Receita de ano novo
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
(Carlos Drummond de Andrade)
quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
Receita de Ano Novo (Carlos Drummond de Andrade)
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
Entenda por que o cordel tornou-se a poesia popular brasileira
da Livraria da Folha
Primeiros cordelistas não tinham compromisso com a métrica e com o número de versos
Como classificar as modalidades de versos na literatura de cordel? Surpreende-se quem pensa que os mais conhecidos são somente os dos brasileiros Patativa do Assaré, Ariano Suassuna, Cavalcanti Proença, Orígenes Lessa, Roberto Câmara Benjamin e Carlos Alberto Azevedo. O francês Robert Mandrou e o espanhol Julio Caro Baroja também possuem escritos com raízes cordelistas profundas e difusas. Porém, os versos orais dos repentistas são aqueles que imperam nas estrofes.
A literatura de cordel brasileira possui origens portuguesas. Instalou-se primeiro em Salvador por meio dos colonizadores. De lá, irradiou-se para os demais estados do Nordeste. Por volta de 1750, os primeiros versos orais apareceram e o cordel tornou-se a poesia popular brasileira.
Atualmente, as estrofes são compostas por versos de quatro ou cinco sílabas até alexandrinos, de 12. Os cordelistas contemporâneos primam pela uniformização ortográfica e rítmica de seus escritos.
Conheça abaixo um panorama das modalidades de versos que foram desenvolvidas em cerca de 260 anos de história de literatura de cordel no Brasil.
*
1. A literatura de cordel oral no Brasil foi precursora da escrita. Os primeiros cordelistas não tinham compromisso com a métrica e com o número de versos. As disparidades residiam na brevidade ou no alongamento das estrofes. Porém, o entrave de palavras já era delineado --o interlocutor rimava a última palavra do seu verso com a última do parceiro.
2. Conhecida como "parcela" ou verso de quatro sílabas é a forma mais curta da literatura de cordel. A palavra não pode ser longa por conta do sentido e dos limites da métrica. A "parcela" --hoje em desuso-- tinha o objetivo de confundir o oponente nos combates poéticos. Não se tem indícios de sua autoria.
3. A parcela de cinco versos é recente. Também era cantada em ritmo acelerado e exigia uma rapidez de raciocínio do repentista. Tanto os versos de quatro quanto os de cinco surgiram quase um século depois das primeiras manifestações que continham quatro versos de sete sílabas.
4. A sextilha origina-se dos quatro versos de sete sílabas, acrescida de mais duas linhas. Indicada para os longos poemas romanceados, é a forma de cordel atual mais completa. Sua presença faz-se obrigatória no início de qualquer embate poético, em longas narrativas, e sátiras políticas e sociais. Apresenta cinco estilos: aberto, fechado, solto, corrido e desencontrado.
5. Já as setilhas --estrofes de sete versos de sete sílabas-- são indicadas para ser cantadas em reuniões festivas e em feiras.
6. "Oito Pés de Esquadrão" ou oitavas são compostas por estrofes de oito versos de sete sílabas. Há dois tipos: a de cunho popular e a clássica. O que difere ambas é a rima.
7. Com dez versos de sete sílabas, as décimas são as mais usadas pelos poetas e repentistas. São indicadas para delinear motes narrativos.
8. Criado pelo prof. Jaime Pedro Martelo, o "Martelo Agalopado" --estrofe de dez versos de dez sílabas-- é uma das modalidades mais antigas na literatura de cordel. As martelianas alongavam-se com rimas pares, até completar o sentido desejado. O estilo começou a ser esquecido a partir do desaparecimento do professor, em 1727. Foi retomado em 1898 pelo cordelista José Galdino da Silva. Há também o martelo de seis versos, que é mais refinado.
9. O chamado "Galope à Beira-Mar", com versos de onze sílabas, é mais longo que as martelianas. Já o "Galope Alagoano", que contém dez versos de dez sílabas, tem obrigatoriamente um mote.
10. A "Meia Quadra" ou versos de quinze sílabas possui rimas emparelhadas.
Em "Barroco Tropical", Agualusa aposta no excesso e no insólito; leia trecho
da Folha Online
Casal presencia uma cena insólita: uma mulher despenca do céu
Baseado na cultura do excesso e na modernidade mal-assimilada, José Eduardo Agualusa compôs as páginas de "Barroco Tropical" (Companhia das Letras, 2009). Nele, mães de santo, curandeiros e outros personagens pitorescos invadem a narrativa que se desloca entre a África, a Europa e o Brasil. O insólito faz as vezes de coro da trama.
O escritor angolano identificou, em seu país, "uma certa cultura do excesso, quer na maneira de as pessoas se divertirem, quer na maneira de demonstrarem o sentimento e a dor".
A ação transcorre em Luanda, no ano de 2020, e é narrada alternadamente pelo escritor Bartolomeu Falcato e pela cantora Kianda, sua amante. Os dois testemunham juntos um fato insólito --uma mulher cai do céu.
A vítima é uma modelo e ex-miss que frequentou a cama de políticos e empresários de expressão, o que a tornou uma figura mal-quista na sociedade.
Leia abaixo a introdução da obra.
*
1. Uma mulher a cair do céu.
Contei os segundos entre o instante do relâmpago e o do trovão-um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete. Depois multipliquei por trezentos e quarenta, a velocidade do som em metros por segundo, para calcular a distância a que caíra o primeiro raio: dois quilometros, trezentos e oitenta metros. Calculei o segundo, o terceiro, o quarto. A tempestade avançava veloz na nossa direção. Soube onde iria cair o quinto raio um instante antes que o céu se abrisse.
Kianda estava cerca de cem metros à minha frente e avançava, avançava sempre, como num palco, empurrada pela luz. Os sapatos afundavam-se na terra, vermelho-laca sobre vermelho-velho. Ao longe dançavam palmeiras. Ainda mais ao longe erguia-se a sólida silhueta de um embondeiro. Kianda caminhava muito direita, de rosto erguido, as belas mãos, de dedos longuíssimos e finos, cruzadas sobre o peito. A luz era uma substância dourada e densa, quase líquida, à qual se colavam folhas secas, papéis velhos, a fina poeira afogueada, matéria que o vento ia erguendo nos seus braços tortos.
O meu amor continuava a avançar de encontro à massa negra das nuvens. Lembrei-me das palavras de um famoso crítico de música, um velho inglês, um tanto excêntrico, tentando explicar o sucesso dela: "O que primeiro nos cativa é o contraste entre a fragilidade da silhueta, estranhamente angulosa, estranhamente elegante, e a altiva ferocidade do olhar. A voz poderosa e delicada. Apetece ao mesmo tempo protegê-la e espancá-la".
Kianda entrou na chuva. O leve vestido de seda, de um encarnado muito vivo, colou-se-lhe à pele, enquanto ia mudando de cor, para um tom escuro, quase roxo. O amplo decote nas costas
deixava ver as duas asas azuis que Kianda tatuou numa viagem ao Japão. A mim impressionam-me sempre, por melhor que as conheça, devido ao detalhe das penas e à técnica, em trompe-l'oeil, que cria uma ilusão de relevo. As asas movendo-se ao ritmo da respiração. A furiosa cabeleira em chamas, que tantas mulheres tentam imitar, apagou-se, perdeu volume e brilho, alongando-se sobre o firme desenho dos ombros.
Abri a porta e saí do carro, um Chrysler antigo, amarelo torrado, uma peça de coleção. O vento húmido fustigou-me o rosto. Gritei o nome dela, mais alto que o ribombar da tempestade. Kianda voltou-se para mim, ao mesmo tempo que erguia os olhos, num espanto mudo.
(Dou-me conta, enquanto releio o que escrevi, que parece o guião de um filme publicitário. Este é o momento em que devia surgir o frasco de perfume. Teria de ter um nome apropriado, algo como La tempête. Mas não. A partir deste instante o filme muda.)
Segui o olhar de Kianda e vi uma mulher a cair do céu. Caiu-veio caindo, nua, negra, de braços abertos-quase ao mesmo tempo que o raio. O raio fez explodir o embondeiro. Um meteorologista explicou-me, há muitos anos, que os raios podem fazer explodir as árvores ao provocarem a súbita ebulição da seiva. A mulher afundou-se entre o capim alto, não muito longe do carro. Aproximei-me. O corpo estava enterrado na lama. Tinha a cabeça deitada para trás. Reconheci aqueles olhos abertos, muito negros, ainda cheios de luz. Recuei aterrorizado. Não deixei que Kianda a visse:
-Vamos!
-Vamos?! E ela?
-Ela está morta, amor! Não se incomoda. Queres chamar a polícia?
-Não, não! A polícia não. Não quero chamar ninguém. Sabes muitíssimo bem que não nos podem ver juntos.
Abracei-a. Kianda tremia. Levei-a para o carro, sentei-a ao meu lado, e conduzi em silêncio de regresso a Luanda. Quando chegamos ainda a noite não descera sobre a cidade. Estacionei o carro a dois quarteirões do prédio dela. Debrucei-me para a beijar. Kianda afastou o rosto:
-Não! Nunca mais.
Saí. Ela tomou o meu lugar, pôs o carro em andamento e foi-se embora. Mandei parar um táxi. Durante muitos anos não houve em Luanda táxis individuais; havia somente táxis coletivos, os candongueiros, destinados a servir o povo.
(O Povo, ou Eles, é como em Angola nós, os ricos, ou os quase ricos, designamos os que nada têm. Os que nada têm são a esmagadora maioria dos habitantes deste país.)
O motorista era um congolês obeso. A pele do rosto, muito lisa, brilhava como um espelho à luz acobreada do final do dia. Abriu para mim um sorriso enorme:
-Para onde vamos, paizinho?
-Não sei.-Confessei numa voz sem cor. O Medo não me deixava pensar.-Para qualquer lado.
O homem voltou a sorrir:
-Não se preocupe. Eu levo-o lá.
Meia hora depois deixou-me à porta de um pequeno bar. Reparei no neon a pulsar sobre a porta -"O Orgulho Grego". O sorriso do taxista tinha agora o tamanho do mundo:
-Entre e pergunte pela Mãe Mocinha. Ela saberá dizer-lhe para onde ir. Nunca se engana.
(A mulher em queda, cinco dias antes.)
sábado, 26 de dezembro de 2009
Estrela Distante: Roberto Bolaño retrata sua geração em livro; leia trecho
*da Livraria da Folha
No início da década de 1970, o jovem poeta Alberto Ruiz-Tagle frequenta as oficinas literárias da Universidade de Concepción, no Chile. O romance "Estrela Distante", do chileno Roberto Bolaño é um retrato subjetivo de sua geração, que tinha em torno de 20 anos quando ocorreu a derrubada do governo Salvador Allende e a implantação da ditadura militar.
Bolaño cresceu no México e voltou ao Chile no começo dos anos 70. Derrubado o regime de Allende, em 1973, o escritor foi perseguido e passou alguns dias na prisão. Ruiz-Tagle possui várias facetas, as quais o autor tenta seguir o rastro e, reproduzir a censura que sua geração sofreu.
Leia abaixo a introdução do volume.
*
A primeira vez que vi Carlos Wieder foi em 1971 ou talvez 1972, quando Salvador Allende era presidente do Chile.
Dizia chamar se Alberto Ruiz Tagle e às vezes aparecia na oficina de poesia de Juan Stein, em Concepción, a chamada capital do Sul. Não posso dizer que o conhecia bem. Via o uma vez por semana, ou duas, quando ia à oficina. Não falava muito. Eu sim. A maioria de nós que íamos ali falava muito: não só de poesia, mas de política, de viagens (naquela ocasião, ninguém imaginava que viriam a ser aquilo que foram depois), pintura, arquitetura, fotografia, revolução e luta armada; a luta armada que nos traria uma nova vida e uma nova época, mas que para a maioria de nós era como um sonho ou, mais propriamente, como a chave que nos abriria a porta dos sonhos, os únicos pelos quais valia a pena viver. E embora soubéssemos vagamente que os sonhos muitas vezes se transformam em pesadelos, isso não importava. Tínhamos entre dezessete e vinte e três anos (eu tinha dezoito), e quase todos nós estudávamos na Faculdade de Letras, menos as irmãs Garmendia, que cursavam sociologia e psicologia, e Alberto Ruiz Tagle, que, segundo ele mesmo afirmou certa vez, era autodidata. Muita coisa poderia ser dita sobre ser um autodidata no Chile daqueles dias que antecederam 1973. A verdade é que ele não parecia um autodidata. Quero dizer: exteriormente, não parecia um autodidata. Estes, no Chile, no começo dos anos 70, na cidade de Concepción, não se vestiam da maneira como Ruiz Tagle se vestia. Os autodidatas eram pobres. Falava como um autodidata, isso sim. Falava como eu suponho que todos nós falamos agora, aqueles que ainda estamos vivos (falava como se vivesse no meio de uma nuvem), mas se vestia bem demais para quem não tinha sequer pisado numa universidade. Não quero dizer que fosse elegante - embora o fosse, sim, à sua maneira - nem que se vestisse de uma forma determinada; seu gosto era eclético: às vezes aparecia de terno e gravata, outras vezes com roupas esportivas, e não desdenhava do jeans nem de camisetas. Mas, qualquer que fosse o traje, Ruiz Tagle sempre usava roupas caras, de grife. Em resumo, Ruiz Tagle era elegante, e eu, naquela época, não achava que os autodidatas chilenos, sempre entre os manicômios e o desespero, fossem elegantes. Certa vez disse que seu pai ou seu avô tinha sido dono de umas terras na região de Puerto Montt. Ele contava (ou o ouvimos contar a Verónica Garmendia) que decidiu largar os estudos aos quinze anos para se dedicar ao trabalho no campo e à leitura da biblioteca paterna. Nós, da oficina de Juan Stein, dávamos como certo que ele era um bom cavaleiro. Não sei por quê, já que nunca o vimos montando nenhum cavalo. Na realidade, todas as suposições que podíamos estabelecer a respeito de Ruiz Tagle eram predeterminadas pelo nosso ciúme, ou talvez por nossa inveja. Ruiz Tagle era alto e magro, forte e de belas feições. Segundo Bibiano O'Ryan, era um sujeito de feições excessivamente frias para serem belas, mas, claro, Bibiano disse isso bem mais tarde, e assim não vale. Por que tínhamos ciúme de Ruiz Tagle? O plural, aqui, é exagerado. Quem tinha ciúme era eu. Talvez Bibiano compartilhasse dele. O motivo, claro, eram as irmãs Garmendia, gêmeas univitelinas e estrelas incontestáveis da oficina de poesia. Tanto que às vezes tínhamos a sensação (Bibiano e eu) de que Stein dirigia toda a oficina em função apenas das duas. Eram, admito, as melhores. Verónica e Angélica Garmendia eram tão iguais em certos dias que ficava impossível distinguir uma da outra, e tão diferentes em outros dias (sobretudo em outras noites) que pareciam duas desconhecidas, quando não inimigas uma da outra. Stein as adorava. Além de Ruiz Tagle, era o único que sempre sabia quem era Verónica e quem era Angélica. Mal consigo falar sobre elas. Às vezes aparecem nos meus pesadelos. Têm a mesma idade que eu, talvez um ano a mais, e são altas, magras, de pele morena e cabelos pretos compridos, como acredito que fosse moda naquela época.
As irmãs Garmendia ficaram amigas de Ruiz Tagle quase de imediato. Ele ingressou na oficina de Stein em 71 ou 72. Ninguém o havia visto antes, nem na universidade nem em parte alguma. Stein não lhe perguntou de onde vinha. Pediu que lesse três poemas e disse que não eram ruins. (Stein só elogiava abertamente os poemas das irmãs Garmendia.) E ficou conosco. No começo, não lhe dávamos bola. Mas, quando vimos que as Garmendia começaram a ficar amigas dele, também ficamos amigos de Ruiz Tagle. Até então, seu comportamento era de uma cordialidade distante. Era abertamente simpático, cheio de delicadeza e atencioso apenas com as Garmendia (e nisso se parecia com Stein). Quanto aos outros, como já disse, tratava nos com uma "cordialidade distante", quer dizer, cumprimentava nos, sorria, era discreto e ponderado em sua avaliação crítica quando líamos nossos poemas, nunca defendia seus textos contra nossos ataques (costumávamos ser demolidores) e nos escutava, quando lhe falávamos alguma coisa, com algo que hoje eu jamais me atreveria a chamar de atenção, mas que na época assim nos parecia.
As diferenças entre Ruiz Tagle e os demais eram evidentes. Falávamos em gíria ou com um jargão marxista mandraqueiro (a maioria de nós era membro ou simpatizante do mir ou de partidos trotskistas, embora um ou outro, creio, militasse nas Juventudes Socialistas ou no Partido Comunista ou, ainda, em um dos partidos da esquerda católica). Ruiz Tagle falava em espanhol. Aquele espanhol de certos lugares do Chile (lugares mais mentais do que físicos) onde o tempo parece que não passa. Morávamos com nossos pais (os de Concepción) ou em pensões estudantis baratas. Ruiz Tagle morava sozinho, em um apartamento próximo do centro, com quatro quartos com as cortinas permanentemente fechadas, que nunca visitei mas sobre o qual Bibiano e a Gorda Posadas me contaram coisas, muitos anos depois (coisas contaminadas, já, pela lenda maldita de Wieder), que não sei se são verdadeiras ou se devem ser atribuídas à imaginação de meu ex colega. Quase nunca tínhamos grana (é engraçado escrever agora a palavra grana: brilha como um olho na escuridão);* quanto a Ruiz Tagle, dinheiro nunca lhe faltou.
O que Bibiano me contou sobre a casa de Ruiz Tagle? Falou principalmente de seu despojamento; teve a sensação de que a casa estava preparada. Esteve ali sozinho uma única vez. Passava por perto e decidiu (Bibiano é assim mesmo) convidar Ruiz Tagle para ir ao cinema. Passava um filme de Bergman, não me lembro qual. Bibiano já tinha estado na casa duas vezes, sempre acompanhando uma das Garmendia, e nas duas oportunidades a visita era, digamos, de alguma maneira aguardada. Então, naquelas visitas com as Garmendia, a casa lhe pareceu preparada, arrumada para o olhar de quem ali chegasse, vazia demais, com espaços onde nitidamente faltava alguma coisa. Na carta em que me contou essas coisas (escrita muitos anos depois), Bibiano dizia que tinha se sentido como Mia Farrow em O bebê de Rosemary, quando vai pela primeira vez, com John Cassavettes, à casa de seus vizinhos. Faltava alguma coisa. Na casa do filme de Polanski, o que faltava eram os quadros, preventivamente retirados para não assustar Mia e Cassavettes. Na casa de Ruiz Tagle, o que faltava era alguma coisa inominável (ou que Bibiano, anos depois e já ciente da história ou de boa parte da história, considerou inominável porém presente, tangível), como se o anfitrião tivesse amputado pedaços de sua moradia. Ou como se esta fosse um brinquedo de armar que se adaptava às expectativas e particularidades de cada visitante. Essa sensação se acentuou quando ele foi sozinho à casa. Ruiz Tagle, evidentemente, não o aguardava. Demorou a abrir a porta. Quando o fez, pareceu não reconhecer Bibiano, embora este me garanta que Ruiz Tagle abriu a porta com um sorriso e que em nenhum momento parou de sorrir. Não havia muita luz, como ele próprio admite, portanto não sei até que ponto meu amigo está próximo da verdade. De qualquer maneira, Ruiz Tagle abriu a porta e, depois de uma troca de palavras mais ou menos sem sentido (demorou a entender que Bibiano estava ali para convidá lo a ir ao cinema), fechou a novamente, não sem antes pedir que esperasse um pouco, e depois de alguns segundos abriu a de novo e convidou o a entrar. A casa estava na penumbra. O cheiro era denso, como se Ruiz Tagle tivesse preparado na noite anterior alguma comida muito forte, cheia de gordura e especiarias. Por um momento Bibiano acreditou ter ouvido um ruído vindo de um dos quartos e supôs que Ruiz Tagle estivesse com uma mulher. Quando ia se desculpar e dar o fora, Ruiz Tagle perguntou que filme estava pensando em ver. Bibiano disse que era um de Bergman, no Teatro Lautaro. Ruiz Tagle voltou a sorrir, com aquele mesmo sorriso que para Bibiano parecia enigmático e que eu achava arrogante, quando não explicitamente exagerado. Pediu desculpas, disse que já tinha um encontro marcado com Verónica Garmendia e que, além disso, segundo explicou, não gostava dos filmes de Bergman. Naquele momento, Bibiano estava convencido de que havia outra pessoa na casa, alguém imóvel e que ouvia atrás da porta sua conversa com Ruiz Tagle. Considerou que devia ser justamente Verónica, pois, do contrário, como explicar que Ruiz Tagle, normalmente tão discreto, a tinha mencionado? Contudo, por mais que se esforçasse, não conseguiu imaginar nossa poeta numa situação como aquela. Nem Verónica nem Angélica Garmendia eram de ficar ouvindo conversas atrás da porta. Quem seria, então? Bibiano não sabe. Naquela hora, provavelmente, a única coisa que ele sabia é que queria sair dali, despedir se de Ruiz Tagle e nunca mais voltar àquela casa vazia e sangrada. Palavras dele. Embora, de acordo com sua descrição, a casa não tivesse como exibir aspecto mais asséptico. Paredes limpas, livros ordenados numa estante de metal, as poltronas cobertas com ponchos sulinos. Sobre um pequeno banco de madeira, a Leika de Ruiz Tagle, a mesma que ele usou certa tarde para tirar fotos de todos os integrantes da oficina de poesia. A cozinha, que Bibiano enxergou através de uma porta semiaberta, de aparência normal, sem o acúmulo de panelas e pratos sujos típico da casa de um estudante que mora sozinho (mas Ruiz Tagle não era um estudante). Enfim, nada que fugisse do normal, a não ser aquele barulho, que bem podia ter vindo do apartamento vizinho. Segundo Bibiano, enquanto Ruiz Tagle falava ele teve a sensação de que este não queria que ele se fosse, de que falava justamente para retê lo ali. Essa sensação, sem nenhuma base concreta, contribuiu para elevar o nervosismo de meu amigo a níveis, segundo ele, intoleráveis. O mais curioso é que Ruiz Tagle parecia desfrutar a situação: percebia que Bibiano estava cada vez mais pálido ou mais suado e continuava falando (de Bergman, suponho) e sorrindo. A casa permanecia num silêncio que as palavras de Ruiz Tagle só faziam acentuar, sem chegar em nenhum momento a interrompê lo.
De que falava ele?, pergunta se Bibiano. Seria importante, escreve em sua carta, que se lembrasse, mas, por mais que me esforce, é impossível. O fato é que Bibiano aguentou o máximo que pôde, depois se despediu de uma forma mais ou menos atropelada e foi embora. Na escada, pouco antes de chegar à saída, cruzou com Verónica Garmendia, que lhe perguntou se estava acontecendo alguma coisa com ele. O que pode estar acontecendo?, disse Bibiano. Não sei, respondeu Verónica, mas você está branco que nem papel. Nunca esquecerei estas palavras, diz Bibiano em sua carta: branco que nem uma folha de papel. Nem o rosto de Verónica Garmendia. Rosto de uma mulher apaixonada.
É triste ter de admiti lo, mas é isso mesmo. Verónica estava apaixonada por Ruiz Tagle. E pode até ser que Angélica também estivesse apaixonada por ele. Certa vez Bibiano e eu conversamos sobre isso, faz muito tempo. Imagino que o que mais nos doía era que nenhuma das Garmendia estivesse apaixonada ou ao menos interessada por nós. Bibiano gostava de Verónica. Eu gostava de Angélica. Nunca nos atrevemos a lhes dizer nenhuma palavra a respeito, embora eu acredite que nosso interesse por elas fosse publicamente conhecido. Coisa em que não nos diferenciávamos do restante dos participantes masculinos da oficina, todos, uns mais, outros menos, apaixonados pelas irmãs Garmendia. Mas elas (ou pelo menos uma delas) tornaram se presas do charme incomum do poeta autodidata.
Autodidata, sim, mas preocupado em aprender, como constatamos Bibiano e eu quando o vimos aparecer na oficina de poesia de Diego Soto, a outra oficina de vanguarda da Universidade de Concepción, que rivalizava, digamos, na ética e na estética, com a oficina de Juan Stein, embora Stein e Soto fossem o que na época se chamava, e suponho que ainda se chama, amigos do peito. A oficina de Soto se realizava na Faculdade de Medicina, não sei por que motivo, em uma sala mal ventilada e mal mobiliada, separada apenas por um corredor do anfiteatro onde os estudantes dissecavam cadáveres nas aulas de anatomia. O anfiteatro, é claro, recendia a formol. O corredor, às vezes, também recendia a formol. E em algumas noites, pois a oficina de Soto se realizava todas as sextas feiras das oito às dez, embora geralmente costumasse acabar depois da meia noite, a sala se impregnava de um cheiro de formol que tentávamos em vão mitigar acendendo um cigarro atrás do outro. Os frequentadores da oficina de Stein não iam à de Soto e vice versa, com exceção de Bibiano O'Ryan e eu, que na verdade compensávamos nossa ausência crônica nas aulas comparecendo não só às oficinas, mas também a todos os recitais ou reuniões culturais ou políticas realizadas na cidade. Por isso, ver Ruiz Tagle aparecer por ali certa noite foi uma surpresa. Sua atitude foi mais ou menos a mesma que mantinha na oficina de Stein. Ouvia, fazia críticas ponderadas, breves e sempre num tom cordial e educado, lia seus próprios trabalhos com desprendimento e certa distância e aceitava sem replicar até mesmo os piores comentários, como se os poemas que submetia à nossa crítica não fossem dele. Isso foi percebido não só por nós, Bibiano e eu; uma noite, Diego Soto lhe disse que ele escrevia com distanciamento e frieza. Não parecem poemas seus, observou ele. Ruiz Tagle reconheceu isso sem se alterar. Estou tateando, respondeu.
* O autor faz um jogo com a palavra plata, que na gíria significa dinheiro mas que é também prata, daí a ideia de brilho na escuridão. (N. T.)
*
"Estrela Distante"
Autor: Roberto Bolaño
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 144
Quanto: R$ 33
Legado de Leon Tolstói é revisto em centenário
ALEXANDRA MORAES
da Folha de S.Paulo
Em 20 de novembro de 2010, será comemorado o centenário da morte de Liev Nikolaiévitch Tolstói.
Em 1899, pouco mais de dez anos antes de morrer, Liev Tolstói (1828-1910) lançava seu último romance. Em maio de 2010, ano em que a morte do escritor completa cem anos, o texto de "Ressurreição" vai aparecer pela primeira vez em português traduzido do russo, pelo escritor e tradutor Rubens Figueiredo, 53.
Na época em que "Ressurreição" foi lançado, Tolstói, já célebre, era mais conhecido pelas críticas sociais e religiosas do que propriamente como escritor de ficção, como lembra o professor de história em Oxford Orlando Figes em seu "Natasha's Dance" [a dança de Natacha, estudo que parte de uma coreografia do tolstoiano "Guerra e Paz" para examinar a construção cultural da Rússia].
Liev Tolstói (1828-1910), escritor de "Guerra e Paz", ganha novas traduções no país em 2010
A imagem que foi fixada nesses cem anos de Tolstói como uma figura moralista tem mudado provavelmente com o fortalecimento da própria noção de Tolstói como escritor antes de polemista.
"A falha na recepção de Tolstói não é do Brasil: nós a aprendemos das tradições críticas dos países mais ricos e dotados de mísseis e aviões bombardeiros. Trata-se de insistir na visão de um Tolstói doutrinador religioso, moralista, cuja carreira se divide em duas partes: uma do escritor e a outra do pregador", diz Rubens Figueiredo.
"É uma simplificação que deixa de lado o caráter mais marcante da obra de Tosltói: seu cunho questionador dos pressupostos da sociedade moderna _um questionamento de espírito polêmico e feito de um ângulo que, às vezes, se assemelha ao de um antropólogo."
Para o o cientista político Paulo Sergio Pinheiro, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, que assina o texto da quarta capa de "Ressurreição", trata-se de "um dos maiores romances de todos os tempos, ao demonstrar a interdependência entre privilégio e violência, através de um preciso desvendamento das relações de poder na sociedade".
"Tolstói foi um grande ficcionista. Ele tem que ser apreciado como ficcionista. Há momentos em que o pregador aparece, mas são poucos", aponta o tradutor Bóris Schnaiderman, 92, que lança em maio lança sua "retradução" de "Khadji Murat" (Cosac Naify).
"Em 'Felicidade Conjugal' ele se entregou plenamente a essa capacidade de transmitir as nuances das vivências humanas", afirma. "Tolstói tinha uma habilidade extraordinária de compreender as fraquezas humanas. [O cineasta Serguei] Eisensentein disse que 'Anna Kariênina' era de um moralismo feroz, e é verdade, é uma condenação do adultério. Ao mesmo tempo, tem uma compreensão, uma capacidade de transmitir as nuances, os sentimentos humanos, diante das quais essa finalidade inicial quase desaparece."
Primeira obra de Tolstói que Schnaiderman traduziu, "Khadji Murat" "saiu com o título de 'O Diabo Branco', pela Vecchi, em 1948", diz o professor aposentado pela USP, que refaz suas traduções.
O personagem-título é um tchetcheno que tem de decidir entre se aliar a russos para salvar a família sequestrada ou render-se a Imam Schamil (1797-1871), líder da resistência contra o Império Russo no século 19.
Para Schnaiderman, o texto merece mais atenção que a que tem recebido no Ocidente. "É um tema que nos toca hoje mais de perto. Tem havido mais atenção, Harold Bloom trata desse livro no seu 'Cânone Ocidental'."
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Compras de Natal (Cecília Meireles)
COMPRAS DE NATAL
Cecília Meireles
A cidade deseja ser diferente, escapar às suas fatalidades. Enche-se de brilhos e cores; sinos que não tocam, balões que não sobem, anjos e santos que não se movem, estrelas que jamais estiveram no céu.
As lojas querem ser diferentes, fugir à realidade do ano inteiro: enfeitam-se com fitas e flores, neve de algodão de vidro, fios de ouro e prata, cetins, luzes, todas as coisas que possam representar beleza e excelência.
Tudo isso para celebrar um Meninozinho envolto em pobres panos, deitado numas palhas, há cerca de dois mil anos, num abrigo de animais, em Belém.
Todos vamos comprar presentes para os amigos e parentes, grandes e pequenos, e gastaremos, nessa dedicação sublime, até o último centavo, o que hoje em dia quer dizer a última nota de cem cruzeiros, pois, na loucura do regozijo unânime, nem um prendedor de roupa na corda pode custar menos do que isso.
Grandes e pequenos, parentes e amigos são todos de gosto bizarro e extremamente suscetíveis. Também eles conhecem todas as lojas e seus preços – e, nestes dias, a arte de comprar se reveste de exigências particularmente difíceis. Não poderemos adquirir a primeira coisa que se ofereça à nossa vista: seria uma vulgaridade. Teremos de descobrir o imprevisto, o incognoscível, o transcendente. Não devemos também oferecer nada de essencialmente necessário ou útil, pois a graça destes presentes parece consistir na sua desnecessidade e inutilidade. Ninguém oferecerá, por exemplo, um quilo (ou mesmo um saco) de arroz ou feijão para a insidiosa fome que se alastra por estes nossos campos de batalha; ninguém ousará comprar uma boa caixa de sabonetes desodorantes para o suor da testa com que – especialmente neste verão – teremos de conquistar o pão de cada dia. Não: presente é presente, isto é, um objeto extremamente raro e caro, que não sirva a bem dizer para coisa alguma.
Por isso é que os lojistas, num louvável esforço de imaginação, organizam suas sugestões para os compradores, valendo-se de recursos que são a própria imagem da ilusão. Numa grande caixa de plástico transparente (que não serve para nada), repleta de fitas de papel celofane (que para nada servem), coloca-se um sabonete em forma de flor (que nem se possa guardar como flor nem usar como sabonete), e cobra-se pelo adorável conjunto o preço de uma cesta de rosas. Todos ficamos extremamente felizes!
São as cestinhas forradas de seda, as caixas transparentes os estojos, os papéis de embrulho com desenhos inesperados, os barbantes, atilhos, fitas, o que na verdade oferecemos aos parentes e amigos. Pagamos por essa graça delicada da ilusão. E logo tudo se esvai, por entre sorrisos e alegrias.
Durável – apenas o Meninozinho nas suas palhas, a olhar para este mundo.
Em: "Quatro Vozes", 1998.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Contos do Mundo: Olhos de cão azul (Gabriel García Márquez)
País de Origem: Colômbia
Autor: Gabriel García Márquez
Publicação original em: 1950
Olhos de cão azul
Então olhou para mim. Pensava que olhava para mim pela primeira vez. Mas então, quando se virou por trás do abajur, e eu continuava sentindo sobre o ombro, nas minhas costas, seu escorregadio e oleoso olhar, compreendi que era eu quem a olhava pela primeira vez. Acendi um cigarro. Traguei a fumaça áspera e forte, antes de fazer girar a cadeira, equilibrando-a sobre uma das pernas posteriores. Depois disso a vi ali, como havia estado todas as noites, de pé junto ao abajur, me olhando. Durante breves minutos não fizemos nada mais que isto: olhar-nos. Eu, olhando-a da cadeira, equilibrando-me numa das pernas traseiras. Ela, em pé, me olhando, com uma das mãos, comprida e quieta, sobre o abajur. Via as pálpebras iluminadas como todas as noites. Foi então que lembrei o de sempre, quando lhe disse: "Olhos de cão azul". Ela me disse, sem tirar a mão do abajur: "Isso. Já não o esqueceremos nunca". Saiu da órbita suspirando: "Olhos de cão azul. Escrevi isso por todas as partes”.
Vi-a caminhar em direção à cômoda. Vi-a aparecer na lua circular do espelho, olhando-me agora no final duma ida e volta de luz matemática. Vi-a continuar me olhando com seus grandes olhos de cinza acesa: olhando-me enquanto abria uma caixinha revestida de nácar rosado. Vi-a passar pó-de-arroz no nariz. Quando acabou de fazer isso, fechou a caixinha e voltou a ficar em pé e andou novamente em direção ao abajur, dizendo: "Temo que alguém sonhe com este quarto e mexa nas minhas coisas"; e estendeu sobre a chama a mão comprida e trêmula, a mesma que estivera esquentando antes de sentar-se em frente ao espelho. E me disse: "Você não sente o frio". E eu lhe disse: "Às vezes". E ela me disse: "Você deve senti-lo agora". E então compreendi por que não tinha podido ficar sozinho na cadeira. Era o frio o que me dava certeza da minha solidão. "Agora o sinto", disse. "E é raro, porque a noite está quieta. Talvez o lençol tenha rodado". Ela não respondeu. Começou a se mexer em direção ao espelho e voltei a girar sobre a cadeira para ficar de costas para ela. Embora sem vê-Ia, sabia o que estava fazendo. Sabia que estava outra vez sentada diante do espelho, vendo minhas costas, que haviam tido tempo para chegar até o fundo do espelho, e serem encontradas pelo seu olhar, que também havia tido o tempo justo para chegar até o fundo e regressar antes que a mão tivesse tempo de iniciar a segunda virada — até os lábios que estavam agora pintados de carmim, da primeira virada da mão em frente ao espelho. Eu via, à minha frente, a parede lisa, que era como outro espelho cego, onde eu não a via sentada às minhas costas, mas imaginando onde estaria, se no lugar da parede tivesse sido colocado um espelho. "Estou vendo você", disse-lhe. E vi, na parede, como se ela tivesse levantado os olhos e me visto de costas na cadeira, ao fundo do espelho, com o rosto voltado para a parede. Depois vi-a abaixar as pálpebras, outra vez, e ficar com os olhos quietos no seu sutiã, sem falar. E voltei a lhe dizer: "Estou vendo você." E ela voltou a levantar os olhos do sutiã. "É impossível", disse. Eu perguntei por quê. E ela, com os olhos outra vez quietos no sutiã: "Porque você tem o rosto voltado para a parede". Então eu fiz girar a cadeira. Tinha o cigarro apertado na boca. Quando fiquei de frente para o espelho, ela estava outra vez junto do abajur. Agora tinha as mãos abertas sobre a chama, como duas asas abertas de galinha, sendo assada, e com o rosto sombreado pelos próprios dedos. "Acho que vou me resfriar", disse. "Esta deve ser uma cidade gelada”. Voltou o rosto de perfil e sua pele de cobre vermelho se tornou repentinamente triste. "Faça alguma coisa contra isso", disse. E ela começou a tirar a roupa, peça por peça, começando por cima; pelo sutiã. Disse-lhe: "Vou me virar para a parede". Ela disse: "Não. De todas as maneiras você vai me ver, como me viu quando estava de costas". Mal tinha acabado de dizer isso e já estava despida quase por completo, com a chama lambendo-lhe a comprida pele de cobre. "Sempre tinha querido ver você assim, com o couro da barriga cheio de buracos fundos, como se houvessem feito você a pauladas". E antes que eu me desse conta de que minhas palavras se tinham tornado torpes diante da sua nudez, ela ficou imóvel, esquentando-se na órbita do abajur, e disse: "Às vezes creio que sou metálica". Manteve o silêncio por um instante. A posição das mãos sobre a chama mudou levemente. Eu disse: "Às vezes, em outros sonhos, pensei que você é apenas uma estatueta de bronze num canto de algum museu. Talvez por isso sinta frio". E ela disse: "Às vezes, quando durmo sobre o coração, sinto que o corpo fica como um ovo, e a pele como uma lâmina. Então, quando o sangue me bate por dentro, é como se alguém me estivesse chamando com os nós dos dedos na barriga, e sinto meu próprio som de cobre na cama. É como se fosse assim como você diz: de metal laminado". Aproximou-se mais do abajur. "Teria gostado de ouvir você", disse. E ela disse: "Se alguma vez nos encontrarmos ponha o ouvido nas minhas costelas, quando eu dormir sobre o lado esquerdo, e me ouvirá ressonar. Sempre desejei que você alguma vez fizesse isso”. Ouvi-a respirar fundo enquanto falava. E disse que durante anos não tinha feito nada diferente disso. Sua vida estava dedicada a me encontrar na realidade, por meio dessa frase identificadora. "Olhos de cão azul." E na rua ia dizendo em voz alta, que era uma maneira de dizer à única pessoa que teria podido compreendê-la:
"Eu sou a que chega em seus sonhos todas as noites e lhe diz isto: olhos de cão azul". E ela disse que ia aos restaurantes e dizia para os garçons, antes de fazer o pedido: "Olhos de cão azul". Mas os garçons lhe faziam uma respeitosa reverência, sem que houvessem lembrado nunca ter dito isso nos seus sonhos. Depois escrevia nos guardanapos e riscava com a faca o verniz das mesas: "Olhos de cão azul". E nos cristais embaçados dos hotéis, das estações, de todos os edifícios públicos, escrevia com o indicador: "Olhos de cão azul". Disse que uma vez chegou a uma drogaria e percebeu o mesmo cheiro que tinha sentido no seu quarto uma noite, depois de ter sonhado comigo: "Deve estar perto", pensou, vendo a cerâmica limpa e nova da drogaria. Então se aproximou do vendedor e lhe disse: "Sempre sonho com um homem que me disse: "Olhos de cão azul". E disse que o vendedor a havia olhado nos olhos e dito: "Na verdade, moça, a senhora tem os olhos assim". E ela disse: "Preciso encontrar o homem que me diz isso nos sonhos". E o vendedor começou a rir e foi para o outro lado do balcão. Ela permaneceu olhando o ladrilho limpo do chão e sentindo o cheiro. E abriu a bolsa e se ajoelhou e escreveu com o batom sobre o ladrilho, com grandes letras vermelhas: "Olhos de cão azul". O vendedor regressou de onde se encontrava. Disse-lhe: "Moça, a senhora sujou o ladrilho". Deu-lhe um pano úmido, dizendo: "Limpe-o". E ela disse, ainda junto ao abajur, que passou a tarde toda agachada, lavando o ladrilho e dizendo: "Olhos de cão azul", até que as pessoas se aglomeraram na porta e disseram que estava louca.
Agora, quando acabou de falar, eu continuava no canto, sentado, equilibrando-me na cadeira. "Tento me lembrar todos os dias da frase com que preciso encontrar você", disse. "Agora creio que amanhã não a esquecerei. Mas sempre esqueço ao acordar quais são as palavras com que posso encontrar você". E ela disse: "Você mesmo as inventou desde o primeiro dia". E eu lhe disse: "Inventei-as porque vi seus olhos cor de cinza. Mas nunca me lembro delas na manhã seguinte." E ela, com os punhos fechados junto ao abajur, respirou fundo: "Se pelo menos pudesse recordar agora em que cidade estive escrevendo isso".
Seus dentes apertados resplandeceram sobre a chama. "Eu gostaria de tocar em você agora", disse. Ela levantou o rosto que estivera olhando a luz: levantou o olhar ardente, assando-se também do mesmo jeito que ela, do mesmo jeito que suas mãos: e eu senti que me viu, no canto, onde continuava sentado, me balançando na cadeira. "Você nunca me tinha dito isso", disse. "Agora digo, e é verdade", disse. Do outro lado do abajur ela me pediu um cigarro. O toco tinha desaparecido dos meus dedos. Esquecera que estava fumando. Disse: "Não sei por quê, não posso lembrar onde o escrevi". E eu lhe disse: "Pela mesma razão pela qual eu não poderei lembrar as palavras amanhã". E ela disse, triste: "Não. É que às vezes creio que também sonhei isso". Fiquei em pé e andei até o abajur. Ela estava um pouco mais para lá, e eu continuava andando, com os cigarros e os fósforos na mão, e não passaria o abajur. Aproximei dela o cigarro. Ela o apertou entre os lábios e se inclinou para atingir a chama, antes que eu tivesse tempo de acender o fósforo. "Em alguma cidade do mundo, em todas as paredes, têm que estar escritas estas palavras: 'Olhos de cão azul", disse. "Se amanhã me lembrasse delas iria buscar você". Ela levantou outra vez a cabeça e já tinha a brasa acesa nos lábios."Olhos de cão azul", suspirou, recordando, com o cigarro jogado sobre o queixo e um olho semifechado. Aspirou a fumaça, com o cigarro entre os dedos, e exclamou: "Já isto é outra coisa. Estou me sentindo mais quente". E disse-o com a voz um pouco morna e fugidia, como se não o tivesse dito realmente, mas como se houvesse aproximado o papel à chama enquanto eu lia: "Estou entrando — e ela tivesse continuado com o papelzinho entre o polegar e o indicador, virando-o, enquanto ia se consumindo e eu acabava de ler — ... mais quente", antes que o papelzinho se consumisse por completo e caísse ao chão amassado, diminuído, convertido num leve pó de cinza. "Assim, é melhor", disse. "Às vezes me dá medo ver você assim. Tremendo junto ao abajur".
Há vários anos nos víamos. Às vezes, quando já estávamos juntos, alguém deixava cair lá fora uma colherinha e acordávamos. Pouco a pouco íamos compreendendo que nossa amizade estava subordinada às coisas, aos acontecimentos mais simples. Nossos encontros terminavam sempre assim, com o cair de uma colherzinha na madrugada.
Agora, junto ao abajur, estava me olhando. Eu lembrava que antes também me havia olhado assim, desde aquele remoto sonho em que fiz a cadeira girar sobre as pernas traseiras e fiquei diante de uma desconhecida de olhos cinzentos. Foi nesse sonho que perguntei a ela pela primeira vez:"Quem é a senhora?" E ela me disse: "Não lembro". Eu lhe disse: "Mas acredito que nos vimos antes". E ela disse, indiferente: "Creio que alguma vez sonhei com o senhor, com este mesmo quarto". E eu lhe disse: "É isso. Já começo a lembrar". E ela disse: "Que curioso. É verdade que temos nos encontrado em outros sonhos".
Deu duas chupadas no cigarro. Eu estava ainda em pé em frente ao abajur, quando fiquei olhando para ela de repente. Olhei-a de cima a baixo e ainda era de cobre; mas já não de metal duro e frio, senão de cobre amarelo, macio, maleável. "Gostaria de tocar em você", voltei a dizer. E ela disse: "Você jogaria tudo por água abaixo", voltou a dizer, antes que eu pudesse tocá-la. "Talvez, se você se virar por trás do abajur, acordaríamos sobressaltados quem sabe em que parte do mundo". Mas eu insisti: "Não importa". E ela disse:"Se virássemos o travesseiro, voltaríamos a nos encontrar. Mas você, quando acordar, terá esquecido tudo". Comecei a me mexer em direção ao canto. Ela ficou por trás, esquentando as mãos sobre a chama. E eu ainda não estava junto da cadeira quando a ouvi falar às minhas costas: "Quando acordo à meia-noite, fico revirando-me na cama, com os fios do travesseiro ardendo no joelho e repetindo até o amanhecer: 'Olhos de cão azul'".
Então fiquei com o rosto na parede. "Já está amanhecendo", disse sem olhar para ela. "Quando deram duas da manhã, estava acordado, já fazia bastante tempo." Dirigi-me até a porta. Quando tinha pegado a maçaneta, ouvi outra vez sua voz igual, invariável: "Não abra essa porta", disse. "O corredor está cheio de sonhos difíceis". E eu lhe disse: "Como você sabe disso?" E ela me disse: "Porque há pouco estive ali e tive que voltar quando descobri que estava dormindo sobre o coração". Eu mantinha a porta entreaberta. Movi um pouco o batente, e um ar frio e tênue me trouxe um cheiro fresco de terra vegetal, de campo úmido. Ela falou outra vez, virei-me, mexendo ainda o batente montado em gonzos silenciosos, e lhe disse: "Creio que não há nenhum corredor aqui fora. Sinto o cheiro do campo". E ela,já um pouco longe, me disse: "Conheço isso mais do que você. O que acontece é que lá fora há uma mulher sonhando com o campo". Cruzou os braços sobre a chama. Continuou falando: "É essa mulher que sempre desejou ter uma casa no campo e nunca pôde sair da cidade". Eu lembrava ter visto a mulher num outro sonho anterior, mas sabia, já com a porta entreaberta, que dentro de meia hora tinha que descer para o café da manhã. E lhe disse: "De todas maneiras, tenho que sair daqui para acordar".
Lá fora o vento bateu um instante, ficou quieto depois, e ouviu-se a respiração de alguém adormecido que acabava de virar-se na cama. O vento do campo suspendeu-se. Já não houve mais odores. "Amanhã vou reconhecer você por isso", disse. "Vou reconhecê-la quando vir na rua uma mulher que escreva nas paredes: 'Olhos de cão azul'". E ela, com um sorriso triste — que já era um sorriso de entrega ao impossível, ao inatingível —, disse: "Não obstante, você não lembrará nada durante o dia". E voltou a pôr as mãos sobre o abajur, com a expressão obscurecida por uma névoa amarga: "Você é o único homem que, ao acordar, não se lembra nada do que sonhou".
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SOBRE O AUTOR:
Gabriel José Garcia Márquez, a quem os amigos chamam de Gabo, nasceu às 9 horas da manhã do dia 6 de março de 1928 na aldeia de Aracataca na Colômbia, não muito distante de Barranquilla. Seu pai, homem de onze filhos, tinha uma pequena farmácia homeopática, e seu avô materno era um veterano da Guerra dos Mil Dias, cujas histórias encantavam o menino. Costumavam levar o neto ao circo; às vezes se detinha na rua, como se sentisse uma pontada, e com um sussurro, inclinando-se para ele, dizia: "Ay, no sabes cuánto pesa um muerto!" - referindo-se a um homem que matara. Gabo tinha 8 anos quando esse avô morreu: "desde então não me aconteceu nada de interessante."
A família deixou então Aracataca (a macondo de seus livros) devido à crise da plantação bananeira, e Gabriel estudou em Barranquilla e no Liceu Nacional de Zipaquirá. Iniciou o curso de Direito em Bogotá entre 1947 e 1948, e nessa época publicou seu primeiro conto. Trabalhou como jornalista em Cartagena, Barranquilla e depois em El Espectador de Bogotá, onde fez grandes reportagens e críticas de cinema. Em 1955 ganhou um concurso nacional de contos e foi enviado especial do jornal à Conferência dos Quatro Grandes, em Genebra; estudou no Centro Experimental de Cinema de Roma e fez uma viagem de três meses aos paises socialistas, radicando-se depois em Paris. Em 1956 voltou à Colômbia para casar-se com Mercedes Barcha: tem dois filhos: Rodrigo e Gonzalo. Mais tarde trabalhou como jornalista em Caracas e em 1960 foi para New York como representante da Prensa Latina, agência cubana, nas Nações Unidas, indo em seguida para o México, onde viveu seis anos escrevendo roteiros para cinema.
Como influências que considera importante, Garcia Márquez indica as seguintes: Virgínia Woolf, Faulkner, Kafka e Hemingway, do ponto de vista técnico. Do ponto de vista literário, As Mil e Uma Noites, que foi o primeiro livro que leu aos 7 anos, Sófocles e seus avós maternos.
(Biografia extraída do romance Cem anos de Solidão, da Editora Sabiá.)
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Gabaritos UFSC 2010
A UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) divulgou, na noite desta segunda-feira (21), as provas e os gabaritos do vestibular 2010.
Confira as provas e gabaritos do vestibular da UFSC
Cálculo online do escore
A divulgação da lista dos aprovados deverá acontecer nos dias 24 e 25 de fevereiro de 2010.
domingo, 20 de dezembro de 2009
Coletânea traz contos que influenciaram a obra de Jorge Luis Borges
"Contos Fantásticos no Labirinto de Borges" parte de uma premissa diferente para analisar a obra do famoso escritor argentino. Ao invés de ver o que ele escreveu, estudar aquilo que ele leu.
Coletânea apresenta livros que marcaram a obra de Borges
Isso é especialmente pertinente se tratando desse autor em particular, que além de escritor é praticamente um gênero literário à parte. Apesar de aproximações, seus trabalhos não se enquadram em ficção científica, fantasia, absurdo, realismo fantástico ou no que for. Contos do Borges são contos do Borges.
Cada um dos 18 contos dessa obra, tanto de nomes conhecidos como H. G. Wells, Poe e Ray Bradbury como autores já mais obscuros atualmente, traz antes de si uma breve biografia do autor e o contexto no qual ele se intersecta com a obra borgiana. Ao final, temos um postfácio assinado pelo organizador, o jornalista Braulio Tavares. Esses prefácios também trazem trechos com considerações que o próprio Borges deixou em seus diversos ensaios e cartas sobre os contos da coletânea.
Entre os contos contemplados estão "O Abacaxi de Ferro", de Eden Phillpotts que lida da obsessão inexplicável de um homem com um, bem, abacaxi feito de ferro. "O Ovo de Cristal" de H. G. Wells, que traz a mesma ideia do universo em um único ponto contida no "Aleph". Além de "Um Artista da Fome", de Kafka, sobre um artista circense cuja apresentação consiste em ficar em uma jaula passando fome por dias a fim, aos olhos curiosos dos espectadores, que na verdade se interessam mais em ver os animais. Há uma grande incidência de contos policiais na coletânea, reflexo do apreço de Borges pela racionalidade e pensamento lógico em sua literatura (paradoxos, questões matemáticas, etc).
No postfácio, Tavares consolida diversos temas recorrentes em Borges. Cenários como a manipulação do tempo para que a intensidade de vidas se passe em um instante, artefatos alienígenas que escorregam entre as rachaduras da realidade até chegar ao nosso mundo, livros não-escritos, simulacros, obsessão por objetos quaisquer, mundos apócrifos, labirintos e outros assuntos são analisados de forma clara e profunda. O livro também traz ilustrações de Romero Cavalcanti que capturam de forma bela o universo borginano. Trata-se de uma forma criativa e única de analisar esse que é um dos mais fascinantes autores do século 20.
*Fonte: BOL
Primeiro dia do vestibular da UFSC tem 14,58% de abstenção
Cerca de 5.147 candidatos não fizeram as provas
O primeiro de provas do vestibular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) teve 14,58% de abstenção. O número, segundo a Comissão Permanente de Vestibular (Coperve), corresponde a 5.147 candidatos.
Neste sábado ensolarado, os candidatos enfrentaram uma maratona de provas: língua portuguesa e literatura brasileira, língua estrangeira, matemática e biologia.
No domingo, os inscritos farão as provas de história, geografia, física e química. Já na segunda-feira, último dia do vestibular, serão aplicadas a redação e as questões discursivas.
Locais de prova
As provas do vestibular da UFSC são feitas em 13 cidades de Santa Catarina: Florianópolis, Araranguá, Blumenau, Camboriú, Canoinhas, Chapecó, Criciúma, Curitibanos, Itajaí, Joaçaba, Joinville, Lages e Tubarão.
Os candidatos disputam 6.021 vagas em 82 cursos e habilitações para os campi em Florianópolis, Joinville, Curitibanos e Araranguá.
Gabarito
Para quem quiser conferir o desempenho no vestibular, a UFSC alerta que os gabaritos só estarão disponíveis na terça-feira, dia 22, a partir das 9h, no site do vestibular 2010.
*Fonte: Diário Catarinense
sábado, 19 de dezembro de 2009
UFSC inicia aplicação de provas neste sábado
As provas do vestibular 2010 da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) serão realizadas sábado (19), domingo (20) e segunda-feira (21), das 14h às 18h. Estão inscritos no concurso 32.554 vestibulandos, que concorrem a 6.021 vagas em 82 cursos e habilitações, para os campi de Florianópolis, Joinville, Curitibanos e Araranguá.
A organização do processo seletivo recomenda que os candidatos cheguem com pelo menos meia hora de antecedência aos locais de prova, os portões serão fechados às 13h45. Será necessária a apresentação do documento de identidade original, e a confirmação de inscrição com uma foto 5x7 datada do ano de 2009.
O cartão de confirmação de inscrição pode ser consultado no site da UFSC.
Neste sábado (19) serão realizadas as provas de língua portuguesa e literatura brasileira (12 questões); língua estrangeira (oito questões); matemática e biologia (10 questões de cada). No domingo (20) os candidatos respondem as questões de história; geografia; física e química, serão 10 perguntas de cada disciplina. Na segunda-feira (21) serão aplicadas as provas de redação e seis questões discursivas.
A publicação dos gabaritos está prevista para o dia 22 de dezembro, a partir das 9h. A divulgação da lista dos aprovados deverá acontecer nos dias 24 e 25 de fevereiro de 2010.
* do UOL vestibular
De fato e ficção (por Daniel Piza)
De fato e ficção
No mundo inteiro, inclusive no Brasil, hoje são lidos mais livros de não-ficção do que de ficção. Ou seja, há mais exemplares e títulos de biografias, ensaios, reportagens, história, autoajuda, didáticos, científicos e outros do que de romances e contos. Mesmo com sucessos como os da série Crepúsculo, histórias românticas de vampiros adolescentes escritas por Stephenie Meyer, o predomínio já não é da novelística. Houve um tempo, como se sabe, em que a narrativa ficcional ocupava o centro da cultura, era a espinha e medula da troca de valores e costumes. No século 19, por exemplo, o grande romance, que mesclava panorama histórico e análise psicológica, como em Tolstoi, Balzac ou George Eliot, dava a medida de uma civilização. Hoje, não mais. Curiosamente, tal mudança não se restringe ao mundo literário. É claro que há mais filmes de ficção, por exemplo, mas o número de documentários no cinema e na TV só tem aumentado (e influenciado até mesmo filmes não documentais). Nas salas brasileiras, um quarto dos filmes em cartaz pertence ao gênero.
O que explica isso? Num arco de tempo mais curto, pode-se pensar que há relação com um mundo cada vez mais globalizado, de notícias que correm na velocidade da luz (ou das trevas), e fatos como os atentados de 11 de setembro de 2001 provocam nas pessoas uma necessidade de entender melhor a realidade que as afeta de modos tão imprevisíveis. Indo um pouco mais atrás, pode-se atribuir a perda de importância da ficção à explosão de outros meios e linguagens, à concorrência de formatos audiovisuais, internet, novas tecnologias etc., que, além de consumir tempo e dividir atenção, têm uma eloquência mais direta; não exigem o grau de concentração que os clássicos exigem. E, num recuo ainda maior, até a virada para o século XX, a ficção tem enfrentado também a ascensão de uma série de disciplinas antes vagas, sem método nem consistência, e que hoje usam e abusam de ferramentas como a estatística – a exemplo da sociologia, da psicologia e da economia.
Eu arrisco outra hipótese adicional, que tem a ver com os rumos tomados pela própria ficção. Talvez porque pressionados por essa multiplicação das fontes de conhecimento e entretenimento, os romances abandonaram parcialmente aquilo que mais os distinguia até a geração modernista de Proust, Mann, Joyce e Kafka: a força dos personagens. Pense em qualquer grande obra literária e pensará num(a) protagonista, não raro citado(a) já no título: Hamlet, Anna Karenina, Bovary, Fausto, Dom Quixote, Pai Goriot, Dom Casmurro... Mas depois dos anos 30 parece que a ficção optou pela metalinguagem, pelo chororô do autor, ou então pelas crônicas policiais ou fantásticas que são lidas para diversão no verão, quando queremos escapar da chatice da rotina. E ainda não querem perder a “briga” para as biografias de figuras históricas e complexas? Mesmo assim, confesso minha nostalgia pelos grandes romances, com seus personagens fortes e suas ambições estéticas. Romances medianos podem facilmente ser substituídos por histórias reais. Obras-primas, não.
*Texto publicado em 17.12.09, no Estadão
Verissimo: erudição, mistério, humor em 'Os espiões' (por Marcelo Moutinho)
Os espiões, de Luis Fernando Verissimo. Alfaguara, 142 páginas. R$ 31,90
*Marcelo Moutinho, escritor e jornalista, no blog Prosa Online (O Globo)
A leitura de “Os espiões” mostra que, ao escrever o primeiro romance sem encomenda, Luis Fernando Verissimo manteve-se fiel a seu estilo e suas obsessões. A exemplo do que acontecia em incursões anteriores pela narrativa longa — como “O jardim do Diabo” e “Borges e os orangotangos eternos” — , na nova obra o autor parte de uma paródia sobre o gênero policial para tratar, com refinado humor, de questões afeitas ao universo da literatura.
Se em “O jardim do Diabo” o protagonista é um escritor de livros baratos, e em “Borges e os orangotangos eternos” o personagem principal trabalha como tradutor, a trama de “Os espiões” gira em torno de um terceiro vértice da geometria literária. Quem narra a história é um editor misantropo, fã de John le Carré e completamente frustrado com sua profissão.
“Nas segundas-feiras estou sempre de ressaca, e os originais que chegam vão direto das minhas mãos trêmulas para o lixo. E nas segundas-feiras minhas cartas de rejeição são ferozes. Recomendo ao autor que não apenas nunca mais nos mande originais como nunca mais escreva uma linha, uma palavra, um recibo”, confessa ele, que faz de sua rotina na editora uma longa espera pelo fim de semana, quando poderá encontrar os colegas de copo no bar do Espanhol e purgar, com um porre, o próprio desalento. “No bar, nossas conversas começavam com a vírgula e depois se expandiam, abrangendo a condição humana e o Universo”, relata.
Esse ramerrão será interrompido quando recebe um envelope que traz as primeiras páginas de um livro que estaria sendo escrito por uma certa Ariadne. Ela promete contar, em sucessivas correspondências, a aventura envolvendo crime e paixão que viveu numa pequena cidade do interior, e sugere um futuro suicídio. A alusão à mitologia grega se evidencia já no nome da personagem, mas Veríssimo inverte o jogo: se, no mito, Ariadne ajuda Teseu a sair do labirinto, em “Os espiões” ela serve de elemento de atração, arrasta todos para dentro dele.
“A literatura de Ariadne era um apelo a Dionísio, qualquer Dionísio, inclusive um de meia-idade com cirrose incipiente, para salvá-lo do seu passado ou mudar o seu destino”, observa o narrador. Inebriado pelas palavras da mulher, ele firmará com seus parceiros de bar uma espécie de “Exército de Brancaleone” para levar à frente o que chamam de Operação Teseu. O objetivo: resgatar a bela e triste Ariadne das mãos de seus malfeitores.
Os soldados desse exército são tipos excêntricos como o professor Fortuna, sujeito que passa os dias a exaltar a própria erudição e diz estar escrevendo “uma resposta à ‘Crítica da razão pura’”, com o título provisório de “Anti Kant”. Para Fortuna, a literatura terminou com Sófocles — “Tudo que veio depois é post scriptum” — e o único mérito de Proust “foi ter dado uma reputação literária à asma”. Entre os parceiros de empreitada, estão também Fulvio Edmar, autor de “Astrologia e amor”, o único best-seller da editora, e o revisor Joel Dubin, um oficialista da língua que se notabiliza pelo rigor na colocação das vírgulas e costuma se apresentar como “poeta menor”.
À medida que o enredo se desenrola, Frondosa, a cidade de Ariadne, transforma-se no centro dos acontecimentos e surgem novos personagens, tão hilários quanto os do princípio do livro. É o caso de Diamantino Reis, chamado de “Uruguaio” mesmo sem ter nascido no país, porque ficou rico ao apostar contra a Seleção Brasileira na final da Copa do Mundo de 1950. Diamantino virou um pária no lugar, onde convive com um padre surdo em cuja igreja as confissões são feitas aos berros, e um editor de jornal que, saudoso do stalinismo, faz experiências no intento de obter uma flor de “vermelho perfeito”, à qual pretende chamar de Rosa Luxemburgo.
Com ironia, Verissimo vale-se desses tipos para fazer argutas observações sobre as imposturas intelectuais, o provincianismo e a ambição que cada vez mais pessoas têm de se tornarem escritoras. Quase sempre os comentários são sutis, mas em algumas passagens o narrador se permite uma referência mais explícita, como no momento em que repete uma das teses do professor Fortuna. “O professor diz que em vez de endeusar escritores deveríamos louvar os milhões que resistem e não escrevem, e cuja grande contribuição à literatura universal são as folhas que deixam em branco”.
As peripécias da trupe que tenta resgatar Ariadne terminarão de forma surpreendente, num desfecho que, aliás, reforça o ponto essencial desse que constitui um metarromance. Toda a Operação Teseu se assentava sobre a esperança, quase certeza, de que seria possível manipular o destino de outros indivíduos, como o próprio narrador em dado instante reitera: “Na ficção, você pode se meter na vida dos seus personagens o quanto quiser. Pode até matá-los, se desejar. Sem culpa, sem remorso e nunca por acidente. Ou então salvá-los”. Entretanto, aqueles que se queriam agentes ativos de um novo enredo soçobram diante do irremediável dos fatos; quem ambicionava “escrever” a história acaba “sendo escrito” por ela. Indício, talvez, de que a onipotência do escritor é limitada, frágil. É lâmina que não corta fora dos livros.
Patativa, uma homenagem
Patativa, uma homenagem
Por Carla Freitas
Cem anos após o nascimento de Patativa do Assaré, a Universidade Federal do Ceará, nas edições de obras indicadas para o vestibular, homenageia o escritor, lançando uma edição especial da obra ``Cordéis e outros poemas``.
De cunho regionalista, o livro traz textos nos quais há a presença de temáticas sociais bastante recorrentes no dia-a-dia. Autor, também, de ``Inspiração nordestina``, obra principiante desse cearense, nessa ele traz, de maneira concisa, a vida do nordestino, principalmente, além das denúncias que faz à sociedade atual.
Graças à musicalidade, que aprendeu desde a infância, e mesmo com pouca educação, seus textos possuem uma singelidade e um telurismo ricos, que caracterizam seus escritos. Obedece às regras de metrificação e de rimas próprias de cantigas, tornando, assim, sua produção propícia à oralidade.
A universidade cearense já mencionada, graças a sua proposta de estudo e à análise de obras literárias, vem valorizando a literatura regional e, consequentemente, os seus respectivos autores. Vale ressaltar, ainda, que os escritores dos atuais livros indicados são naturais do Ceará.
``Cordéis e outros poemas``, que já, há algum tempo, faz parte das obras utilizadas pela UFC, esse ano, além de servir como exigência aos vestibulandos, tornar-se-á peça fundamental para o reconhecimento desse mestre da cultura popular cearense.
*Carla Freitas - COLEGIO TIRADENTES, PRÉ-VESTIBULAR & MANHÃ
** Texto do Jornal O Povo
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
domingo, 13 de dezembro de 2009
Gabarito FURG 2010 - 1° Dia
1 B ........................31 A
2 E ........................32 A
3 A ........................33 C
4 A ........................34 B
5 C ........................35 B
6 D ........................36 C
7 E ........................37 E
8 B ........................38 D
9 C ........................39 E
10 A .......................40 A
11 C .......................41 E
12 C .......................42 D
13 E .......................43 D
14 D .......................44 C
15 B .......................45 B
16 D .......................46 E
17 A .......................47 B
18 E .......................48 E
19 E .......................49 E
20 A .......................50 A
21 C .......................51 C
22 B .......................52 B
23 B .......................53 D
24 C .......................54 A
25 B .......................55 D
26 D .......................56 B
27 A .......................57 C
28 D .......................58 A
29 E .......................59 A
30 D .......................60 E
Vestibular FURG
CONFIRA O GABARITO DO 1º DIA
Quase 11 mil iniciam vestibular da Furg neste domingo
Os 10.944 candidatos às vagas de graduação de 2010 da Universidade Federal de Rio Granfe (Furg) iniciam neste domingo o vestibular 2010, com as provas de Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Matemática e Química.
Segunda-feira é o segundo e último dia do processo seletivo, quando são aplicadas questões de Literatura Brasileira, Física, Biologia, História e Geografia.
São 15 questões objetivas de cada disciplina. Em ambos os dias, as provas começam às 8h e os candidatos têm até as 13h para finalizar as provas. É recomendada a chegada aos locais de prova às 7h30min.
Os gabaritos serão divulgados sempre nos dias das provas, entre as 14h e 15h.
O resultado do vestibular 2010 será divulgado até o dia 19 de janeiro de 2010. A Furg oferece 2361 vagas de 50 cursos e habilitações, distribuídos em 14 unidades de ensino. Mais informações estão disponíveis no site www.coperve.furg.br e através do telefone (53) 3233.6666.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Editora Peirópolis lança versão em quadrinhos de “O Corvo”, um dos poemas mais conhecidos do poeta norte-americano Edgar Allan Poe
O célebre poema O Corvo (The Raven), do escritor norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1849), ganha nova versão em HQ neste ano de 2009, em que se completam 200 anos de nascimento de seu autor. Nesta versão da coleção “Clássicos em quadrinhos”, da Editora Peirópolis, O Corvo renasce das mãos do quadrinista Luciano Irrthum, que expressa sua reverência pela obra imprimindo-lhe o lirismo, a força e a visceralidade de seu traço.
O interesse de Irrthum por Poe começou quando o quadrinista ganhou do avô um livro antigo do mestre do terror e do mistério. Ao abrir aquele exemplar ensebado encontrou, no meio das páginas amareladas, um recorte de jornal que narrava um fato curioso sobre o túmulo do escritor: todos os anos, uma garrafa de conhaque e três rosas são deixadas sobre sua lápide no dia de sua morte.
A notícia intrigou para sempre o jovem Irrthum. Depois de ler todos os contos de Poe, que inspirou a alma e a obra dos poetas mais elevados de todos os tempos, ele decidiu adaptar para os quadrinhos o poema mais conhecido do clássico escritor americano, O Corvo (The Raven).
Esta é a terceira versão do artista para essa adaptação. A primeira, Irrthum publicou em formato de fanzine. A segunda foi um exercício criativo, em que Irrthum transferiu o cenário do poema para uma favela carioca. Esta edição da Peirópolis, a primeira em que Irrthum pôde trabalhar com o poema na íntegra, esconde aqui e ali referências aos contos de Poe lidos pelo quadrinista, e é considerada por ele a versão definitiva.
A opção pela tradução para o português de Machado de Assis busca promover o encontro de Machado com um de seus escritores favoritos no ano do bicentenário de Poe, em que se comemora também o centenário de morte do brasileiro.
Edgar Allan Poe (1809-1849) é reconhecido mundialmente como um dos precursores da literatura de ficção científica e fantástica. Nasceu em Boston de pai e mãe atores, mas foi criado pela abastada família Allan depois do falecimento da mãe. Poe escreveu poemas, contos e novelas e influenciou autores como Baudelaire, Maupassant e Dostoiévski. Considerada uma obra prima, o poema O Corvo deu a Poe a fama que ele cultivava escrevendo e publicando prosa, e atravessou dois séculos inspirando a admiração de grandes nomes da literatura.
Luciano Irrthum nasceu em 3 de junho de 1972 em João Monlevade (MG), e vive em Belo Horizonte. Formado em design gráfico pela Fuma, é ilustrador, quadrinista e artista plástico. Publica seus quadrinhos e desenhos em revistas independentes, como Graffiti 76% Quadrinhos, Legenda e Front. Participou de várias exposições coletivas no Brasil e no exterior. É autor de A comadre do Zé, da Graffiti.
Editora Peirópolis: Criada em 1994, a Editora Peirópolis tem como missão contribuir para a construção de um mundo mais solidário, justo e harmônico, publicando literatura que ofereça novas perspectivas para a compreensão do ser humano e do seu papel no planeta. Suas linhas editoriais oferecem formas renovadas de trabalhar temas como ética, cidadania, pluralidade cultural, desenvolvimento social, ecologia e meio ambiente – por meio de uma visão transdisciplinar e integrada. Além disso, é pioneira em coleções dedicadas à literatura indígena, à mitologia africana e ao folclore brasileiro. A editora está afinada com os propósitos do terceiro setor, participando ativamente do crescente movimento de sua profissionalização. [ www.editorapeiropolis.com.br]
Lançamento do livro O Corvo em quadrinhos, de Luciano Irrthum, dia 05/12/09, das 11h às 13h30, no Café com Letras – www.cafecomletras.com.br | Rua Antônio de Albuquerque, 781 – Savassi – Belo Horizonte, Telefone: (31) 3225-9973.
O Corvo em quadrinhos, autor Edgar Allan Poe, com adaptação: Luciano Irrthum, 48 páginas | ISBN: 978-85–7596-168–1 | Capa: Brochura | Formato: 20,5 X 27 | Preço: R$ 35,00.
Camões e Pessoa vítimas de «confiscação patriótica»
Apesar de Fernando Pessoa ter procurado em Mensagem, publicado há 75 anos, ir além da História de Portugal, o seu poema épico acabou alvo de «confiscação patriótica», tal como a obra que ambicionava superar - Os Lusíadas, de Camões
Lusa / SOL
Para Eduardo Lourenço, ensaísta convidado para a sessão comemorativa do 75º aniversário da publicação de Mensagem, o poema épico de pessoa foi «tomado de imediato como uma espécie de bíblia no nacionalismo poético, apesar do seu misticismo obscuro», de tal forma que chegou a ser «um livro quase popular».
«Em parte devido a essa confiscação patriótica do poema, muitos dos que admiravam Pessoa como um mago que alterara a nossa paisagem lírica e a nossa visão do mundo prestaram pouca atenção» a Mensagem, afirmou o ensaísta, na sessão que decorreu num repleto auditório da Biblioteca Nacional, em Lisboa.
«É um livro de um outro futuro, 'Mensagem' teria que esperar uma leitura mais adequada ao seu mistério e à sua intrínseca estranheza, tanto no fundo como na forma, num outro tempo mais propício e aberto, igualmente mais complexo e estranho», acrescentou.
Apesar do desejo expresso de Pessoa para superar Camões, indo além da epopeia histórica para os territórios do misticismo, ambas as obras acabaram reféns do nacionalismo.
«Coitado do nosso Camões. Tão aproveitado foi e tão aproveitado será. É o poeta do nosso Império», resumiu Lourenço.
O poeta e ensaísta Vasco Graça Moura lembrou a forma depreciativa como Pessoa se referiu a Os Lusíadas: «uma reportagem transcendente que o assunto obrigou a tornar épica».
Mais do que uma «vontade de superar» o poema épico dos Descobrimentos, houve «despeito em relação a Camões», que é esquecido na galeria de figuras da História de Portugal evocadas em Mensagem.
Enquanto poema épico, criticou Graça Moura, é «totalmente insensível» à «afectividade», ao «lado lírico», bem como ao «papel da mulher», presente em todas as grandes epopeias desde a Odisseia.
Também para o poeta Manuel Alegre houve uma tentativa de «desvalorizar Camões», embora o autor de Os Lusíadas esteja «sempre presente».
«O grande pecado da 'Mensagem' é a ausência de Camões. Pessoa sempre teve uma questão, talvez uma questão com ele próprio», afirmou Alegre.
Já para Eduardo Lourenço, Camões está «presente na ausência» e a «comparação entre os dois poetas pode ser muito útil» no ensino literário, pois «permite aos professores reciclar a história».
O poema de Pessoa, único em língua portuguesa publicado ainda em vida, tinha como título inicial Gládio e o seu destinatário, em vez do Infante Santo, era «o próprio poeta», segundo Lourenço.
«Era o poeta investido no seu papel messiânico e escolhido por Deus para conduzir a Santa Guerra, a guerra de Deus contra o desmentido da realidade, o triunfo do sonho sobre a morte dos sonhos», afirmou o ensaísta.
«O Quinto Império não tem outra substância além desse desafio, loucura assumida de atravessar incólume a linha imaginária entre a vida que morre da vida sem fim», adiantou.
Na cerimónia, foi ainda lançada uma edição 'clonada' do dactiloscrito de Pessoa, que o editor Paulo Teixeira Pinto, da Guimarães, frisa ser mais do que um fac-simile.
«É uma verdadeira duplicação que pretendemos fazer, com o máximo cuidado, desde o tecido da capa do livro até à qualidade do papel (...). O [exemplar] autêntico é privilégio único da Biblioteca Nacional, mas é o mais possível próximo do original», descreveu.
No início, a ideia era fazer uma reedição aproximada, mas em contacto com o original na Biblioteca Nacional, e com «emoção nas mãos», Teixeira Pinto e a sua equipa decidiram «logo ali fazer exactamente igual».
«Pessoa dizia `não há factos, só interpretação de factos´. Nós não queremos interpretar nada, queremos só deixar este facto», afirmou o proprietário da Guimarães.
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
UFRGS disponibiliza consulta aos locais de prova do vestibular 2010
A consulta aos locais de prova do processo seletivo 2010 da UFRGS(Universidade Federal do Rio Grande do Sul) já está disponível no site da instituição.
Os 32.706 vestibulandos inscritos disputarão 4.961 vagas em 82 graduações. Os cursos de administração pública e social (noturno), biotecnologia , engenharia de energia, engenharia física, história da arte (noturno), políticas públicas (noturno) e serviço social (noturno) são oferecidos pela primeira vez.
Concorrência
O curso de medicina, com 34,51 c/v, é o mais concorrido do processo seletivo. Depois vêm direito diurno, com 18,04 c/v; fisioterapia, com 17,07 c/v; psicologia noturno, com 16,3 c/v; e direito noturno, com 15,41 c/v. Veja a lista de todos os cursos:
Concorrência do vestibular 2010 da UFRGS:
Clique aqui e veja a relação candidato/vaga
Provas UFRGS 2010
As provas do vestibular 2010 vão ser aplicadas entre os dias 10 e 13 de janeiro de 2010, nas cidades de Porto Alegre, Bento Gonçalves e Imbé/Tramandaí, com início às 8h30, e duração de total de quatro horas e meia. Siga o calendário de provas, cada uma com 25 questões objetivas (exceção feita à redação):
10 de janeiro de 2010: física, literatura e língua estrangeira;
11 de janeiro de 2010: português e redação;
12 de janeiro de 2010: biologia, química e geografia;
13 de janeiro de 2010: história e matemática
Clique aqui para baixar o manual do candidato (arquivo em .pdf)
Outras informações podem ser obtidas site da UFRGS.
Fonte: UOL