segunda-feira, 12 de abril de 2010

MEC garante que questões do Enem tratarão apenas de assuntos nacionais


Professores têm de rever previsão de conteúdos para atender programa do exame

Com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a caminho de consolidar-se como única porta de acesso às instituições federais de Ensino Superior no país, professores, alunos e escolas gaúchas terão uma difícil questão pela frente, sem muitas opções de resposta. Por que estudar os regionalismos se o Ministério da Educação garante que a prova tratará somente de assuntos nacionais?

Para professores de história, geografia e literatura, disciplinas onde o Rio Grande do Sul sempre teve espaço, a situação é delicada.

A incidência de questões sobre o Estado nessas provas, historicamente, sempre obrigou escolas a tratarem de escritores gaúchos, de episódios da história local, até mesmo da formação de Porto Alegre, e de peculiaridades do clima. Mas, se o Enem não cobrar mais isso, o temor é de que não haja mais motivo para os estudantes quererem aprender esses conteúdos.

– O MEC resolveu de forma muito simples dizendo apenas que o Enem não abordará regionalismos. Mas o que é regionalismo? Isso eles não esclareceram, é um conceito implícito e não debatido. Nesse contexto, por exemplo, Simões Lopes Neto é um autor que deve desaparecer do cenário – afirma o professor de literatura Luís Augusto Fischer.

Apesar de considerar positiva a ideia da mobilidade de estudantes provocada pelo Enem e ser contra qualquer tipo de xenofobia, o professor teme que formas de cultura não hegemônicas como a gaúcha percam espaço. Acostumado com a ansiedade de vestibulandos, o professor de história do Unificado José Carlos Tamanquevis considera difícil convencer os alunos a estudarem temas que não serão cobrados no concurso.

– O Rio Grande do Sul tem uma das produções historiográficas mais ricas do Brasil graças ao número e à qualidade dos mestrados e doutorados que temos aqui. Com essa forma do Enem, o Ensino Médio deve deixar tudo isso de lado. Tirando esses conteúdos das provas, ninguém vai querer estudá-los. Um povo que não conhece seu passado pode repeti-lo – adverte Tamanquevis.

Na geografia, a preocupação se repete. Saul Chervenski, também professor do pré-vestibular, prevê uma perda de interesse de ensinar e de aprender os fenômenos a partir da visão local. Segundo ele, isso culminará em uma legião de jovens esquecendo de sua relação com a comunidade.

– A geografia do Rio Grande do Sul se tornará tema apenas para quem já está na faculdade. As diferenças da metade norte e sul do Estado, a nossa hidrografia, as diferenças do nosso clima, por exemplo, ficarão de fora. Será como assistir a um noticiário de TV que não traz notícias da sua região – afirma.

Sem chance de abordar temas do RS

Questionada pelo caderno Vestibular, a assessoria especial no ministro da Educação, Fernando Haddad, foi enfática: não há hipótese de o Enem contemplar assuntos locais. A exceção ocorrerá quando o tema tiver repercussões nacionais. Nesse critério, afirma o MEC, a Revolução Farroupilha estaria garantida, assim como o escritor Erico Verissimo. O ministério reafirma que a prova será a mesma do Oiapoque ao Chuí.

Há mais de 10 anos, a professora Roselane Zordan Costella analisa o Enem. Ela lamenta que temas caros aos gaúchos fiquem de fora. Professora de geografia de escolas particulares da Capital e do Grupo Unificado, ela vê temas ricos que poderiam ser abordados. Entretanto, observa que uma discussão é necessária entre professores, escolas e estudantes.

– Para que serve o Ensino Médio? Apenas preparar candidatos para uma prova classificatória? Se a nossa resposta for sim, estaremos caindo no vazio – alerta Roselane.

Ela afirma que o Ensino Médio deve formar jovens que compreendam o mundo a partir das identidades locais. E se os temas não hegemônicos ficam fora do Enem, outro estímulo terá de ser buscado. O que não pode, defende a educadora, é deixar o Estado fora da aula.

– Precisamos nos perguntar se temos professores preparados para esse Ensino Médio. Se o profissional não sabe para que serve o ensino, não conseguirá incentivar o estudo dos assuntos do Rio Grande do Sul – afirma.

Estaria aí uma resposta para a melhor classificação dos estudantes paulistas. Segundo ela, as escolas daquele Estado já adotam o conceito de que o Ensino Médio serve para desenvolver competências e habilidades a serem usadas em qualquer situação da vida.

– Fiz trabalhos e pesquisas em escolas paulistas, sei como estão trabalhando. Eles não se pautam mais apenas por uma prova de vestibular. Não sou a favor dessa logística do Enem, mas não podemos abortá-lo por isso. Temos de mudar o nosso ensino.

Fonte: Zero Hora

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