domingo, 1 de março de 2009

Análise do poema "Navio Negreiro - Tragédia no Mar", de Castro Alves

*MATERIAL EXTRAÍDO DE NOSSA ÁREA VIP - ASSINE JÁ!

Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871)

O Poeta dos Escravos é considerado a principal expressão condoreira da poesia brasileira. Sua obra rom-pe com a idealização amorosa e com o ufanismo e aponta para tendências realistas. Baiano, Castro Alves estudou Direito em Recife e em São Paulo. Partici-pou da campanha abolicionista e de escândalos amoro-sos. Foi muito aclamado e reconhecido, sendo elogiado inclusive pelos ácidos José de Alencar e Machado de Assis.

Na poesia lírica, com a obra Espumas flutuantes (1870), a única publicada em vida, abordou o amor de forma mais concreta do que seus antecessores. Em seus poemas, Castro Alves descreve cenas amorosas explorando o erotismo sem subterfúgios. Diferente-mente da poesia social, que veremos a seguir, o lirismo amoroso castroalvino traz uma linguagem simples e coloquial.

O "ADEUS" DE TERESA

A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala
E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa
E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!
E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"



A poesia social de Castro Alves trata da opressão do povo brasileiro, e tem como tema fundamental a escravidão. A linguagem utilizada pelo poeta para defender seus ideais é grandiosa, com gosto acentuado pelas hipérboles e por espaços amplos como o mar, o céu, e o infinito. A indignação ganha realce com o tom declamatório conferido por exclamações, inter-rogações, reticências e apóstrofes. É interessante observar que, embora a temática se aproxime do realis-mo, a ênfase emocional é inegavelmente romântica.

Obra para Análise:
‘O NAVIO NEGREIRO’


Publicado em 1868, antecedeu em vinte anos a Abo-lição da Escravatura no Brasil.
Quanto à estrutura, as seis partes que compõem es-te poema têm estruturas diferentes, afirmando a liber-dade formal romântica.

PARTE I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar... Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.


Esta primeira parte é formada por onze quartetos, com todos os versos decassílabos, sendo rimados ape-nas os pares.
O poeta evoca a beleza utilizando as imagens hiper-bólicas do mar, do céu e do infinito. No final pergunta-se por que aquele barco foge dele. Pede então ajuda ao albatroz para aproximar-se da embarcação.

PARTE II
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!

O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...


São quatro décimas com versos heptassílabos rima-dos em ABABCCDEED.
Aqui o poeta faz um elogio aos marinheiros e às suas façanhas.

PARTE III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!


Uma única estrofe de seis versos alexandrinos (do-decassílabos). Nas asas do albatroz, o poeta aproxima-se da embarcação e se espanta com o que vê. Neste momento há uma ruptura com a idealização e uma dolorosa tomada de consciência.

PARTE IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...


Seis estrofes de seis versos rimados em AABCCB. O terceiro e o sexto versos são hexassílabos e os demais são decassílabos.
Esta é a parte em que o poeta descreve os horro-res do navio negreiro. A escravidão não poupa mulheres nem crianças. Negros são açoitados ao som de uma “orquestra” de sons sinistros como gritos, gemidos, chicotes e ferros, que ilustram uma cena infernal.

PARTE V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .

São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...


Esta parte é composta por nove décimas (estrofes de dez versos), com versos heptassílabos, sendo o primeiro e o terceiro brancos (sem rima). Forma-se a seqüência ABCBDDEFFE.
A famosa apóstrofe que inicia e encerra esta parte constitui uma invocação, primeiramente a Deus, e em seguida para as próprias figuras titânicas da natureza (mar, astros, tempestades, tufão) para que se ponha um fim aos horrores da escravidão. O poeta contrasta o passado heróico e livre daqueles que eram escravizados com sua degradante condição atual.

PARTE VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!


Três estrofes em oitava rima (oito versos rimados em ABABABCC).
Indignado, o poeta denuncia que a bandeira brasilei-ra, que simbolizara a liberdade na Independência, servia agora de mortalha (roupa fúnebre) aos escravos. Ao final do poema, há um apelo aos heróis do novo mundo (Cristóvão Colombo e José Bonifácio de Andrada) para ponham fim àquela situação vergonhosa.


Intertextualidade:

CONFIRA O VÍDEO DA MÚSICA DE CAETANO VELOSO, COM IMAGENS DO FILME AMISTAD:


A herança da escravidão ainda se faz presente em nossa sociedade. Embora a opressão se manifeste de outras formas, ela ainda se manifesta contra boa parte da população negra, marginalizada durante séculos. Essa realidade é denunciada por movimentos culturais como o rap e o hip hop e também em músicas como a que selecionamos abaixo:

Todo Camburão Tem Um Pouco De Navio Negreiro

(O Rappa - Composição: Marcelo Yuka)

Tudo começou quando a gente conversava

Naquela esquina alí
De frente àquela praça
Veio os homens
E nos pararam
Documento por favor
Então a gente apresentou
Mas eles não paravam
Qual é negão? qual é negão?
O que que tá pegando?
Qual é negão? qual é negão?

É mole de ver
Que em qualquer dura
O tempo passa mais lento pro negão
Quem segurava com força a chibata
Agora usa farda
Engatilha a macaca
Escolhe sempre o primeiro
Negro pra passar na revista
Pra passar na revista

Todo camburão tem um pouco de navio negreiro
Todo camburão tem um pouco de navio negreiro

É mole de ver
Que para o negro
Mesmo a aids possui hierarquia
Na áfrica a doença corre solta
E a imprensa mundial
Dispensa poucas linhas
Comparado, comparado
Ao que faz com qualquer
Figurinha do cinema
Comparado, comparado
Ao que faz com qualquer
Figurinha do cinema
Ou das colunas sociais

Todo camburão tem um pouco de navio negreiro
Todo camburão tem um pouco de navio negreiro

15 comentários:

  1. Achei tudo muito interessante, o interesse pela literatura e tempos passados como da escravidão me encantão de glória e inferiorização !

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Mas pra ler essas coisas você precisa aprender um pouco de gramática, não é "encantão", é encanTAM.
      kkkkkkkkkkkkkkkk

      Excluir
  2. esse tipo de musica é muito interressente ...faz a gente compreender as resquicios que a escravidão deixou em nosso país !

    ResponderExcluir
  3. Ótima a sua proposta detrabalho com a poesia de Castro Alves, pegando a música de Caetano e a música do rappa. Parabéns.

    ResponderExcluir
  4. Ótima a sua proposta de trabalho com o poema de castro Alves: trabalhar com as músicas de caetano e do Rappa. Parabéns.

    ResponderExcluir
  5. tudo isso é muito bom..faz as pessoas pensarem um poco bom mesmo seria se nao existisse mais preconceito entre brancos e negros!!

    ResponderExcluir
  6. amei tudo como um todo, desde os comentarios até as musicas escolhidas aqui, foi-me bastante util para realização de um projeto com base nos poemas de Castro Alves,
    atenciosamente, Ingrid Suzarte

    ResponderExcluir
  7. ei eu queria saber quais as três primeiras estrofes?

    ResponderExcluir
  8. Foi maravilhosa sua proposta de trabalho , desda análise do poema de Castro Alves , que contém a explicação de cada parte , com a utilização da música de Caetano Veloso e o Rappa .Parabéns.

    ResponderExcluir
  9. Muito bom mesmo o material.
    Obrigado por compartilhar conosco tanto conhecimento.
    Grande abraço, Jota Alves.

    ResponderExcluir
  10. o conteudo é muito boom.
    várias informações.

    ResponderExcluir
  11. Achei tudo o que queria para um trabalho vlw!!!!!!!

    ResponderExcluir
  12. Parabéns pela qualidade de seu trabalho, e esta música,fala realmente da escravidão que se arrasta até os dias de hoje,e que devevos combatê-la, mas não da boca pra fora e sim com atitudes.

    ResponderExcluir
  13. Excelente! Bem elaborado. Parabéns pelo trabalho e obrigada pelo apoio.

    ResponderExcluir