sexta-feira, 29 de maio de 2009

Literatura africana mostra laço com o Brasil

O Prêmio Nobel da Literatura foi entregue pela primeira vez a um africano em 1986. O contemplado foi Wole Soyinka, reconhecido por abordar os conflitos entre os valores tradicionais africanos e a influência ocidental no continente. Em 2003, foi a vez do escritor sul-africano John Maxwell Coetzee, 63, receber da Academia Sueca o Prêmio Nobel de Literatura. Ambos estudaram em escolas britânicas e escrevem em inglês.

Mas, a literatura do continente negro não se resume aos romances feitos na língua inglesa. Há também uma literatura africana em língua portuguesa, que mesmo sem ganhar a mesma atenção do mundo, começa a se firmar. "No caso de Angola, por exemplo, vê-se que há uma preocupação com a literatura desde o século 19; mas o movimento literário ganha mesmo força a partir da década de 40 do século 20", comenta Tânia Macedo, doutora pela USP e professora de literatura africana na Unesp. "Isso ocorre por conta dos processos históricos por que passam os países africanos. E a literatura fica mais evidente quando surgem autores que começam a pensar em um projeto para seu país". Além de Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe também possuem o português como língua oficial (veja o quadro abaixo).

Tânia explica que o colonialismo promovido pelos portugueses na África do século XX - tardio em relação ao Brasil - fez com que a literatura africana se desenvolvesse em um ritmo único. "Podemos dizer que a literatura africana apresenta tempos históricos diferentes e, por isso, tem uma periodização distinta com relação às literaturas portuguesa e brasileira", comenta.

A pesquisadora lembra que, apesar de trajetos distintos, há pontos em comum entre literaturas africana e brasileira. "Da mesma forma que o Brasil se espelhou nos modelos franceses do século 19 para consolidar sua literatura, época do romantismo, percebemos que a África volta os olhares para o Brasil para negar um modelo português de literatura", explica Tânia. Para ela, a literatura brasileira pode ser considerada um "paradigma" da literatura africana. "A literatura modernista de 22 e a geração da década de 30 estão muito próximas da África. É visível a presença de Manuel Bandeira na poesia de autores de Cabo Verde, por exemplo. Seu poema Pasárgada criou dois partidos literários nesse país: um pró Pasárguada e um contra Pasárguada", destaca.

Para Rita Chaves, professora de literatura africana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, a produção africana se caracteriza por enfatizar questões extra-literárias. "Temos autores contemporâneos como o angolano Pepetela que busca usar a literatura para preencher uma lacuna deixada por historiadores. E ainda o moçambicano Mia Couto, autor que trabalha na fronteira entre a tradição do interior de seu país e a modernidade que chega para desagregar essa ordem tradicional", aponta Rita.

Rita lembra que a USP foi a primeira universidade brasileira a abrir espaço para as literaturas africanas de uma forma sistematizada. "Isso ocorreu em plena ditadura militar, no final dos anos 70, com a criação de um curso sobre o neorealismo português e sobre literatura africana, uma iniciativa corajosa da professora Maria Aparecida Santilli apoiada pelos professores Fernão Mourão e Antônio Cândido", conta.



*USP Online

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