terça-feira, 15 de abril de 2014

Livros UFSC 2015: Várias Histórias - Resumo e análise do conto "A Cartomante"

A CARTOMANTE

O conto se inicia com uma citação: "Hamlet observa a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia”. A intertextualidade com a obra shakespeariana já induz o leitor ao tema da superstição, que, como veremos, passará pela implacável ironia machadiana.
Na cena de abertura, Rita conta a Camilo que, insegura sobre os sentimentos dele, consultara uma Cartomante. O homem, envaidecido, sorri,cético a respeito de tais superstições.
Eis que o narrador onisciente introduz um flashback revelador: Rita era casada com Vilela, melhor amigo de Camilo. Estamos, pois, diante da temática realista do adultério. Cabe observar o caráter sedutor e leviano da mulher, pois foi durante o luto de Camilo pela perda da mãe que Rita se aproximou e então...

“Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos!”

Assim,o narrador acentua o caráter imoral do relacionamento entre os amantes, tolos, mas inescrupulosos.

“Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente.” [...]

Foi por esse tempo e por causa das ausências de Camilo que Rita foi à Cartomante. Outras cartas anônimas “tão apaixonadas” como a primeira vieram aumentando o medo em Camilo, de que Vilela viesse a descobrir tudo, enquanto a moça, vaidosa, pensou que as cartas só podiam ser “despeito de algum pretendente”. Rita decidiu então levar as cartas para casa, no intuito de compará-las à caligrafia das correspondências que chegassem para Vilela (observe que Rita levou as “provas do crime” para casa).

Vilela passou a mostrar-se sombrio e o casal decidiu evitar temporariamente os encontros.Em seguida, Camilo recebe um bilhete de Vilela: "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora.". Atônito, Camilo não sabe ao certo o significado daquelas palavras... se um chamado colérico do marido traído ou um simples apelo do amigo. Curioso e angustiado, o rapaz decide ir logo à casa de Vilela, mas, no meio do caminho... uma carroça caída interrompia o trânsito bem ao lado da casa da cartomante. Seria o destino? Repare que Camilo tinha a opção de tomar outro caminho, mas prefere esperar e, logo em seguida, decide ir consultar a profetisa.

"A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:
— Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto...
Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.
— E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma coisa ou não...
— A mim e a ela, explicou vivamente ele."

Observe que a cartomante percebe a inquietação de Camilo e o induz a dizer indiretamente o motivo da consulta, ou seja, não há nada de mágico no conto, como a citação de Hamlet nos poderia fazer julgar.

A cartomante, enfim, diz ao cliente o que ele gostaria de ouvir, ou seja, que o outro não sabia de nada. Aliviado, Camilo paga generosamente a consulta e vai imediatamente à casa de Vilela.

— Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?

"Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensangüentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão."

O desfecho trágico e ao mesmo tempo seco é a punição exemplar dos adúlteros, algo raro no Realismo, cujas narrativas normalmente encerram com o triunfo dos imorais. Isso se explica pelo fato de que no conto A Cartomante, a verdadeira questão a ser discutida vai além do adultério: a fraqueza do caráter humano e a tendência a interpretar-se a realidade sempre conforme nossa própria conveniência.



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