Resumo e Análise:
Helena (Machado de Assis) O autor:
* Machado de Assis (1839-1908)
Filho de um pintor mulato e de uma lavadeira portuguesa,
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 1839, no Morro do Livramento, interior
do Rio de Janeiro. Ainda menino ficou órfão e foi criado pela madrasta.
Aprendeu a ler em uma escola pública e teve aulas de francês e latim com um
padre amigo. Tendo que trabalhar para se sustentar, tornou-se autodidata. Foi
tipógrafo e revisor e começou a ter artigos publicados. Aos 19 anos teve seu
primeiro conto publicado, e passou a colaborar assiduamente com jornais importantes
como o Correio Mercantil e o Diário do Rio de Janeiro. Foi defensor
da política liberal e participou de campanhas de alguns colegas de imprensa.
Em 1864 publicou Crisálidas, seu primeiro livro de
poemas, de inspiração romântica, como os seguintes, Falenas (1869) e Americanas (1875).
Dedicou-se também às
narrativas curtas em
Contos Fluminenses , publicado em 1869, mesmo ano de seu casamento com Carolina, sua companheira
para toda a vida. A partir daí estabilizou-se como funcionário público em 1875
e em sua carreira literária.
Em 1896 fundou, com outros
escritores e jornalistas, a Academia Brasileira de Letras, que presidiu até a
sua morte, em 1908.
Sua obra costuma ser
dividida em dois momentos:
1ª
fase:
de tendências românticas, caracterizou-se pelo conformismo com os valores
da época, reproduzindo os padrões do
folhetim em tramas por vezes melodramáticas,
ainda que com um esboço de análise
interior das personagens (psicologia)
e alguma atitude crítica.
Romances:Ressurreição
(1872);
A
mão e a luva(1874);
Helena
(1876);
Iaiá
Garcia (1878)
Contos:
Contos fluminenses (1870)
Histórias
da meia-noite (1873)
2ª fase: A
etapa madura de sua produção, de tendências realistas.
Em
sua análise crítica da sociedade,
Machado revela uma visão pessimista das
relações humanas, com a prevalência de personagens sórdidos e
inescrupulosos. A análise psicológica coloca
em primeiro plano os conflitos das personagens, revelando com sofisticada ironia a diferença entre essência e aparência. Isso fica ainda mais evidente
nas personagens femininas, ambíguas
e dissimuladas. Mas a obra machadiana não se limitou a seguir os ditames do realismo
europeu. Introduziu inovações de estilo como a fragmentação da narrativa, através de insistentes intervenções do narrador, em uma
espécie de conversa com o leitor. No
mesmo sentido, explorou o foco narrativo em primeira pessoa em muitas de suas obras.
Romances: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881),
Quincas
Borba (1891),
Dom
Casmurro (1899),
Esaú
e Jacó (1904),
Memorial
de Aires (1908).
Contos: Papéis
avulsos (1882),
Histórias sem data (1884),
Várias histórias (1896).
ANÁLISE DE HELENA
Publicado
em 1876, Helena segue os moldes do folhetim
romântico, sendo a protagonista uma pobre órfã que, por força do testamento
do Conselheiro Vale, torna-se uma intrusa no lar da família de seu benfeitor.
Destacam-se dois temas essenciais a balizar o romance: de um lado, o suposto amor incestuoso entre Estácio e Helena,
dando feição melodramática à história; de outro o tema da crítica ao casamento por interesse, projetando-se uma certa ironia realista na condução do
personagem Camargo, pai de Eugênia.
NARRADOR
A narrativa é
feita em 3ª pessoa, por um narrador
que, embora onisciente, conduz a
trama ocultando ao leitor alguns fatos, provocando curiosidade.
Embora o livro
pertença a fase imatura do autor, já é possível observar-se discretamente o procedimento
da “conversa com o leitor”, que será
constante a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas (Realismo). Observe o
emprego da 1ª pessoa no comentário do narrador:
“Eugênia desfiou uma historiazinha de toucador, que
omito em suas particularidades por não interessar ao nosso caso, bastando
saber que a razão capital da divergência entre as duas amigas fora uma opinião
de Cecília acerca da escolha de um chapéu.”
Ou ainda a
referência explícita ao leitor:
“Agora mesmo, se o LEITOR lhe descobrir o perfil em camarote de
teatro, ou se a vir entrar em alguma sala de baile, compreenderá.”
TEMPO
A narrativa se
inicia em 25 de abril de 1850, com a
morte do Conselheiro e se estende por aproximadamente um ano em uma narrativa linear até a morte da
protagonista. Fazem-se algumas referências ao passado do Conselheiro e há um flashback no qual Salvador conta sua
história e esclarece as origens de Helena. Predomina, portanto, o tempo cronológico.
ESPAÇO
Apesar da
universalidade de seus temas, Machado de Assis sempre foi um observador agudo
da vida no Rio de Janeiro. Neste
romance não é diferente. A família Vale
morava no Andaraí, em uma chácara; Dr. Camargo residia no Rio Comprido;
Ângela, a mãe de Helena e amante do Conselheiro, vivia em São Cristóvão. Há
cenas do passeio público no centro e do colégio de Helena que fica em Botafogo.
ENREDO
O
Conselheiro Vale, homem respeitável, de bom trânsito político morre de
apoplexia. Viúvo, deixa um filho, Estácio, de 27 anos, formado em Matemática e
uma irmã solteira, na casa dos 50 anos, chamada Úrsula.
Dr.
Camargo, médico e amigo da família se oferece para procurar um eventual
testamento e, ao encontrá-lo, fica estarrecido com o conteúdo. Fica o mistério,
que será resolvido no dia seguinte, na abertura do testamento. Ao chegar em
casa, Camargo encontra sua esposa Tomásia e a filha Eugênia, em quem o pai,
tomado de emoção, dá um beijo à testa.
No
dia seguinte, faz-se a abertura do testamento, que surpreenderá a todos, pois
nele o Conselheiro declarava reconhecer uma filha, de nome Helena, havida fora
do casamento com uma mulher chamada D. Ângela da Soledade. Dispunha ainda que a
menina devia ser recebida na casa da família, sendo acolhida como legítima irmã
de Estácio.
Ao
contrário de Úrsula, que ficara indignada com o que alegava ser uma usurpação
social e de Camargo, que parece desconfiado, o rapaz mostra-se disposto a
cumprir a determinação do pai e decide, mandar trazer Helena a casa.
A
chegada de Helena ao lar da família Vale se dá ainda com certa frieza,
principalmente por parte de Úrsula. A conversa durante o almoço é superficial.
Estácio se oferece para mostrar a chácara. Ao conhecer o gabinete do pai,
Helena fica emocionada com a lembrança do Conselheiro e revela sua gratidão. Ao
final do passeio, Estácio está impressionado com a irmã, mas Úrsula continua
hostil. É visível o esforço de Helena em conquistar todos na casa. Um dos
primeiros a se afeiçoar à moça é o escravo Vicente, que irá defendê-la ante aos
demais.
Estácio
visita Eugênia, a filha de Camargo, moça
muito bonita, simpática, porém dada a futilidades, o que deixa o rapaz em
dúvida sobre seus sentimentos. O propósito de pedi-la em noivado vai se
desfazendo em meio às incertezas. De volta a casa, Estácio recebe uma carta de
seu amigo, Luís Mendonça, que anunciava seu regresso de viagem que fizera à
Europa.
Helena
revela que sonhava aprender a andar a cavalo e Estácio se oferece para
ensiná-la. Durante a cavalgada se evidencia a surpresa: a moça já sabia montar
e mentira para o irmão no intuito de passear ao lado dele. Ao longo do passeio
conversam filosoficamente sobre temas como tempo e dinheiro.
Observe um
trecho do diálogo:
— Tem razão, disse Helena: aquele homem gastará muito mais
tempo do que nós em caminhar. Mas não é isto uma simples questão de ponto de
vista? A rigor, o tempo corre do mesmo modo, quer o esperdicemos, quer o
economizemos. O essencial não é fazer muita coisa no menor prazo; é fazer muita
coisa aprazível ou útil. Para aquele preto o mais aprazível é, talvez, mesmo
caminhar a pé, que lhe alongará a jornada, e lhe fará esquecer o cativeiro, se
é cativo. É uma hora de pura liberdade.
Estácio soltou uma risada.
— Você devia ter nascido...
— Homem?
— Homem e advogado. Sabe defender com habilidade as causas
mais melindrosas. Nem estou longe de crer que o próprio cativeiro lhe parecerá
uma bem-aventurança, se eu disser que é o pior estado do homem.
Repare
nos valores do patriarcalismo machista colocados no discurso de Estácio. A
faculdade de pensar com autonomia e de defender ideias com propriedade parece
exclusividade dos homens. Interessante destacar que essa cena evidencia a
oposição de caracteres entre Helena (inteligente, madura, independente) e Eugênia
(frívola, imatura, e por isso cada vez menos interessante aos olhos do rapaz).
De repente uma
tristeza abate Helena. Estácio deseja saber o motivo, mas a moça desconversa.
Estácio procura Úrsula e conversa sobre Helena. Camargo chega de surpresa e tenta
convencer o rapaz a entrar para a política. O jovem resiste.
No dia seguinte,
Estácio, espiando pela janela, flagra a irmã lendo emocionada uma longa carta.
Curioso, chega a interpelá-la a respeito, e a moça chega a perguntar se ele
desejava lê-la, mas o rapaz se contém.
Depois, o jovem
matemático recebe uma carta de Eugênia e decide mostrá-la à irmã. Helena,
duvidando do amor do rapaz, aconselha-o a procurar pela filha de Camargo. Na
tarde em que Estácio decide vê-la, cai um grande temporal, frustrando o plano
da visita.
D. Úrsula adoece
e Helena não apenas cuida amorosamente da tia, como mantém a casa em perfeita
ordem, conquistando definitivamente o coração da irmã do Conselheiro.
Estácio continua
a viver um dilema sobre o relacionamento com Eugênia e demonstra irritação ao
saber dos passeios que Helena fazia a cavalo na companhia do escravo Vicente.
Ao conversar com a irmã, o jovem pergunta se ela está amando e ela responde:
“Muito! Muito! Muito!”. O diálogo é interrompido pela chegada de Mendonça.
Os amigos se
abraçam e conversam sobre a vida: as impressões sobre Helena, os planos de
casamento de Estácio, as viagens de Mendonça, que, arruinado financeiramente,
precisava começar a dar um sentido prático para a vida.
No aniversário
de Estácio, Helena dá-lhe de presente um desenho que retratava fielmente seus
passeios a cavalo, lado a lado tendo como cenário ao fundo uma casinha pobre enfeitada com uma flâmula
azul. O aniversariante também recebe um presente da tia e, após, decide
fazer um novo passeio ao lado da irmã.
Durante a festa,
todos os olhares convergem para Helena, que, discreta, proporciona a Eugênia
que brilhe tocando ao piano. Camargo pede para conversar a sós com a jovem
herdeira dos Vale. Inicia-se um longo diálogo no qual o pai de Eugênia revela
que gostaria de fazer uma viagem, mas que temia embarcar sem deixar a filha
casada com Estácio. O plano do médico é que Helena use de sua influência para
convencer o irmão a pedir a mão de Eugênia. Observe a fala de Camargo e o modo
como se evidencia sua hipocrisia ao
negar interesse na fortuna da família Vale.
— Não havia inconveniente; estabeleceu-se, porém que
um pai não deve ser o primeiro a falar em tais coisas. É preciso respeitar a
dignidade paterna. Acresce que Estácio é rico, e tal circunstância podia
fazer supor de minha parte um sentimento de cobiça, que está longe de meu
coração. Podia falar a D.Úrsula; creio, porém, que ela não tem a sua
habilidade, e... por que o não direi? a sua influência no espírito de Estácio.
Helena não aceita
interferir:
Anuncie a viagem, e Estácio se apressará a pedir-lhe
sua filha. Se o não fizer, é porque a não ama, conforme ela merece, e em tal
caso mais vale perder um casamento do que o fazer mau.
Enfim, a reação
de Camargo, chantageando a moça. Nesse instante cai definitivamente a máscara
da hipocrisia.
Nada dizia; todo ele era uma interrogação imperiosa.
Helena olhou ainda uma vez para o médico.
— Dá-me o seu braço até à sala? perguntou.
Camargo sorriu.
— Só isso? Eu dizia comigo outra coisa.
— Que dizia então? perguntou Helena.
— Dizia que muito se devia esperar da dedicação
de uma moça, que acha meio de visitar às seis horas da manhã uma casa velha e
pobre, não tão pobre que a não adorne garridamente uma flâmula azul...
Helena fez-se lívida; apertou nervosamente o pulso
de Camargo. Nos olhos pareciam falar-lhe ao mesmo tempo o terror, a cólera e a
vergonha.
Através dos dentes cerrados Helena gemeu esta
palavra única:
— Cale-se!
— Falo entre nós e Deus, disse Camargo.
Após chorar em
seu quarto, Helena começa a agir, cobrando do irmão uma atitude em relação à
Eugênia. Estácio, cheio de dúvidas sobre seus sentimentos acaba sendo
convencido por Helena e envia uma carta ao Dr. Camargo pedindo a moça em
casamento.
Ao receber a
carta, o médico, em êxtase, beija a filha, evidenciando sua alegria com o
sucesso do seu plano maquiavélico.
Ocorre, todavia,
um fato inesperado: a madrinha de Eugênia adoece e fica agonizando entre a vida
e a morte. Camargo decide viajar com a família para vê-la (especulando que
Eugênia receba algo como herança). Eugênia só aceitou viajar exigindo a
companhia de Estácio. O rapaz se vê obrigado a deixar o lar, despedindo-se,
muito pesaroso, da irmã, exigindo que esta não saia a passeio. Helena iria
desobedecê-lo indo até a casinha velha.
Mendonça
frequenta a casa dos Vale e começa a gostar de Helena, que, por sua vez, finge
não perceber o interesse do rapaz. Estácio envia uma carta demonstrando
sentimentos extremados:
“Escreve-me longamente; conta-me tudo o que houver
interessante; fala-me de ti, que é o meio de consolar minhas saudades, que são
imensas, imensas como este amor que tenho à minha família toda. Vou fazer por
voltar breve. Adeus, minha boa Helena; adeus, minha vida, adeus, ó mais bela e
doce de todas as irmãs!”
O padre
Melchior, ao tomar conhecimento da carta, demonstra preocupação em casar Helena
e passa a sondá-la sobre a possibilidade de uni-la a Mendonça. Como era nítido
o interesse do rapaz, o padre pega a mão dos dois e declara que poderiam se
amar.
Em êxtase, Mendonça
escreve a Estácio contando ao amigo a novidade e pedindo-lhe oficialmente a mão
da irmã. O jovem matemático, porém, reage com indignação e decide voltar de
pronto ao Andaraí.
Observe o breve
diálogo travado com Camargo e a ironia com que o narrador comenta o
comportamento interesseiro do pai de Eugênia, que chegou a pensar que a parida
do rapaz fosse devido a algo referente à herança:
— Recebo uma notícia que me obriga a partir amanhã,
disse ele.
— Negócio grave?
— Grave.
— Ainda assim, nesta ocasião...
— Que tem? D. Clara pode ainda resistir à
morte alguns dias; e, posto que a minha ausência não prejudique nada do fato a
que aludo, contudo é mister que me informe e providencie.
— Algum negócio relativo ao inventário? aventurou
Camargo, que nada conhecia mais grave que o dinheiro.
— Justamente, respondeu maquinalmente Estácio.
Ao chegar em
casa, Estácio trata Mendonça com frieza, alegando que precisa consultar Helena
sobre o pedido de noivado.
Ao interpelar
Helena sobre o relacionamento com Mendonça, Estácio alega saber que a moça
amava outra pessoa, conforme ela mesma já havia confessado (“Muito! Muito! Muito”). Helena retruca
dizendo que aquilo era apenas ilusão.
Inconformado,
Estácio alega ao padre que não consentia a união da irmã com o amigo, pois
sabia que ela amava a outro. Visivelmente contrariado, o matemático chega a
sugerir que Mendonça poderia estar apenas interessado na fortuna da família.
Ao deparar-se
com Mendonça, Estácio revela sua opinião, ofendendo o amigo que, imediatamente se
retira. Após discutir com o irmão, Helena escreve um bilhete ao pretendente e
faz com que o matemático chame Mendonça de volta.
A pretexto de
sair para uma caçada, Estácio flagra a irmã saindo da casinha pobre que
costumava visitar. Tendo ferido a mão em uma cerca de espinhos, o rapaz vai até
o local e é, apesar da pobreza do reduto, bem recebido por um homem muito
humilde. O mistério cresce e as desconfianças do jovem não cessam.
Em casa, Helena
sente falta de Estácio e vai ao quarto do irmão. Ao perguntar-lhe o que havia,
o rapaz, em resposta, aponta para a ilustração que ela havia feito do casebre
da flâmula azul. A moça estremeceu e Estácio, irado, arremessa o quadro. Helena
sai correndo, horrorizada.
O rapaz se reúne
com o padre e com D. Úrsula, contando o que vira. O padre pede para ficar a sós
com o jovem.
— Mas que é, padre-mestre?
Melchior inclinou-se e encarou o moço. Os
olhos, fitos nele, eram como um espelho polido e frio, destinado a reproduzir a
imagem do que lhe ia dizer.
— Estácio, disse Melchior pausadamente, tu amas tua
irmã.
O gesto mesclado de horror, assombro e remorso
com que Estácio ouvira aquela palavra, mostrou ao padre, não só que ele estava
de posse da verdade, mas também que acabava de a revelar ao mancebo. O que a
consciência deste ignorava, sabia-o o coração, e só lho disse naquela hora
solene.
Perturbado
diante da revelação, Estácio jura mediante um crucifixo que evitará Helena de
todas as formas.
A seguir,
Vicente, o pajem de Helena, comunica ao padre que sabia de algo que poderia
salvar a reputação de sua senhora: o homem a quem a moça visitava no casebre da
flâmula azul seria, na verdade irmão da jovem.
Todavia, o
escravo estava enganado. Helena entrega ao padre Melchior uma carta que revelava
toda a verdade: nela, o remetente, chamado Salvador, refere-se à Helena como
filha.
Confuso, o padre
entrega a carta a Estácio. Perplexos, ambos resolvem ir à casa de Salvador.
Diante da carta, o homem resolve contar toda a história.
Ângela era filha
de um proprietário de terras no Rio Grande do Sul. A diferença de classes
impedia o amor entre ela e Salvador. Ambos fugiram, passando a viver juntos,
mesmo na miséria. Mesmo trabalhando muito, Salvador não conseguia sustentar a
casa. Foi quando nasceu Helena, que passou a ser o motivo de sua vida.
Salvador se
obriga a uma viagem ao saber que seu pai estava doente. Passado algum tempo,
logo após a morte do velho, Salvador volta para casa e, ao chegar, descobre que
Ângela estava vivendo em São Cristóvão, com um amante (o Conselheiro Vale).
Furioso,
Salvador pensa em usar da violência e resgatar Helena. Passa então a espreitar
a casa, até que um dia, presencia uma cena:
Helena falava a alguém. Por uma abertura da cerca,
pude espreitá-la. Estava ao colo de um homem. Esse homem era o conselheiro.
Olhei para um e outro; ora para o meu rival, ora para a minha Helena. Helena
acariciava as barbas dele; este sorria para ela com um ar de ternura, que o
absolvia quase da ofensa a mim feita. O coração, porém, apertou-se-me, ao ver
dar a outros afagos a que só eu tinha direito. Era um roubo feito à natureza;
mas, se meu próprio sangue me repudiava, que podia eu exigir de alheios
corações? Daí a algum tempo, — não sei se foi curto ou longo, porque eu ficara
a olhar para ambos, pasmado de amor e de cólera, ouvi que falavam de mim.
"Mas, olhe, dizia Helena, papai quando vem?" O conselheiro deu um
beijo na menina, e falou de uma borboleta que nesse momento pairava sobre a
cabeça dela. As crianças, porém, são implacáveis; aquela repetiu a pergunta.
"Papai não volta", respondeu o conselheiro. Helena ficou séria.
"Não volta? por que?" "Tua mamãe disse ontem que papai está no
céu". Helena levou as mãos aos olhos, donde lhe rebentaram lágrimas
copiosas. Uma nuvem passou-me pelos olhos... tentei dar alguns passos, entrar
no jardim, dizer quem era e exigir minha filha. Os músculos não corresponderam
à intenção; senti fraqueza nas pernas; achei-me de bruços. Quando dei acordo de
mim, volvi de novo os olhos para o lugar onde os vira. Ainda ali estavam, mas a
atitude era diferente. O conselheiro erguera-se, tendo nos braços Helena, que
já não chorava. Ele beijava-lhe as mãozinhas e dizia-lhe: "Se papai foi
para o céu, fiquei eu no lugar dele, para dar-te muito beijo, muito doce e muita
boneca. Queres ser minha filha?" A resposta de Helena foi a do náufrago;
estendeu-lhe os braços em volta do pescoço, como se dissesse: "Se não
tenho ninguém mais no mundo!" O gesto foi tão eloqüente que eu vi
borbulhar uma lágrima nos olhos do conselheiro. Essa lágrima decidiu do meu
destino
Ao perceber a
bondade do Conselheiro com Helena, Salvador decide abrir mão da filha,
desaparecer, poupando a menina de viver na miséria. Comovido ao narrar a
história, Salvador revela que aos 12 anos Helena o reconheceu na rua e o
abraçou. Temendo desgraçar a vida da garota, o pai a fez prometer que, para
todos os efeitos, não o vira. Salvador passa a ter encontros clandestinos com a
filha. Com a morte de Ângela e, posteriormente do Conselheiro, Helena, para
aliviar o drama do pai biológico promete aceitar se passar por filha de Vale.
Salvador afirma
que, após revelada toda a verdade, se a família Vale rejeitar Helena, ele, o
pai biológico irá acolhê-la.
Ao descobrir
toda a verdade sobre Helena, Estácio não a quer como irmã, mas o padre vai adverti-lo:
— Estácio! disse o padre, depois de olhar para ele
um instante. Compreendo, quisera despojar Helena do título que seu pai lhe
deixou, para lhe dar outro, e ligá-la à sua família por diferente vínculo...
Estácio fez um gesto como protestando.
— Esquece duas coisas graves: o escândalo e o
casamento de um e outro; já se não pertence, nem ela se pertence a si. Vamos
lá; seja homem. Sepultemos quanto se passou no mais profundo silêncio, e a
situação de ontem será a mesma de amanhã.
Chegando a casa, Estácio demonstra seu desejo
de manter Helena na casa. Ela, porém, diz não merecer, mas o rapaz não deixa
que ela vá embora com Salvador, que estava de partida.
Estácio, mesmo
amando Helena, escreve uma carta a Mendonça, com o intuito de apressar o
casamento da moça com o amigo.
Helena, cada vez
mais abatida, deixa a todos preocupados. Durante uma forte chuva, a moça sai e,
já muito fraca e febril, é contida por Estácio. O estado de saúde da jovem se
agrava até que, em seu leito de morte ela manda chamar pelo seu grande amor.
Helena morre nos braços de Estácio.
Após o enterro
de Helena o romance se encerra com o irônico contraste: a tristeza de Estácio e
o triunfo de Camargo, que via, finalmente, o caminho livre para o casamento da
filha com o rico mancebo.
Sozinho com Estácio, o capelão contemplou-o longo
tempo; depois, alçou os olhos ao retrato do conselheiro, sorriu
melancolicamente, voltou-se para o moço, ergueu-o e abraçou com ternura.
— Ânimo, meu filho! disse ele.
— Perdi tudo, padre-mestre! gemeu Estácio.
Ao mesmo tempo, na casa do Rio Comprido, a
noiva de Estácio, consternada com a morte de Helena, e aturdida com a lúgubre
cerimônia, recolhia-se tristemente ao quarto de dormir, e recebia à porta o
terceiro beijo do pai.
O QUE OBSERVAR:
Os três beijos de Camargo
1º: No primeiro capítulo, quando morre o conselheiro Vale.
2º: Quando chega a carta de Estácio pedindo Eugênia em
casamento.
3º: Após a morte de Helena.
Esses beijos representam as conquistam do objetivo central
de Camargo, casar a filha com um rico herdeiro.
Romantismo ou Realismo?
O livro é romântico com traços
pré-realistas.
Caracteres Românticos:
- Amor proibido
- Melodrama
- Idealização feminina*
*Mesmo tendo mentido, Helena o faz em razão de um motivo nobre,
preservando o pai biológico e cumprindo o desejo do pai adotivo. Não se pode
dizer que é mesquinha ou interesseira, pois chegou mesmo a se dispor ao
casamento com o pobretão Mendonça para desimpedir o caminho de Estácio.
Caracteres Realistas:
- Análise psicológica (ainda que superficial): a culpa de
Helena e a necessidade de se fazer aceita; o desejo não consciente de Estácio
pela suposta irmã.
- Personagens esféricas (multifacetadas): personagens que
vão se revelando aos poucos, como o Dr. Camargo, que só será completamente
desmascarado a partir da chantagem que faz com a protagonista; a própria
Helena, que permanece misteriosa até ser revelada a mentira de que fez parte.
- Denúncia da hipocrisia e uso da ironia: É o que se
verifica em relação ao Dr. Camargo.
- Triunfo da razão sobre a paixão: Estácio (não por acaso
um matemático), mesmo sabendo que não era irmão de Helena, aceita o conselho
moralista do padre Melchior, desistindo de ficar com ela, pois seria um
escândalo.
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