sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Lobo da Costa (2)

Se um grito de fera açoute
Estruge no ar austero
Não tremas: é o quero-quero
Quem vem te dar a boa noite.



Segue aqui o tributo a Lobo da Costa. Na seqüência, temos um programa de rádio, reconstituindo as circunstâncias da morte do poeta e contando um pouco de sua história.



Programa "Patrimônio pé de ouvido" : Lobo da Costa - BAIXAR (.mp3)

Para enriquecer a pesquisa sobre o poeta, temos ainda o texto de Mario Osório Magalhães, publicado no jornal Diário Popular.

Ainda Lobo da Costa

Em São Paulo - não na capital, mas em Campinas -, Lobo da Costa irá publicar, com o auxílio do poeta e teatrólogo porto-alegrense Carlos Ferreira, o seu livro Lucubrações, de 142 páginas e reunindo o melhor da sua poesia.
Na capital paulista irá estudar para os preparatórios; irá conviver com os estudantes e os intelectuais da sua época. Haverá de escrever bastante, mas, sobretudo, de afeiçoar-se à boemia, como era regra geral entre os poetas do seu tempo. E não trará de volta o tão sonhado título acadêmico; no ano seguinte - em 1875 - já retorna ao Sul, doente, fixando-se por algumas semanas na Ilha do Desterro, atual Florianópolis, onde colabora em jornais e, restabelecido, exerce durante poucos dias as funções de oficial de gabinete do presidente da Província.
De volta a Pelotas, em 1876, nunca mais conseguirá ajustar-se, por um período razoável de tempo, às convenções da sociedade. A frustração dos seus sonhos só pode ser compensada na bebida, e a bebida o conduz ao desregramento social. Por esse motivo dá-se o rompimento com Elvira. São desse ano as admiráveis estrofes de Vingança, em que o autor, amargurado, acusa de traição a mulher que o abandonara:
"Que sinto eu? Desejos de vingança!
De um crime hediondo ela tornou-se ré!
E o ídolo que adorei reduzo a cinzas
e sobre as cinzas me coloco em pé!"
Conta a tradição oral que esse poema foi lido diante de Elvira, numa reunião familiar, havendo a moça desmaiado durante a declamação.
Lobo da Costa tem agora 24 anos. A partir daí a sua biografia será caracterizada por um aparente contraste: de um lado, o reconhecimento do valor da sua obra, a consagração literária, o prestígio de que passou a desfrutar como poeta; de outro, a censura à sua vida, o controle social, a condenação do seu comportamento boêmio. Por este último motivo, com toda a certeza, não se fixa por muito tempo em Pelotas entre 1877 e 1885: viaja a Rio Grande, Porto Alegre, Arroio Grande, Jaguarão, Dom Pedrito e Bagé.
Em Jaguarão, no ano de 1879, toma uma atitude inesperada: casa-se com uma jovem de 17 anos, natural de Rio Grande e de origem humilde. Nessa oportunidade, um embuste seu é de fácil explicação psicológica: faz com que o escrivão o registre, na certidão de casamento, como bacharel em Direito.
De Carolina Augusta Carnal, a esposa, nunca se ouvira falar antes; depois, sabe-se apenas que dessa união resultou uma filha, de nome Amanda e de rara beleza.
Em 1881 vai para Porto Alegre, como secretário de uma companhia ginástica.
Em 1883, na então vila de Dom Pedrito, hospedado numa casa comercial, escreve uma peça, um drama em versos, sob encomenda de uma sociedade amadora local. A peça tem o título de O filho das ondas e a principal personagem feminina tem o nome de Elvira. No dia da estréia Lobo da Costa não pode assistir ao espetáculo, devido aos efeitos de um vinagre de álcool, um irresistível "espírito de vinho"...
É semelhante a esse episódio o que ocorrera em Pelotas, alguns meses antes, nesse mesmo ano de 1883. Só que é mais representativo daquele contraste, a que me referi, entre a consagração e a censura nessa fase biográfica de Lobo da Costa. Durante a apresentação da menina-prodígio Julieta dos Santos, no Teatro Sete de Abril, uma jovem da sociedade pelotense declamara uns versos que ao poeta havia inspirado a prestigiada atrizinha; seu autor, porém, fora barrado às portas do teatro, por encontrar-se visivelmente bêbado...
Revelei em primeira mão há cerca de dez anos, e repito agora, o que, segundo entendo, representa uma descoberta altamente significativa para a biografia de Lobo da Costa: Elvira, a musa do poeta, havia morrido em janeiro de 1883, solteira, com a idade de 22 anos, vítima de tuberculose, alguns meses antes dos episódios do Teatro Sete de Abril e de Dom Pedrito, ocorridos respectivamente em fins de março e em fins de setembro.
Os dois fatos são sintomáticos, nos permitem constatar e, mesmo que não dêem a medida exata, nos autorizam a imaginar a enorme repercussão daquele acontecimento, o abalo que causou na sensibilidade do poeta...


(Coluna de Mário Osório Magalhães no jornal Diário Popular - 29.06.2003)

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A Morte de Lobo da Costa

Tão relevantes me pareciam os dois fatos - os episódios do Teatro Sete de Abril e da casa comercial, em Dom Pedrito - que passei a investigar, com cuidado especial, a década de 1880 na biografia de Lobo da Costa. Como disse, acabei por descobrir - e publiquei, pela primeira vez - um atestado de óbito, no qual se registra que Elvira Arruda, a Elvira de verdade, a paixão do poeta, morrera em janeiro desse ano, solteira, com 22 anos, vítima de tuberculose. A partir daí fiquei sabendo, por uma notícia do Correio Mercantil, que "mais alguns dias e a inditosa jovem ter-se-ia unido matrimonialmente a um distinto mancebo".
Como desconfiava, os episódios de Pelotas e de Dom Pedrito não são apenas reveladores - conforme salientam os seus biógrafos - da obsessão alcoólica de Lobo da Costa, no final da vida: mais do que isso, são componentes trágicos de um muito triste ritual de luto.
Por outro lado, é significativo lembrar que Francisco Lobo da Costa durou mais cinco anos, ora internando-se na Santa Casa, ora percorrendo ruas, ora freqüentando bares; Elvira, prometida a um outro cidadão, "a um distinto mancebo", teve menor resistência. Foi vítima, também ela, do Romantismo - mesmo sem ingerir absinto nem "Parati", muito menos vinagre de álcool, e sem haver elaborado, ao que se saiba, um único poema.
Em 1885, retornando de Bagé, o poeta é internado pela primeira vez na Santa Casa de Misericórdia. Observe-se o modo grotesco como o jornal A Discussão, ao informar os seus leitores, justifica o estado de saúde do autor de Vingança, generalizando-o como fatalidade irreversível, extensiva a todos os literatos:
"De Bagé chegou ontem a esta cidade o ilustre vate pelotense senhor Francisco Lobo da Costa, cujas inúmeras produções poéticas são testemunhos do seu robusto talento. Como todos aqueles que cultivam as letras, Lobo da Costa acha-se gravemente enfermo, cumprindo assim a sina imposta aos infatigáveis obreiros das letras. Dos seus dedicados amigos Lobo da Costa tem recebido as maiores provas de apreço e simpatia."
Receberá dos amigos, igualmente, auxílio material. Reunidos em assembléia, os moços do Grêmio Literário dos Lunáticos decidem publicar um livro, em 1887, revertendo a renda em benefício do poeta. Graças ao prestígio de Lobo da Costa, em seguida se esgota a primeira edição. Só que o livro, em vez de enfeixar os inéditos do beneficiado, como seria lógico, lança os originais dos próprios beneméritos. Uma maneira, enfim, de conciliar o útil com o agradável...
Entre 1885 e 1888, Lobo da Costa transita entre o hospital e os bares. Em ambos escreve sofregamente, seja em retribuição às visitas que lhe fazem, seja em pagamento da bebida que o seu organismo reclama. Dorme muitas vezes ao relento. Fora do hospital, proveniente dos bares, "vagueia pelas ruas, indiferente a tudo e a todos".
No dia 18 de junho de 1888, na hora da sesta, abandona a Santa Casa e, de posse de 20 mil réis - último saldo do livro Charitas, que lhe é entregue pelo mordomo - dirige-se a um bar, na região leste do centro da cidade. No fim da tarde de inverno já o encontram caído, na valeta de uma rua isolada e deserta. Mas só na manhã seguinte é que uma carroça recolhe o seu corpo nu, verificando-se, pois, que ele fora saqueado durante a noite...
Diante das circunstâncias trágicas da morte de Lobo da Costa, procurou-se provar, mais tarde, que o corpo do poeta foi conduzido à Santa Casa, no dia 19, com algum resquício de vida. É uma honesta tentativa de esfregar um pouco essa possível "mancha" da história local. Tenha êxito ou não essa "reparação", na verdade o que importa é que o autor do Adeus, abandonando este mundo, o fez espiritualmente enfermo, bêbado e jogado ao relento, desencantado com a sociedade e, talvez, consigo mesmo. Assim como viveu, morreu poeta, conforme o modelo da sua época.
Um modelo, aliás, mais ideal do que real. No Brasil, geralmente, ao adquirir seu diploma, os jovens estudantes passavam à condição de ex-literatos, punham as rimas de lado. Lobo da Costa, porém, não conseguiu se formar; só conseguiu se manter, o tempo todo, no patamar da crise. Em conseqüência, foi um dos raros, foi um dos poucos românticos brasileiros que de fato sucumbiram.

(Coluna de Mário Osório Magalhães no jornal Diário Popular - 06.07.2003)

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