quarta-feira, 19 de março de 2014

Livros Vestibular de Inverno UDESC 2014: Helena (Resumo e Análise)

Resumo e Análise:
Helena (Machado de Assis)

O autor:
*  Machado de Assis (1839-1908)
Filho de um pintor mulato e de uma lavadeira portuguesa, Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 1839, no Morro do Livramento, interior do Rio de Janeiro. Ainda menino ficou órfão e foi criado pela madrasta. Aprendeu a ler em uma escola pública e teve aulas de francês e latim com um padre amigo. Tendo que trabalhar para se sustentar, tornou-se autodidata. Foi tipógrafo e revisor e começou a ter artigos publicados. Aos 19 anos teve seu primeiro conto publicado, e passou a colaborar assiduamente com jornais importantes como o Correio Mercantil e o Diário do Rio de Janeiro. Foi defensor da política liberal e participou de campanhas de alguns colegas de imprensa.
Em 1864 publicou Crisálidas, seu primeiro livro de poemas, de inspiração romântica, como os seguintes, Falenas (1869) e Americanas (1875).
Dedicou-se também às narrativas curtas em Contos Fluminenses, publicado em 1869, mesmo ano de seu casamento com Carolina, sua companheira para toda a vida. A partir daí estabilizou-se como funcionário público em 1875 e em sua carreira literária.
Em 1896 fundou, com outros escritores e jornalistas, a Academia Brasileira de Letras, que presidiu até a sua morte, em 1908.
Sua obra costuma ser dividida em dois momentos:

1ª fase: de tendências românticas, caracterizou-se pelo conformismo com os valores da época, reproduzindo os padrões do folhetim em tramas por vezes melodramáticas, ainda que com um esboço de análise interior das personagens (psicologia) e alguma atitude crítica.
Romances:Ressurreição (1872);
A mão e a luva(1874);
Helena (1876);
Iaiá Garcia (1878)
Contos: Contos fluminenses (1870)
Histórias da meia-noite (1873)

2ª fase: A etapa madura de sua produção, de tendências realistas.
Em sua análise crítica da sociedade, Machado revela uma visão pessimista das relações humanas, com a prevalência de personagens sórdidos e inescrupulosos. A análise psicológica coloca em primeiro plano os conflitos das personagens, revelando com sofisticada ironia a diferença entre essência e aparência. Isso fica ainda mais evidente nas personagens femininas, ambíguas e dissimuladas. Mas a obra machadiana não se limitou a seguir os ditames do realismo europeu. Introduziu inovações de estilo como a fragmentação da narrativa, através de insistentes intervenções do narrador, em uma espécie de conversa com o leitor. No mesmo sentido, explorou o foco narrativo em primeira pessoa em muitas de suas obras.
Romances:  Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881),
Quincas Borba (1891),
Dom Casmurro (1899),
Esaú e Jacó (1904),
Memorial de Aires (1908).
Contos:  Papéis avulsos (1882),
Histórias sem data (1884),
Várias histórias (1896).

ANÁLISE DE HELENA
            Publicado em 1876, Helena segue os moldes do folhetim romântico, sendo a protagonista uma pobre órfã que, por força do testamento do Conselheiro Vale, torna-se uma intrusa no lar da família de seu benfeitor. Destacam-se dois temas essenciais a balizar o romance: de um lado, o suposto amor incestuoso entre Estácio e Helena, dando feição melodramática à história; de outro o tema da crítica ao casamento por interesse, projetando-se uma certa ironia realista na condução do personagem Camargo, pai de Eugênia.  

NARRADOR
A narrativa é feita em 3ª pessoa, por um narrador que, embora onisciente, conduz a trama ocultando ao leitor alguns fatos, provocando curiosidade.
Embora o livro pertença a fase imatura do autor, já é possível observar-se discretamente o procedimento da “conversa com o leitor”, que será constante a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas (Realismo). Observe o emprego da 1ª pessoa no comentário do narrador:
“Eugênia desfiou uma historiazinha de toucador, que omito em suas particularidades por não interessar ao nosso caso, bastando saber que a razão capital da divergência entre as duas amigas fora uma opinião de Cecília acerca da escolha de um chapéu.”
Ou ainda a referência explícita ao leitor:
“Agora mesmo, se o LEITOR lhe descobrir o perfil em camarote de teatro, ou se a vir entrar em alguma sala de baile, compreenderá.”

TEMPO
A narrativa se inicia em 25 de abril de 1850, com a morte do Conselheiro e se estende por aproximadamente um ano em uma narrativa linear até a morte da protagonista. Fazem-se algumas referências ao passado do Conselheiro e há um flashback no qual Salvador conta sua história e esclarece as origens de Helena. Predomina, portanto, o tempo cronológico.
           
ESPAÇO
Apesar da universalidade de seus temas, Machado de Assis sempre foi um observador agudo da vida no Rio de Janeiro. Neste romance não é diferente. A família Vale morava no Andaraí, em uma chácara; Dr. Camargo residia no Rio Comprido; Ângela, a mãe de Helena e amante do Conselheiro, vivia em São Cristóvão. Há cenas do passeio público no centro e do colégio de Helena que fica em Botafogo.


ENREDO
            O Conselheiro Vale, homem respeitável, de bom trânsito político morre de apoplexia. Viúvo, deixa um filho, Estácio, de 27 anos, formado em Matemática e uma irmã solteira, na casa dos 50 anos, chamada Úrsula.
            Dr. Camargo, médico e amigo da família se oferece para procurar um eventual testamento e, ao encontrá-lo, fica estarrecido com o conteúdo. Fica o mistério, que será resolvido no dia seguinte, na abertura do testamento. Ao chegar em casa, Camargo encontra sua esposa Tomásia e a filha Eugênia, em quem o pai, tomado de emoção, dá um beijo à testa. 
            No dia seguinte, faz-se a abertura do testamento, que surpreenderá a todos, pois nele o Conselheiro declarava reconhecer uma filha, de nome Helena, havida fora do casamento com uma mulher chamada D. Ângela da Soledade. Dispunha ainda que a menina devia ser recebida na casa da família, sendo acolhida como legítima irmã de Estácio.
            Ao contrário de Úrsula, que ficara indignada com o que alegava ser uma usurpação social e de Camargo, que parece desconfiado, o rapaz mostra-se disposto a cumprir a determinação do pai e decide, mandar trazer Helena a casa.
            A chegada de Helena ao lar da família Vale se dá ainda com certa frieza, principalmente por parte de Úrsula. A conversa durante o almoço é superficial. Estácio se oferece para mostrar a chácara. Ao conhecer o gabinete do pai, Helena fica emocionada com a lembrança do Conselheiro e revela sua gratidão. Ao final do passeio, Estácio está impressionado com a irmã, mas Úrsula continua hostil. É visível o esforço de Helena em conquistar todos na casa. Um dos primeiros a se afeiçoar à moça é o escravo Vicente, que irá defendê-la ante aos demais.
            Estácio visita Eugênia, a filha de Camargo,  moça muito bonita, simpática, porém dada a futilidades, o que deixa o rapaz em dúvida sobre seus sentimentos. O propósito de pedi-la em noivado vai se desfazendo em meio às incertezas. De volta a casa, Estácio recebe uma carta de seu amigo, Luís Mendonça, que anunciava seu regresso de viagem que fizera à Europa.
            Helena revela que sonhava aprender a andar a cavalo e Estácio se oferece para ensiná-la. Durante a cavalgada se evidencia a surpresa: a moça já sabia montar e mentira para o irmão no intuito de passear ao lado dele. Ao longo do passeio conversam filosoficamente sobre temas como tempo e dinheiro.
Observe um trecho do diálogo:
— Tem razão, disse Helena: aquele homem gastará muito mais tempo do que nós em caminhar. Mas não é isto uma simples questão de ponto de vista? A rigor, o tempo corre do mesmo modo, quer o esperdicemos, quer o economizemos. O essencial não é fazer muita coisa no menor prazo; é fazer muita coisa aprazível ou útil. Para aquele preto o mais aprazível é, talvez, mesmo caminhar a pé, que lhe alongará a jornada, e lhe fará esquecer o cativeiro, se é cativo. É uma hora de pura liberdade.
Estácio soltou uma risada.
— Você devia ter nascido...
— Homem?
— Homem e advogado. Sabe defender com habilidade as causas mais melindrosas. Nem estou longe de crer que o próprio cativeiro lhe parecerá uma bem-aventurança, se eu disser que é o pior estado do homem. 
Repare nos valores do patriarcalismo machista colocados no discurso de Estácio. A faculdade de pensar com autonomia e de defender ideias com propriedade parece exclusividade dos homens. Interessante destacar que essa cena evidencia a oposição de caracteres entre Helena (inteligente, madura, independente) e Eugênia (frívola, imatura, e por isso cada vez menos interessante aos olhos do rapaz).
De repente uma tristeza abate Helena. Estácio deseja saber o motivo, mas a moça desconversa. Estácio procura Úrsula e conversa sobre Helena. Camargo chega de surpresa e tenta convencer o rapaz a entrar para a política. O jovem resiste.
No dia seguinte, Estácio, espiando pela janela, flagra a irmã lendo emocionada uma longa carta. Curioso, chega a interpelá-la a respeito, e a moça chega a perguntar se ele desejava lê-la, mas o rapaz se contém.
Depois, o jovem matemático recebe uma carta de Eugênia e decide mostrá-la à irmã. Helena, duvidando do amor do rapaz, aconselha-o a procurar pela filha de Camargo. Na tarde em que Estácio decide vê-la, cai um grande temporal, frustrando o plano da visita.
D. Úrsula adoece e Helena não apenas cuida amorosamente da tia, como mantém a casa em perfeita ordem, conquistando definitivamente o coração da irmã do Conselheiro.
Estácio continua a viver um dilema sobre o relacionamento com Eugênia e demonstra irritação ao saber dos passeios que Helena fazia a cavalo na companhia do escravo Vicente. Ao conversar com a irmã, o jovem pergunta se ela está amando e ela responde: “Muito! Muito! Muito!”. O diálogo é interrompido pela chegada de Mendonça.
Os amigos se abraçam e conversam sobre a vida: as impressões sobre Helena, os planos de casamento de Estácio, as viagens de Mendonça, que, arruinado financeiramente, precisava começar a dar um sentido prático para a vida.
No aniversário de Estácio, Helena dá-lhe de presente um desenho que retratava fielmente seus passeios a cavalo, lado a lado tendo como cenário ao fundo uma casinha pobre enfeitada com uma flâmula azul. O aniversariante também recebe um presente da tia e, após, decide fazer um novo passeio ao lado da irmã.
Durante a festa, todos os olhares convergem para Helena, que, discreta, proporciona a Eugênia que brilhe tocando ao piano. Camargo pede para conversar a sós com a jovem herdeira dos Vale. Inicia-se um longo diálogo no qual o pai de Eugênia revela que gostaria de fazer uma viagem, mas que temia embarcar sem deixar a filha casada com Estácio. O plano do médico é que Helena use de sua influência para convencer o irmão a pedir a mão de Eugênia. Observe a fala de Camargo e o modo como se evidencia sua hipocrisia ao negar interesse na fortuna da família Vale.
— Não havia inconveniente; estabeleceu-se, porém que um pai não deve ser o primeiro a falar em tais coisas. É preciso respeitar a dignidade paterna. Acresce que Estácio é rico, e tal circunstância podia fazer supor de minha parte um sentimento de cobiça, que está longe de meu coração. Podia falar a D.Úrsula; creio, porém, que ela não tem a sua habilidade, e... por que o não direi? a sua influência no espírito de Estácio.
Helena não aceita interferir:
Anuncie a viagem, e Estácio se apressará a pedir-lhe sua filha. Se o não fizer, é porque a não ama, conforme ela merece, e em tal caso mais vale perder um casamento do que o fazer mau.
Enfim, a reação de Camargo, chantageando a moça. Nesse instante cai definitivamente a máscara da hipocrisia.
Nada dizia; todo ele era uma interrogação imperiosa. Helena olhou ainda uma vez para o médico.
— Dá-me o seu braço até à sala? perguntou.
Camargo sorriu.
— Só isso? Eu dizia comigo outra coisa.
— Que dizia então? perguntou Helena.
— Dizia que muito se devia esperar da dedicação de uma moça, que acha meio de visitar às seis horas da manhã uma casa velha e pobre, não tão pobre que a não adorne garridamente uma flâmula azul...
Helena fez-se lívida; apertou nervosamente o pulso de Camargo. Nos olhos pareciam falar-lhe ao mesmo tempo o terror, a cólera e a vergonha.
Através dos dentes cerrados Helena gemeu esta palavra única:
— Cale-se!
— Falo entre nós e Deus, disse Camargo.
Após chorar em seu quarto, Helena começa a agir, cobrando do irmão uma atitude em relação à Eugênia. Estácio, cheio de dúvidas sobre seus sentimentos acaba sendo convencido por Helena e envia uma carta ao Dr. Camargo pedindo a moça em casamento.
Ao receber a carta, o médico, em êxtase, beija a filha, evidenciando sua alegria com o sucesso do seu plano maquiavélico.
Ocorre, todavia, um fato inesperado: a madrinha de Eugênia adoece e fica agonizando entre a vida e a morte. Camargo decide viajar com a família para vê-la (especulando que Eugênia receba algo como herança). Eugênia só aceitou viajar exigindo a companhia de Estácio. O rapaz se vê obrigado a deixar o lar, despedindo-se, muito pesaroso, da irmã, exigindo que esta não saia a passeio. Helena iria desobedecê-lo indo até a casinha velha.
Mendonça frequenta a casa dos Vale e começa a gostar de Helena, que, por sua vez, finge não perceber o interesse do rapaz. Estácio envia uma carta demonstrando sentimentos extremados:
“Escreve-me longamente; conta-me tudo o que houver interessante; fala-me de ti, que é o meio de consolar minhas saudades, que são imensas, imensas como este amor que tenho à minha família toda. Vou fazer por voltar breve. Adeus, minha boa Helena; adeus, minha vida, adeus, ó mais bela e doce de todas as irmãs!”
O padre Melchior, ao tomar conhecimento da carta, demonstra preocupação em casar Helena e passa a sondá-la sobre a possibilidade de uni-la a Mendonça. Como era nítido o interesse do rapaz, o padre pega a mão dos dois e declara que poderiam se amar.
Em êxtase, Mendonça escreve a Estácio contando ao amigo a novidade e pedindo-lhe oficialmente a mão da irmã. O jovem matemático, porém, reage com indignação e decide voltar de pronto ao Andaraí.
Observe o breve diálogo travado com Camargo e a ironia com que o narrador comenta o comportamento interesseiro do pai de Eugênia, que chegou a pensar que a parida do rapaz fosse devido a algo referente à herança:
— Recebo uma notícia que me obriga a partir amanhã, disse ele.
 — Negócio grave?
 — Grave.
 — Ainda assim, nesta ocasião...
 — Que tem? D. Clara pode ainda resistir à morte alguns dias; e, posto que a minha ausência não prejudique nada do fato a que aludo, contudo é mister que me informe e providencie.
 — Algum negócio relativo ao inventário? aventurou Camargo, que nada conhecia mais grave que o dinheiro.
 — Justamente, respondeu maquinalmente Estácio.
Ao chegar em casa, Estácio trata Mendonça com frieza, alegando que precisa consultar Helena sobre o pedido de noivado.
Ao interpelar Helena sobre o relacionamento com Mendonça, Estácio alega saber que a moça amava outra pessoa, conforme ela mesma já havia confessado (“Muito! Muito! Muito”). Helena retruca dizendo que aquilo era apenas ilusão.
Inconformado, Estácio alega ao padre que não consentia a união da irmã com o amigo, pois sabia que ela amava a outro. Visivelmente contrariado, o matemático chega a sugerir que Mendonça poderia estar apenas interessado na fortuna da família.
Ao deparar-se com Mendonça, Estácio revela sua opinião, ofendendo o amigo que, imediatamente se retira. Após discutir com o irmão, Helena escreve um bilhete ao pretendente e faz com que o matemático chame Mendonça de volta.
A pretexto de sair para uma caçada, Estácio flagra a irmã saindo da casinha pobre que costumava visitar. Tendo ferido a mão em uma cerca de espinhos, o rapaz vai até o local e é, apesar da pobreza do reduto, bem recebido por um homem muito humilde. O mistério cresce e as desconfianças do jovem não cessam.
Em casa, Helena sente falta de Estácio e vai ao quarto do irmão. Ao perguntar-lhe o que havia, o rapaz, em resposta, aponta para a ilustração que ela havia feito do casebre da flâmula azul. A moça estremeceu e Estácio, irado, arremessa o quadro. Helena sai correndo, horrorizada.
O rapaz se reúne com o padre e com D. Úrsula, contando o que vira. O padre pede para ficar a sós com o jovem.
— Mas que é, padre-mestre?
 Melchior inclinou-se e encarou o moço. Os olhos, fitos nele, eram como um espelho polido e frio, destinado a reproduzir a imagem do que lhe ia dizer.
— Estácio, disse Melchior pausadamente, tu amas tua irmã.
 O gesto mesclado de horror, assombro e remorso com que Estácio ouvira aquela palavra, mostrou ao padre, não só que ele estava de posse da verdade, mas também que acabava de a revelar ao mancebo. O que a consciência deste ignorava, sabia-o o coração, e só lho disse naquela hora solene.
Perturbado diante da revelação, Estácio jura mediante um crucifixo que evitará Helena de todas as formas.
A seguir, Vicente, o pajem de Helena, comunica ao padre que sabia de algo que poderia salvar a reputação de sua senhora: o homem a quem a moça visitava no casebre da flâmula azul seria, na verdade irmão da jovem.
Todavia, o escravo estava enganado. Helena entrega ao padre Melchior uma carta que revelava toda a verdade: nela, o remetente, chamado Salvador, refere-se à Helena como filha.
Confuso, o padre entrega a carta a Estácio. Perplexos, ambos resolvem ir à casa de Salvador. Diante da carta, o homem resolve contar toda a história.
Ângela era filha de um proprietário de terras no Rio Grande do Sul. A diferença de classes impedia o amor entre ela e Salvador. Ambos fugiram, passando a viver juntos, mesmo na miséria. Mesmo trabalhando muito, Salvador não conseguia sustentar a casa. Foi quando nasceu Helena, que passou a ser o motivo de sua vida.
Salvador se obriga a uma viagem ao saber que seu pai estava doente. Passado algum tempo, logo após a morte do velho, Salvador volta para casa e, ao chegar, descobre que Ângela estava vivendo em São Cristóvão, com um amante (o Conselheiro Vale).
Furioso, Salvador pensa em usar da violência e resgatar Helena. Passa então a espreitar a casa, até que um dia, presencia uma cena:
Helena falava a alguém. Por uma abertura da cerca, pude espreitá-la. Estava ao colo de um homem. Esse homem era o conselheiro. Olhei para um e outro; ora para o meu rival, ora para a minha Helena. Helena acariciava as barbas dele; este sorria para ela com um ar de ternura, que o absolvia quase da ofensa a mim feita. O coração, porém, apertou-se-me, ao ver dar a outros afagos a que só eu tinha direito. Era um roubo feito à natureza; mas, se meu próprio sangue me repudiava, que podia eu exigir de alheios corações? Daí a algum tempo, — não sei se foi curto ou longo, porque eu ficara a olhar para ambos, pasmado de amor e de cólera, ouvi que falavam de mim. "Mas, olhe, dizia Helena, papai quando vem?" O conselheiro deu um beijo na menina, e falou de uma borboleta que nesse momento pairava sobre a cabeça dela. As crianças, porém, são implacáveis; aquela repetiu a pergunta. "Papai não volta", respondeu o conselheiro. Helena ficou séria. "Não volta? por que?" "Tua mamãe disse ontem que papai está no céu". Helena levou as mãos aos olhos, donde lhe rebentaram lágrimas copiosas. Uma nuvem passou-me pelos olhos... tentei dar alguns passos, entrar no jardim, dizer quem era e exigir minha filha. Os músculos não corresponderam à intenção; senti fraqueza nas pernas; achei-me de bruços. Quando dei acordo de mim, volvi de novo os olhos para o lugar onde os vira. Ainda ali estavam, mas a atitude era diferente. O conselheiro erguera-se, tendo nos braços Helena, que já não chorava. Ele beijava-lhe as mãozinhas e dizia-lhe: "Se papai foi para o céu, fiquei eu no lugar dele, para dar-te muito beijo, muito doce e muita boneca. Queres ser minha filha?" A resposta de Helena foi a do náufrago; estendeu-lhe os braços em volta do pescoço, como se dissesse: "Se não tenho ninguém mais no mundo!" O gesto foi tão eloqüente que eu vi borbulhar uma lágrima nos olhos do conselheiro. Essa lágrima decidiu do meu destino
Ao perceber a bondade do Conselheiro com Helena, Salvador decide abrir mão da filha, desaparecer, poupando a menina de viver na miséria. Comovido ao narrar a história, Salvador revela que aos 12 anos Helena o reconheceu na rua e o abraçou. Temendo desgraçar a vida da garota, o pai a fez prometer que, para todos os efeitos, não o vira. Salvador passa a ter encontros clandestinos com a filha. Com a morte de Ângela e, posteriormente do Conselheiro, Helena, para aliviar o drama do pai biológico promete aceitar se passar por filha de Vale.
Salvador afirma que, após revelada toda a verdade, se a família Vale rejeitar Helena, ele, o pai biológico irá acolhê-la.
Ao descobrir toda a verdade sobre Helena, Estácio não a quer como irmã, mas o padre  vai adverti-lo:
— Estácio! disse o padre, depois de olhar para ele um instante. Compreendo, quisera despojar Helena do título que seu pai lhe deixou, para lhe dar outro, e ligá-la à sua família por diferente vínculo...
 Estácio fez um gesto como protestando.
 — Esquece duas coisas graves: o escândalo e o casamento de um e outro; já se não pertence, nem ela se pertence a si. Vamos lá; seja homem. Sepultemos quanto se passou no mais profundo silêncio, e a situação de ontem será a mesma de amanhã.
 Chegando a casa, Estácio demonstra seu desejo de manter Helena na casa. Ela, porém, diz não merecer, mas o rapaz não deixa que ela vá embora com Salvador, que estava de partida.
Estácio, mesmo amando Helena, escreve uma carta a Mendonça, com o intuito de apressar o casamento da moça com o amigo.
Helena, cada vez mais abatida, deixa a todos preocupados. Durante uma forte chuva, a moça sai e, já muito fraca e febril, é contida por Estácio. O estado de saúde da jovem se agrava até que, em seu leito de morte ela manda chamar pelo seu grande amor. Helena morre nos braços de Estácio.
Após o enterro de Helena o romance se encerra com o irônico contraste: a tristeza de Estácio e o triunfo de Camargo, que via, finalmente, o caminho livre para o casamento da filha com o rico mancebo.
Sozinho com Estácio, o capelão contemplou-o longo tempo; depois, alçou os olhos ao retrato do conselheiro, sorriu melancolicamente, voltou-se para o moço, ergueu-o e abraçou com ternura.
 — Ânimo, meu filho! disse ele.
 — Perdi tudo, padre-mestre! gemeu Estácio.
 Ao mesmo tempo, na casa do Rio Comprido, a noiva de Estácio, consternada com a morte de Helena, e aturdida com a lúgubre cerimônia, recolhia-se tristemente ao quarto de dormir, e recebia à porta o terceiro beijo do pai.
  
O QUE OBSERVAR:
 Os três beijos de Camargo
1º: No primeiro capítulo, quando morre o conselheiro Vale.
2º: Quando chega a carta de Estácio pedindo Eugênia em casamento.
3º: Após a morte de Helena.
Esses beijos representam as conquistam do objetivo central de Camargo, casar a filha com um rico herdeiro.

Romantismo ou Realismo?
            O livro é romântico com traços pré-realistas.
            Caracteres Românticos:
            - Amor proibido
            - Melodrama
            - Idealização feminina*
*Mesmo tendo mentido, Helena o faz em razão de um motivo nobre, preservando o pai biológico e cumprindo o desejo do pai adotivo. Não se pode dizer que é mesquinha ou interesseira, pois chegou mesmo a se dispor ao casamento com o pobretão Mendonça para desimpedir o caminho de Estácio.
Caracteres Realistas:
- Análise psicológica (ainda que superficial): a culpa de Helena e a necessidade de se fazer aceita; o desejo não consciente de Estácio pela suposta irmã.
- Personagens esféricas (multifacetadas): personagens que vão se revelando aos poucos, como o Dr. Camargo, que só será completamente desmascarado a partir da chantagem que faz com a protagonista; a própria Helena, que permanece misteriosa até ser revelada a mentira de que fez parte.
- Denúncia da hipocrisia e uso da ironia: É o que se verifica em relação ao Dr. Camargo.

- Triunfo da razão sobre a paixão: Estácio (não por acaso um matemático), mesmo sabendo que não era irmão de Helena, aceita o conselho moralista do padre Melchior, desistindo de ficar com ela, pois seria um escândalo.

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