terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Noções básicas de teroria literária: Elementos e características do Gênero Narrativo.

MATERIAL EXTRAÍDO DA ÁREA VIP (AULA 4)

* Narrador

É o contador da história, um ser ficcional a quem o autor transfere a tarefa da narrativa. O narrador pode posicionar-se de diversas maneiras:

-Foco narrativo em terceira pessoa- o narrador está fora dos acontecimentos, ou seja, não é personagem. Pode ser um mero observador, que presencia, testemunha os acontecimentos; ou pode manifestar-se onisciente, conhecendo todos os fatos, inclusive os pensamentos e emoções dos personagens.

-Foco narrativo em primeira pessoa - o narrador participa dos acontecimentos. Trata-se, portanto, de um narrador-personagem, que pode ser principal (protagonista) ou secundário.

Vamos analisar alguns fragmentos de obras literárias exigidas em vestibulares:

Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu. (Natal na Barca – Lygia Fagundes Telles)

Observe no trecho acima:
- o uso dos verbos: 'quero', 'devo'
- as formas pronominais 'me', 'nos'

São indicativos do uso da primeira pessoa (EU). O pronome 'eu' aparece explícito no final do trecho, facilitando o nosso trabalho: trata-se, portanto, de narrador em primeira pessoa. Sendo toda a situação vivida em primeiro plano pela narradora, temos no caso uma narradora protagonista.

Vamos a outro trecho, desta vez de Machado de Assis:

Durante os primeiros minutos, Honório não pensou nada; foi andando, andando, andando, até o Largo da Carioca. No Largo parou alguns instantes, -- enfiou depois pela Rua da Carioca, mas voltou logo, e entrou na Rua Uruguaiana. Sem saber como, achou-se daí a pouco no Largo de S. Francisco de Paula; e ainda, sem saber como, entrou em um Café. Pediu alguma cousa e encostou-se à parede, olhando para fora. Tinha medo de abrir a carteira; podia não achar nada, apenas papéis e sem valor para ele. Ao mesmo tempo, e esta era a causa principal das reflexões, a consciência perguntava-lhe se podia utilizar-se do dinheiro que achasse. Não lhe perguntava com o ar de quem não sabe, mas antes com uma expressão irônica e de censura. Podia lançar mão do dinheiro, e ir pagar com ele a dívida?(A Carteira – Machado de Assis)

Veja: "Honório não pensou em nada". ELE (3ªpessoa) não pensou em nada. Todas as formas verbais do excerto (enfiou, voltou, achou, entrou...) somadas às formas pronominais (lhe, se, ele) revelam o foco narrativo em terceira pessoa.
Agora, como esse narrador sabe que Honório não pensou em nada? Como chega a penetrar-lhe a consciência? Trata-se do poder na onisciência. Portanto, temos um narrador em 3ª pessoa, onisciente.

Agora mais um trecho, desta vez com uma situação diferente:

Fräulein é que percebeu muito bem a mudança do rapaz, finalmente! Carecia agora se reter um pouco, mesmo voltar pra trás. Avançara por demais porque ele tardava. Devia guardar-se outra vez. As coisas principiam pelo princípio.

— Bom dia, Fräulein!
— Bom dia, Carlos.
— Wie gehfs Ihnen?
— Danke, gut1.
— Como vai?
— Bem, obrigada.
— Fräulein! vamos passear no jardim com as crianças!
— Não posso, Carlos. Estou ocupada.
— Ora, vamos! Maria Luísa também vai, ela precisa! Aldinha! Laurita! vamos passear no jardim com Fräulein!
— Vamos! Vamos! as crianças apareceram correndo.
— Vamos hein!..."
— Carlos, eu já disse que não posso. Vá você.
Levar as crianças no jardim... ora essa! ele não era ama-seca! Mas foi.
É coisa que se ensine o amor? Creio que não. Pode ser que sim. Fräulein tinha um método bem dela.

(Amar, Verbo Intansitivo – Mário de Andrade)

O trecho se inicia com a referência do narrador a uma terceira pessoa (ELA), Fräulein. Em seguida temos um diálogo, representado pelo discurso direto (não se trata de narrativa em primeira pessoa!). Por fim, o narrador comenta o diálogo (do qual ele não participa), emitindo suas opiniões (usa formas verbais em 1ª pessoa para dar sua opinião).

Para saber classificar o narrador é essencial perguntar o seguinte: quem conta a história participa dos fatos? Se não participa, está contando a história de outra(s) pessoa(s), de uma terceira pessoa.

O que acontece no trecho de "Amar, verbo intransitivo"? Quando conta a história, o narrador usa a terceira pessoa, é assim que ele se posiciona diante dos fatos narrados. Quando dá opinião, faz comentários, saindo da esfera narrativa e entrando no campo argumentativo, posiciona-se em primeira pessoa. O que nos interessa classificar é o foco narrativo, logo, narrador em 3ª pessoa. Onisciente porque "lê os pensamentos" de Fräulein no início do trecho.

Agora é com você. Leia os fragmentos abaixo e identifique o tipo de narrador em cada um deles.

1- RUBIÃO fitava a enseada, - eram oito horas da manhã. Quem o visse, com os polegares metidos no cordão do chambre, à janela de uma grande casa de Botafogo, cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta; mas, em verdade, vos digo que pensava em outra cousa. Cortejava o passado com o presente. Que era, há um ano? Professor. Que é agora? Capitalista. Olha para si, para as chinelas (umas chinelas de Túnis, que lhe deu recente amigo, Cristiano Palha), para a casa, para o jardim, para a enseada, para os morros e para o céu; e tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de propriedade. (Quincas Borba – Machado de Assis)


2- "O que estou é velho. Cinquenta anos pelo São Pedro. Cinquenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra essa casca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada. Cinquenta anos! Quantas hora inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber para quê! Comer e dormir como um porco! Como um porco! Levantar-se cedo todas as manhãs e sair correndo, procurando comida! E depois guardar comida para os filhos, para os netos, para muitas gerações. Que estupidez! Que porcaria! Não é bom vir o diabo e levar tudo?" (São Bernardo – Graciliano Ramos)

Respostas:
Trecho 1: 3ª pessoa, onisciente.
Trecho 2: 1ª pessoa, narrdor-protagonista.


*Enredo
É o desenrolar de fatos, que normalmente envolve um conflito a ser resolvido ao final da trama (desfecho). Ao momento de mais intensa dramaticidade chamamos clímax.

*Personagens
Seres, em geral imaginários, que vivem as situações do enredo. Quanto à importância que têm na trama, podem ser classificados como protagonistas (principais), antagonistas (opositores dos principais), ou coadjuvantes (secundários). Quanto à complexidade (profundidade), podem ser planos, quando são superficiais e constituem estereótipos (“o mocinho”, “o vilão”), ou multifacetados, quando são complexos, mais próximos da condição humana, com virtudes e defeitos que vão aparecendo com os conflitos gerados pela trama.

*Espaço (ambiente)
É o meio físico e social onde se desenvolvem as ações dos personagens.

*Tempo
O narrador pode contar os fatos no tempo em que eles estão ocorrendo; pode narrar um fato plenamente concluído e pode alternar presente e passado. O recurso utilizado para interromper a narrativa e contar algo que acontecera anteriormente chama-se flash-back. Assim, o tempo pode ser cronológico (quando os fatos são apresentados de acordo com a ordem dos acontecimentos) ou psicológico (quando é medido pela repercussão emocional nas personagens; a rememoração do passado desencadeia a narrativa).

*Discurso
Forma de que o narrador dispõe para apresentar as falas dos personagens.
-Direto - o narrador apresenta a própria personagem falando diretamente. É a voz da própria personagem que ouvimos.
“A voz de Juliana, plangente, disse:
- A senhora dá licença que eu vá logo ao médico?
- Vá, mas não se demore. Puxe-me essa saia atrás. Mais. O que é que você tem?
- Enjôos, minha senhora, peso no coração. Passei a noite em claro.”
(QUEIRÓS, Eça de. O Primo Basílio)

- Indireto - O narrador reconstrói, por meio de sua linguagem, o que as personagens teriam dito. Adaptando o texto acima teríamos:
“Juliana pediu licença para ir ao médico.
Luísa respondeu que fosse, mas sem demora. Ordenou-lhe que puxasse a saia atrás e então perguntou à criada o que ela tinha.
Juliana disse-lhe que sentia enjôos, um peso no coração, e que passara a noite em claro.”

- Indireto livre - A fala da personagem se confunde com a voz do narrador.
“Agora a chuva parou. Só está frio e muito bom. Não voltarei para casa. Ah, sim, isso é infinitamente consolador. Ele ficará surpreso? Sim, doze anos pesam como quilos de chumbo. Os dias se derretem, fundem-se e formam um só bloco, uma grande âncora. E a pessoa está perdida. Seu olhar adquire um jeito de poço fundo. Água escura e silenciosa. Seus gestos tornam-se brancos e ela só tem um medo na vida: que alguma coisa venha a transformá-la. Vive atrás de uma janela, olhando pelos vidros a estação das chuvas cobrir a do sol, depois tornar o verão e ainda as chuvas de novo. Os desejos são fantasmas que se diluem mal se acende a lâmpada do bom senso. Por que é que os maridos são o bom senso? O seu é particularmente sólido, bom e nunca erra.”
(LISPECTOR, Clarice. A fuga. In: A bela e a fera.
5. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995)

Testes


4. Questão (ENEM)

O Autor Invisível

Certa vez, Quando se realizava um “garden-party” num dos castelos da Inglaterra, compareceu um distinto ancião, muito bem-posto e apoiado na sua bengala. E, para constrangimento de todos, olhava detidamente na cara de cada um, como se se tratasse de um bicho ou de uma coisa. E como alguém indagasse quem era, respondeu o anfitrião que se tratava do romancista Sir Bulver-Lytton, já completamente gagá e que se considerava invisível.
Gagá? Mas o que ele estava realizando era o ideal de todo verdadeiro romancista: ser isento de quaisquer inibições, de respeitos de qualquer ordem, e ver portanto imparcialmente o mundo. Não embelezar, não reformar, não polemizar: – ver!

(Obs: Garden-party = festa dada num jardim)

O último parágrafo do texto contém
a) palavras de uma personagem, um dos presentes à festa, respondendo à informação do anfitrião.
b) o pensamento do ancião quando ouve o que se afirma sobre seu comportamento.
c) palavras do protagonista, que é o narrador da história.
d) a fala do narrador que, discordando do anfitrião, dá sua opinião sobre o comportamento do protagonista.
e) palavras do autor invisível.

2. (UFSM)
Leia os fragmentos a seguir
I. Foi de incerta feita – o evento. Quem pode esperar coisa tão sem pés nem cabeça? Eu estava em casa, o arraial sendo de todo tranqüilo. Parou-me à porta o tropel. Cheguei a janela. (Primeiras estórias, de Guimarães Rosa)
II. Do jeito, o velho André via o céu nublar-se, através da janela, enquanto as folhas da mangueira brilhavam com surda refulgência, como se absorvessem a escassa luz da manhã. (Melhores contos, de Osman Lins)

Quando se comparam os dois fragmentos, pode-se afirmar.
I. Ambos focalizaram personagens que observam pela janela a paz da natureza
II. Somente no primeiro, narrador e personagem compõem uma entidade única
III. As expressões “o arraial sendo de todo tranqüilo” (trecho I) e “as folhas da mangueira brilhavam com surda refulgência” (trecho II) indicam, através de diferentes formas, referencias a espaço ambiente.
Estão corretas
a) apenas I.
b) apenas I e II
c) apenas III
d) apenas II e III
e) I, II e III

Respostas:
1-D 2-D

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