Se a literatura nos faz romper com os limites do possível, a saga colorada, que completa neste 4 de abril 100 anos, é um épico emocionante. Para celebrar essa história de superação e paixão, trazemos aqui um post especial.
Não me acordem
O passado é prólogo. Certos acontecimentos dão força a esta frase, transformam tudo que veio antes em preliminar, em mero antecedente. Ou, para usar outro termo literário, em prefácio. Você se dá conta de que tudo que houve até ali - toda uma vida, toda uma história - foi simplesmente preparação para aquele certo momento, depois do qual nada será como era. E o passado ganha uma lógica que não tinha. Você passa a entender tudo em retrospecto. Tudo tinha um sentido que você apenas não percebera, na falta do momento máximo. A vitória do Grêmio em Tóquio em 83, os anos medíocres, o quase rebaixamento, as finais desperdiçadas, os vexames, as desilusões - tudo era prólogo para ontem.
Agora ficou claro, agora ficou lógico. O próprio destaque como melhores do mundo conquistado pelo Barcelona e pelo Ronaldinho fazia parte da preparação para o nosso 17 de dezembro, que não teria o mesmo gosto épico se o adversário fosse outro. Tudo era armação para aumentar o brilho e o drama do nosso momento máximo. Tudo se encaixava. Ou você pensa que a saída do Pato e do Fernandão, ontem, foi obra do acaso, esse autor sem imaginação? O resultado de ontem veio sendo construído aos poucos, desde antes da fundação do Internacional, antes de Pedro Álvares Cabral, antes de Homero e das Pirâmides.
E eu sabia que havia uma justificativa histórica para o topete do Gabiru.
Há dias a leitora Poliana Lopes me lembrou de um texto que eu tinha escrito, e esquecido. Ela teve a gentileza de me mandar o texto, e eu peço licença para repeti-lo agora. Era assim:
"Meu caro colorado. Desculpe esta carta a céu aberto, é que não sei nem seu nome nem seu endereço. Na verdade, só vi você na rua, de mãos dadas com seu pai e cercado pelos seus irmãos, que vestiam a camiseta do Grêmio (suponho que fossem seu pai e seus irmãos). Você estava com a camiseta do Internacional. Quase parei o carro para olhar melhor, mas não era miragem. Você tinha uns quatro ou cinco anos e estava de camiseta vermelha! Seu pai vestia uma camisa branca exemplarmente neutra, mas posso imaginar como tem sido a sua vida em casa. As provocações, os petelecos, a flauta, o martírio. E lá estava você de camiseta vermelha, o antigo escudo orgulhosamente no peito, desafiando todas as provações. Não sei se você sabe que vários colorados da sua geração não agüentaram e trocaram de time. Levaram pais e avós ao desespero, mas não suportaram a pressão do sucesso gremista. Você agüentou. Você não sabe, mas é um herói. E fiquei pensando que, quando for a nossa vez de novo, teremos certamente a torcida mais dedicada, fiel, convicta e feliz do Brasil. Porque será a torcida dos que resistiram. Agüente só mais um pouco. Meus respeitos."
Mas isto tudo também pode ser um sonho.
Se for, por favor: não me acordem.
*Crônica de Luis Fernando Verissimo publicada no jornal Zero Hora, em 18 de Dezembro de 2006
sexta-feira, 3 de abril de 2009
Homenagem ao Clube do Povo do Rio Grande do Sul
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