terça-feira, 22 de setembro de 2009

Escritores e intelectuais divulgam manifesto em apoio ao MST


Entre os que apoiam o movimento estão Antônio Cândido, Eduardo Galeano e Fábio Konder Comparato

Fonte: estadao.com.br

Um grupo de escritores, atores, políticos e associações divulgaram nesta terça-feira, 22, um manifesto em apoio ao Movimento dos Sem Terra (MST). A manifestação é uma resposta à iniciativa de investigar o MST, que será assunto de uma CPI mista no Congresso, protocolada na semana passada.


O "Manifesto em defesa da Democracia e do MST" acusa a bancada ruralista no Congresso de atacar o processo democrático, por meio da CPI aberta a pedido da senadora Kátia Abreu (DEM-TO) e dos deputados Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), com consequências para toda a sociedade.



O texto foi elaborado por Plínio de Arruda Sampaio, Osvaldo Russo, Hamilton Pereira, Alípio Freire e Heloisa Fernandes. Entre os que assinaram o manifesto, estão o crítico literário Antônio Cândido, o filósofo Leandro Konder, o escritor uruguaio Eduardo Galeano, o jornalista e escritor Fernando Morais, bispo Dom Pedro Casaldáliga, e os escritores Frei Beto e Leonardo Boff.



Segundo o manifesto, a "ofensiva" que "se arma" contra o MST não conta apenas com os latifundiários e seus representantes no congresso. "Os monopólios da comunicação e os lobbies em todas as esferas do Poder" tentam "criminalizar" o Movimento dos Sem Terra, que, segundo o texto, "se mantém como uma bandeira acesa, inquietando a consciência democrática do País".



O MST divulgou uma nota agradecendo o apoio recebido. O Movimento declarou ter "orgulho" de ter tais apoiadores e ressalta que estes são "lutadores e lutadoras incansáveis e valorosos pela Reforma Agrária".



Leia abaixo a íntegra do manifesto:



Manifesto em defesa da Democracia e do MST




"...Legitimam-se não pela propriedade, mas pelo trabalho,

nesse mundo em que o trabalho está em extinção.

Legitimam-se porque fazem História,

num mundo que já proclamou o fim da História.

Esses homens e mulheres são um contra-senso

porque restituem à vida um sentido que se perdeu..."

("Notícias dos sobreviventes", Eldorado dos Carajás, 1996).




A reconstrução da democracia no Brasil tem exigido, há trinta anos, enormes sacrifícios dos trabalhadores. Desde a reconstrução de suas organizações, destruídas por duas décadas de repressão da ditadura militar, até a invenção de novas formas de movimentos e de lutas capazes de responder ao desafio de enfrentar uma das sociedades mais desiguais do mundo. Isto tem implicado, também, apresentar aos herdeiros da cultura escravocrata de cinco séculos, os trabalhadores da cidade e do campo como cidadãos e como participantes legítimos não apenas da produção da riqueza do País (como ocorreu desde sempre), mas igualmente como beneficiários da partilha da riqueza produzida.




O ódio das oligarquias rurais e urbanas não perde de vista um único dia, um desses novos instrumentos de organização e luta criados pelos trabalhadores brasileiros a partir de 1984: o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra - MST. E esse Movimento paga diariamente com suor e sangue - como ocorreu há pouco no Rio Grande do Sul, por sua ousadia de questionar um dos pilares da desigualdade social no Brasil: o monopólio da terra. O gesto de levantar sua bandeira numa ocupação traduz-se numa frase simples de entender e, por isso, intolerável aos ouvidos dos senhores da terra e do agronegócio. Um País, onde 1% da população tem a propriedade de 46% do território, defendida por cercas, agentes do Estado e matadores de aluguel, não podemos considerar uma República. Menos ainda, uma democracia.




A Constituição de 1988 determina que os latifúndios improdutivos e terras usadas para a plantação de matérias primas para a produção de drogas, devem ser destinados à Reforma Agrária. Mas, desde a assinatura da nova Carta, os sucessivos Governos têm negligenciado o seu cumprimento. À ousadia dos trabalhadores rurais de garantir esses direitos conquistados na Constituição, pressionando as autoridades através de ocupações pacíficas, soma-se outra ousadia, igualmente intolerável para os senhores do grande capital do campo e das cidades: a disputa legítima e legal do Orçamento Público.




Em quarenta anos, desde a criação do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), cerca de um milhão de famílias rurais foram assentadas - mais da metade de 2003 pra cá. Para viabilizar a atividade econômica dessas famílias, para integrá-las ao processo produtivo de alimentos e divisas no novo ciclo de desenvolvimento, é necessário travar a disputa diária pelos investimentos públicos. Daí resulta o ódio dos ruralistas e outros setores do grande capital, habituados desde sempre ao acesso exclusivo aos créditos, subsídios e ao perdão periódico de suas dívidas.




O compromisso do Governo de rever os critérios de produtividade para a agricultura brasileira, responde a uma bandeira de quatro décadas de lutas dos movimentos dos trabalhadores do campo. Ao exigir a atualização desses índices, os trabalhadores do campo estão apenas exigindo o cumprimento da Constituição Federal, e que os avanços científicos e tecnológicos ocorridos nas últimas quatro décadas, sejam incorporados aos métodos de medir a produtividade agrícola do nosso País.




É contra essa bandeira que a bancada ruralista do Congresso Nacional reage, e ataca o MST. Como represália, buscam, mais uma vez, articular a formação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) contra o MST. Seria a terceira em cinco anos. Se a agricultura brasileira é tão moderna e produtiva - como alardeia o agronegócio, por que temem tanto a atualização desses índices?




E, por que não é criada uma única CPI para analisar os recursos públicos destinados às organizações da classe patronal rural? Uma CPI que desse conta, por exemplo, de responder a algumas perguntas, tão simples como: O que ocorreu ao longo desses quarenta anos no campo brasileiro em termos de ganho de produtividade? Quanto a sociedade brasileira investiu para que uma verdadeira revolução - do ponto de vista de incorporação de novas tecnologias - tornasse a agricultura brasileira capaz de alimentar nosso povo e se afirmar como uma das maiores exportadoras de alimentos? Quantos perdões da dívida agrícola foram oferecidos pelos cofres públicos aos grandes proprietários de terra, nesse período?




O ataque ao MST extrapola a luta pela Reforma Agrária. É um ataque contra os avanços democráticos conquistados na Constituição de 1988 - como o que estabelece a função social da propriedade agrícola - e contra os direitos imprescindíveis para a reconstrução democrática do nosso País. É, portanto, contra essa reconstrução democrática que se levantam as lideranças do agronegócio e seus aliados no campo e nas cidades. E isso é grave. E isso é uma ameaça não apenas contra os movimentos dos trabalhadores rurais e urbanos, como para toda a sociedade. É a própria reconstrução democrática do Brasil, que custou os esforços e mesmo a vida de muitos brasileiros, que está sendo posta em xeque. É a própria reconstrução democrática do Brasil, que está sendo violentada.




É por essa razão que se arma, hoje, uma nova ofensiva dos setores mais conservadores da sociedade contra o Movimento dos Sem Terra - seja no Congresso Nacional, seja nos monopólios de comunicação, seja nos lobbies de pressão em todas as esferas de Poder. Trata-se, assim, ainda uma vez, de criminalizar um movimento que se mantém como uma bandeira acesa, inquietando a consciência democrática do país: a nossa democracia só será digna desse nome, quando incorporar todos os brasileiros e lhes conferir, como cidadãos e cidadãs, o direito a participar da partilha da riqueza que produzem ao longo de suas vidas, com suas mãos, o seu talento, o seu amor pela pátria de todos nós.




Contra a criminalização do MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA!



Pelo cumprimento das normas constitucionais que definem as terras destinadas à Reforma Agrária!



Pela adoção imediata dos novos critérios de produtividade para fins de Reforma Agrária!




São Paulo, 21 de setembro de 2009




Plínio de Arruda Sampaio, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária, ex-Deputado Federal Constituinte pelo PT-SP (1985-1991) e ex-consultor da FAO

Osvaldo Russo, estatístico, ex-presidente do INCRA (1993-1994), diretor da ABRA e coordenador do núcleo agrário nacional do PT

Hamilton Pereira, o Pedro Tierra, 61, é poeta e membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo

Antônio Cândido, crítico literário, USP

Leandro Konder, filósofo, PUC-RJ

István Mészáros, Hungria, filósofo

Eduardo Galeano, Uruguai, escritor

Alípio Freire, escritor

Fábio Konder Comparato, jurista, USP e Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra

Fernando Morais, jornalista e escritor

Dr. Jacques Alfonsin, jurista, Porto Alegre

Altamiro Borges, PCdoB

Nilo Batista, jurista

Alberto Broch, Presidente da CONTAG

Artur Henrique, Presidente da CUT

Augusto Chagas, Presidente da UNE

Bartira Lima da Costa, Presidente da CONAM

Ivan Pinheiro, secretario geral do PCB

Ivan Valente, Deputador Federal PSOL/SP

José Antonio Moroni, diretor da ABONG e do INESC

José Maria de Almeida, CONLUTAS, presidente do PSTU

Nalu Faria, coordenadora geral da Sempreviva Organização Feminista - SOF e integrante da executiva nacional da Marcha Mundial das Mulheres.

Paulo Pereira da Silva, Deputado Federal PDT-SP e presidente da Força Sindical

Renato Rabelo, presidente do PcdoB

Renato Simões, Secretário de Movimentos Populares do PT

Roberto Amaral, ex-Ministro da Ciência e Tecnologia, Secretário Geral do PSB

Sérgio Miranda, PDT-MG

Valter Pomar, Secretário de Relações Internacionais do PT

Wagner Gomes, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil - CTB

Dom Ladislau Biernaski, Presidente da CPT

Dom Pedro Casaldáliga, Bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia - MT

Dom Tomás Balduino, conselheiro permanente da CPT

Frei Betto, escritor

Leonardo Boff, escritor

Reverendo Carlos Alberto Tomé da Silva, TSSF, Anglicano, Capelão Militar

Miguel Urbano, Portugal, jornalista

Anita Leocádia Prestes, historiadora, UFRJ

Beth Carvalho, sambista

Adriana Pacheco, Venezuela, ViveTV

Adelaide Gonçalves, historiadora, UFCE

Ana Esther Ceceña, UNAN

Antonio Moraes, Federação Única dos Petroleiros - FUP

Associação Brasileira de ONG's - ABONG

Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF)

Chico Diaz, ator

Cândido Grzybowski - IBASE

Comitè italiano de apoio ao Movimento Sem Terra (Amigos MST-Italia)

Antônio Carlos Spis, CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais)

Dora Martins, juíza de direito, e presidenta da Associação de Juízes pela Democracia

Emir Sader, sociólogo, LPP/UERJ

Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)

Hamilton de Souza, jornalista, PUC-SP

Heloísa Fernandes, socióloga, USP e ENFF

Jose Arbex, jornalista, PUC-SP

Maria Rita Kehl, psicanalista, São Paulo

Osmar Prado, ator

Paulo Arantes, filósofo, USP e ENFF

Vandana Shiva, Índia, cientista

Virginia Fontes, historiadora, UFF/Fiocruz

Vito Gianotti, jornalista e historiador, Núcleo Piratininga de Comunicação - Rio de janeiro

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