lo feito por ter se apaixonado por Margarida.
Euricão segue inconsolável pela perda da porca e Margarida acusa Pinhão, que confessa o roubo e acaba aceitando devolvê-la em troca de vinte contos que usaria para casar com Caroba.
Tudo se resolve para os casais, mas Euricão é alertado por Eudoro sobre o fato de que o dinheiro antigo, contido na porca já era “recolhido”, não valia mais nada.

INTERTEXTUALIDADE: Euricão é muito semelhante ao velho Libório, personagem secundário de “O Cortiço” que vivia mendigando, mas guardava dinheiro em garrafas. Libório morre em um incêndio e João Romão se apodera da fortuna escondida. Boa parte do dinheiro não valia mais nada, mas o português repassa as cédulas aos clientes como troco em sua taverna. 

Entendendo ser uma cilada de Santo Antônio, Euricão pede para ficar só, negando o convite de Margarida para ir morar com ela e Dodó. Todos vão embora e Euricão fica só, com o Santo e a Porca, tentando compreender o sentido do que acontecera:

Saem todos, menos EURICÃO.
EURICÃO — Bem, e agora começa a pergunta. Que sentido tem toda essa conjuração que se abate sobre nós? Será que tudo isso tem sentido? Será que tudo tem sentido? Que quer dizer isso, Santo Antônio? Será que só você tem a resposta? Que diabo quer dizer tudo isso, Santo Antônio?

ATENÇÃO: O tema da avareza aparece em outras leituras obrigatórias do vestibular da UFSC:
- Em “Várias Histórias”, no conto “Entre Santos” (semelhante, inclusive no conflito entre valores materiais e espirituais).
- Em “O Cortiço”, com os personagens João Romão e Libório





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