sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Lobo da Costa



Francisco Lobo da Costa, grande poeta romântico gaúcho do século XIX, constitui, certamente, uma das páginas mais interessantes da literatura brasileira. Sua poesia reflete a intensidade de uma melancolia realmente vivida. Isso confere às imagens ultra-românticas desse poeta um vigor que poucos de seus contemporâneos conseguiram atingir.


Adeus
À sombra do Salgueiro

(Fragmentos)


Adeus! eu vou partir. Por que soluças?

Não brilha o pranto, a dor, à luz da festa,

Nem a rosa, por pálida e modesta,

Deve pender a fronte ainda em botão...

Que eu te diga este adeus — manda o destino!

Eu sou náufrago vil, sem norte ou guia,

Açoitado por ventos de agonia

Nas cavernas fatais do coração.





Chorarás no momento em que eu te deixe,

Ou, quando perto eu for da tua herdade,

Passarás uma noite com saudade;

Mas a aurora trará mimos a flux...

E desperta de um sonho que te aflige,

Os passos sulcarás d'almo folguedo,

Esquecida daquele que tão cedo,

Sem amparo caiu vergado à cruz.





Trará o esquecimento alívio às dores;

Muitos dias talvez virão por este,

E das bagas do pranto que verteste

Brotarão os jasmins de um novo amor...

Cantarão no teu lar os passarinhos,

Muitas flores virão com a primavera,

E de mim ficará de uma outra era

Agudo espinho de saudosa dor.





Bem sei... há de custar-te a minha ausência,

Enquanto a ela tu não te acostumas.

Mas, ah! que nunca choram as espumas,

Quando soltas das vagas vão além!

É fatal, bem eu sinto, este momento!

Lisonjeia-me a dor do que não valho...

Olha: o manso gatinho no borralho,

Parece que a me olhar chora também.





Teu cãozinho de neve que tu amas,

No latido gentil, como que implora

Que eu não faça chorar sua senhora,

Ou pedindo-me em prantos, que eu não vá...

Mas quem sabe, se um dia, quando os tempos

De novo me trouxerem a estas plagas,

Não serás, ó cãozinho que me afagas,

O primeiro que então me morderá!





De lágrimas se funde o esquecimento

Com que algema o sentido mais dileto,

Não há, por mais gentil que seja o afeto,

Quem se possa eximir àquela essência.

É gelo que entibia as flores da alma,

É fogo que consome alto destino.

E já vês, ó meu anjo peregrino,

Que não deves chorar a minha ausência.





Irei por sobre as ondas desfolhando

As flores da saudade, uma por uma;

Como elas, que fogem sobre a espuma,

Quem me diz onde irei? onde pairar?

E tu ficas à sombra de teus lares,

Sorrindo de ventura, anjo celeste,

E eu, quem sabe! se à sombra de um cipreste

Num profundo dormir — sem despertar





O tempo que corrói a pedra bruta,

Também destrói os frutos da memória.

Mal fora se, na vida transitória,

Não sucedesse ao golpe a cicatriz.

— Tudo arrasta da vida a vaga irosa,

O Sol que amanheceu baixa ao poente...

Só há uma saudade permanente,

— A saudade da mãe e a do infeliz.





Nunca viste a donzela lacrimosa

Curvada no ladrilho mortuário,

Beijando o esquife negro e solitário

Em que dorme o despojo maternal?

E dois anos após... nem tanto ainda!

Da festa no esplendor vir, orgulhosa,

Passando muitas vezes junto à lousa,

Sem lembrar-se do anjo do casal?





Já viste a triste mãe que um berço embala,

Velando uma criança adormecida,

Consagrando-lhe esperança, amor e vida,

Capaz de se finar se ela morrer;

E após, se a idade veste-a de esplendores,

Tornar-se seu algoz, ser seu patíbulo,

E ir vendê-la nas portas do prostíbulo,

Como rês inocente — a quem mais der?!



Nunca viste o mendigo esfarrapado

Beijar a mão bondosa que o ampara,

E depois, se a fortuna se lhe aclara,

Como Pedro negar ao próprio Cristo?

Nunca viste o impudor — calcando o pejo,

A dor desafiando — gargalhadas,

Em troca de carícias — punhaladas!

Nunca viste? Pois eu já tenho visto.



Só guarda uma saudade quem por fado

Teve a dor do proscrito, a do abandono.

Assim, se eu não morrer, se o eterno sono

Não for além dormir, pomba adorada,

Lembrarei teus encantos e meiguices,

Chorarei de saudade — embora rias,

Cobrindo com meu manto de agonias

Os espinhos da cruz que me foi dada.



E se um dia nas praias do futuro

Rolar o meu cadáver de descrente,

Sepulta-o junto à margem onde a corrente

Só muda quando em fluxo recresce...

Onde os salgueiros têm as mesmas folhas

E é sempre a mesma viração sombria,

Onde só muda o Sol quando anoitece.

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