quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

"O fracasso subiu à cabeça", diz diretor de 'Só Dez Por Cento é Mentira'




*Danilo Saraiva, do portal Terra


Duas cópias, uma em São Paulo, outra no Rio de Janeiro. É o que o diretor Pedro Cézar tem a oferecer de seu novo filme, Só Dez Por Cento é Mentira, a biografia - ou como ele cita, desbiografia - do poeta Manoel de Barros, o cara que mais vende livros no Brasil. Mas seria Manoel, 93 anos, homem de Cuiabá, capaz também de vender ingressos? Pedro e o resto dos exibidores do País acham que não. Em entrevista por e-mail ao Terra, o diretor cita uma frase de Millor para explicar: "No Brasil, cinema quando dá bilheteria é um sucesso e quando não dá público é filme de arte. Tomara que seja um sucesso. Acho que o fracasso subiu à cabeça".

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A obra de Pedro Cézar é, na realidade, uma extensão da poesia de Manoel, que inventa boa parte de suas memórias, mas afirma que só dez por cento delas é mentira - assim como o documentário, que traz elementos ficcionais. Vencedor no Festival de Paulínia, o filme é obra de arte incomum, rara de ser vista nas telonas. Fruto de um trabalho de três anos, deveria ser muito mais reconhecido do que realmente é. Que bom seria se todos aproveitassem o ócio - comprado, como o de Manoel, ou a simples vagabundagem - para ficar pouco mais de uma hora e 20 minutos na frente das telonas. Perder tempo com a invenção de Pedro Cézar aumenta o mundo, como a poesia de Manoel. Não necessariamente nesta ordem.

Confira a entrevista na íntegra:

Qual a relação de Manoel de Barros com Fabio Fabuloso, outro perfilado com quem você trabalhou?
Fabinho faz um surfe "retrato do artista quando coisa" e, sobre a prancha, atinge o reino da "despalavra". Manoel olha a vida de ponto de vista do horizonte e diz que poesia não é para entender é para incorporar. Existe uma comunhão entre ambos. De todo modo, "as antíteses congraçam"! Os dois são artistas invejáveis; singulares. Cada um em sua onda.

Quando começou a filmar, você já tinha trabalhado com a ideia de fazer seus entrevistados entrarem na estética da poesia de Manoel de Barros, como se fossem uma extensão dela?
Entendo que sua pergunta diz respeito aos segmentos ficcionais. Bem, caso não esteja fazendo confusão, diria que os "entrevistados ficcionais" dão conta dessa estética e de algo que não poderíamos fazer em off. Inventamos o Paulo, criador de desobjetos; O Jaime, biógrafo; e o Salim, guia do Idioleto Manoelês em Corumbá.

Como foi convencer Manoel de Barros a ser entrevistado para um documentário (o poeta é conhecido por só fazer entrevistas por correspondência)? Você acha que ele se convenceu com a frase "era só um sonho", dita por você num momento de raiva?
Todos os argumentos racionais que usei não serviram. Pior do que isso: cada vez mais expunha um cineasta mutilado entre a delicadeza e o propósito. Desisti e usei a palavra sonho apenas como desabafo. Para minha surpresa, Manoel ordenou que trouxesse a câmera no outro dia. "Ao poeta faz bem desexplicar..." A diferença entre sonho e senha é coisa de pouca vogal.

Você tinha dúvidas sobre o potencial comercial da sua obra? Ultrapassar o jornalismo e transformar filme em poesia foi sua intenção desde o começo?
Tinha e tenho. E pra falar a verdade acho que os momentos de "jornalismo" do filme revelam um Manoel que diz coisas absolutamente poéticas: "Poesia não se descreve. Poesia se descobre".

Qual sua relação com o poeta? O que ele representa para você?
Sou leitor apaixonado. Sou fã de sua poesia e de sua linguagem. O que ele escreve me impacta, me mobiliza e me aciona. Seus livros para mim são Bíblia, prazer, almanaque, água, cartilha, onda, palavra, música, despalavra e cinema. Quando leio Manoel confirmo um mundo que sempre suspeitei que existia mas que precisava de uma senha: o idioleto manoelês, a língua dos bocós e dos idiotas.

Manoel chegou a assistir ao filme? O que ele disse?
Vou imitar o Manoel nessa resposta. "Não gosto de contar vantagem mas vou falar isso aqui de brincadeira." Manoel assistiu o filme duas vezes seguidas. Depois beijou minha mão e disse: "Esse filme é uma obra de arte. Você tem que saber disso rapaz". O engraçado é que mesmo contando essa vantagem, lembro inevitavelmente de um aforisma do Millôr que dizia mais ou menos o seguinte: 'No Brasil, cinema quando dá bilheteria é um sucesso e quando não dá público é filme de arte. Tomara que seja um sucesso'. Tô falando demais. Acho que o fracasso subiu à cabeça.

Quanto tempo demorou para filmar? Quantas visitas à casa de Manoel de Barros foram necessárias?
Entre a primeira entrevista "era só um sonho" e o ponto final do último corte foram exatos três anos. Visitei Manoel quatro vezes para reunir todo o material que tem no filme.

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