PERSONAGENS do AUTO DA COMPADECIDA, DE ARIANO SUASSUNA
PALHAÇO
Segundo o próprio Ariano Suassuna, é uma representação do
autor na peça.
“Ao escrever esta peça, onde
combate o mundanismo, praga de sua igreja, o autor quis ser representado por um
palhaço, para indicar que sabe, mais do que ninguém, que sua alma é um velho
catre, cheio de insensatez e de solércia. Ele não tinha o direito de tocar
nesse tema, mas ousou fazê-lo, baseado no espírito popular de sua gente, porque
acredita que esse povo sofre, é um povo salvo e tem direito a certas
intimidades.”
Como já dissemos, o Palhaço desempenha o papel de Corifeu,
conforme a tradição grega: enuncia partes isoladas do texto
(narrador/comentador); dialoga com os atores e com o público; estabelece a
mediação entre o palco e a plateia.
JOÃO GRILO
É o protagonista. Malandro (esperto), inventa histórias e
trapaças, conseguindo enganar a opinião alheia no intuito de obter benefícios.
Homem do povo, era explorado pelo padeiro e vivia miseravelmente, chegando a
passar fome (desnutrido, era chamado “amarelinho”). Nesse sentido a astúcia e a
criatividade são suas armas na luta pela sobrevivência e seu modo particular de
fazer justiça.
João Grilo é uma representação do próprio povo brasileiro,
e, como tal, costuma a ser comparado a outros ícones como Leonardinho, de
Memórias de um Sargento de Milícias (obra de Manuel Antônio de Almeida) e
Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (do Modernista Mário de Andrade). Mas apesar
da semelhança no que diz respeito ao humor e à criatividade, há uma diferença
essencial no conceito de malandragem: João Grilo é o malandro no sentido da esperteza,
não da preguiça, como Leonardinho e Macunaíma. Veja o que afirma Ariano
Suassuna:
“Logo quando o Auto da Compadecida apareceu, quando o
Auto da Compadecida foi encenado no sul principalmente, o herói, o personagem
central do Auto da Compadecida que É João Grilo, foi comparado a Macunaíma. E
eu protestei e continuo a protestar, tá certo? Eu não aceito a comparação não.
Eu não aceito a comparação porque o povo brasileiro em Macunaíma é olhado de um
ponto de vista negativo. E o próprio personagem é dado por Mário de Andrade,
que é o pai dele, como um herói sem caráter. Então, João Grilo foi chamado de
anti-herói e de herói sem caráter e eu protestei, e protesto, e continuo a
protestar. Na minha opinião João Grilo é um herói mesmo, tá certo? Porque vocês
vejam: João Grilo vence a aristocracia rural na pessoa do Major Antonio Morais.
Ele vence a burguesia urbana nas pessoas do padeiro e da Mulher do Padeiro. Ele
vence até o Diabo! Ele vence a polícia, vence os cangaceiros, não é? E vence o
Clero, o Clero corrupto e vence até o Diabo. Então se um homem desse não È
herói, eu não sei mais quem é herói não, não é? Eu acho que a definição, a
frase que define João Grilo é essa, que é um ditado popular aqui no Nordeste: a
astúcia é a coragem do pobre!”
(Depoimento de
Ariano Suassuna no documentário “O Sertãomundo de Ariano Suassuna”)
CHICÓ
É o mentiroso ingênuo, contador de histórias hiperbólicas e
mirabolantes como a do Cavalo Bento ou a do Pirarucu Pescador. Benevolente, não
tem a malícia ou a esperteza de João Grilo. O próprio Ariano Suassuna compara
Chicó, refugiado da dura realidade em seus delírios, com D. Quixote:
“[...] Refletindo
sobre a dupla cervantina, vi que D. Quixote é um sonhador, como Chicó e que
Sancho Pança é um pícaro, como João Grilo”
PADRE, BISPO E
SACRISTÃO
Representam a simonia e a hipocrisia no clero.
•
Padre
João: Subserviente aos poderosos, é
arrogante e intransigente com o povo.
•
Bispo:
Avarento, corrupto, e arrogante, é ironicamente referido como “administrador” e
“político”.
•
Sacristão:
Igualmente corrupto, “É um sujeito magro, pedante, pernóstico, de óculos azuis
que ele ajeita com as duas mãos de vez em quando com todo cuidado”.
FRADE
É o contraponto aos demais representantes do Clero. Puro,
cordial, benevolente, fica ao lado dos oprimidos, e não participa dos jogos de
corrupção e opressão. Ironicamente, costuma ser tratado como tolo. Entre os
seus pares é o único que se salva, literalmente: O cangaceiro Severino se nega
a matá-lo. No terceiro ato, afirma-se que o Frade era um Santo.
PADEIRO E SUA MULHER
Os patrões de João Grilo e Chicó. Representam a exploração
da burguesia em relação aos pobres. Como casal, o que os mantêm unidos é o medo
da solidão.
• Padeiro: Além de mesquinho, tem a personalidade
fraca. É manipulado pela esposa e repete, de forma caricatural, as falas da
mulher ao longo da peça.
• Mulher
do Padeiro: Encarna, além da cobiça,
a luxúria, sendo notoriamente adúltera. Insensível aos empregados, gosta mais
de bichos de estimação do que de pessoas.
MAJOR ANTÔNIO MORAIS
Alegoria da oligarquia latifundiária. Orgulha-se de suas
origens europeias e de sua “ociosidade senhorial”. Prepotente e autoritário,
demonstra que o poder econômico se traduz em poder político quase absoluto,
passando por cima, inclusive, da igreja.
SEVERINO DO ARACAJU E
CANGACEIRO (CABRA)
Assim como lampião, Severino é encarado pela sociedade
burguesa como a encarnação do mal, mas pode ser visto pelo povo como herói,
pois apresenta rígidos valores morais e se posiciona contra os poderosos,
repreendendo e punindo a corrupção dos clérigos, a vulgaridade da mulher
adúltera e a avareza do padeiro.
Severino e seu ajudante desencadeiam a carnificina que leva
todos ao juízo final. Suas ações, contudo, são justificadas, pois enlouqueceram
ao presenciar, ainda na infância, o assassinato de sua família.
ENCOURADO E DEMÔNIO
Atuam como promotores, acusando os vícios e crimes cometidos
pelos demais personagens. O Encourado, figura demoníaca da cultura popular
nordestina, toma a frente e subjuga o próprio demônio, que lhe serve de
auxiliar. É arrogante, intolerante, vingativo e mal-humorado.
MANUEL (JESUS CRISTO)
É o próprio Jesus Cristo. O demônio, no intuito de reduzir
seu poder, chama-o “Manuel”. Aparece surpreendentemente como um homem negro,
provocando um comentário preconceituoso de João Grilo. A intenção do autor é
justamente questionar os preconceitos do próprio público.
Outro aspecto não convencional do Cristo de Suassuna é o
humor (em oposição à sisudez do inferno). Manuel e a Compadecida são simples e
não só aceitam as brincadeiras do Grilo, como também pregam suas peças.
A COMPADECIDA
É a Virgem protetora. Benevolente, é, segundo João Grilo,
mais humana que o próprio Jesus e por isso é invocada para defender os homens,
intercedendo como “advogada” no juízo final.
A Compadecida, sua leveza e sua tolerância representam a
própria ideia de brasilidade. Nas palavras de Suassuna:
“Para mim, o emblema brasileiro e feminino, o núcleo
fundamental de toda a minha visão de mundo, era aquela Senhora a quem eu celebrara
com o nome popular de “A Compadecida” e que, sob a invocação de Nossa Senhora
da Conceição Aparecida, é a Padroeira incontestável de nosso país e do nosso
povo”.
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