quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Há 40 anos morria Jack Kerouac, ícone da geração beat e da contracultura


Existem artistas que parecem ser a representação viva das angústias, ideias e sonhos de sua era. E em poucos casos isso é tão verdadeiro quanto com Jack Kerouac, o escritor que definiu a geração beat --o fenômeno cultural que foi o embrião do movimento hippie--, e trouxe as primeiras amostras do que seria a contracultura. O autor faleceu aos 47 anos, em 21 de outubro de 1969, na Flórida, devido a uma hemorragia interna causada por cirrose, resultado do abuso de bebidas alcoólicas durante boa parte de sua vida.

As obras de Kerouac foram fortemente influenciadas pelo jazz e mais adiante pelo budismo. Elas inovaram pela franqueza com a qual lidavam com personagens marginais, desmistificando o sonho norte-americano. O escritor escancarou para um meio literário, ainda careta, um universo de mendigos, artistas, vagabundos, prostitutas, drogados, hippies, alcoólatras e andarilhos. Em sua imensa maioria, seus livros são fortemente autobiográficos e abriram caminho para outros autores polêmicos, como Hunter S. Thompson e Charles Bukowski, além de músicos como Bob Dylan e Jim Morrison.

Kerouac também se tornou conhecido por seu método de redigir, que permitia um fluxo contínuo de ideias em suas jornadas escrevendo às vezes mais de oito horas ininterruptas por dia. O autor chegava ao extremo de usar uma grande série papel colado com fita para não ter de trocar de folha da máquina de escrever, mantendo o fluxo de pensamento.

Surpreendentemente, o autor era tímido, contemplativo e conservador, fortemente influenciado pelo catolicismo dos pais no final da vida. Mais uma prova do caráter contraditório de Kerouac, que fugia de qualquer definição simplista e se dividia entre o conservadorismo e a psicodelia da década de 1960.

A Livraria da Folha selecionou alguns dos principais livros deste que foi um dos escritores que mais profundamente investigou suas angústias pessoais. Um dos grandes marcos da revolução cultural do século 20.

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"On the Road: O Manuscrito Original"

Grande clássico de Kerouac que o lançou à fama, "On the Road: O Manuscrito Original" é o relato autobiográfico das peregrinações do escritor pelo interior dos Estados Unidos na década de 1950. Kerouac matinha diversas anotações em suas viagens, mas escreveu o livro em apenas três semanas de trabalho frenético em 1951, datilografando a obra inteira em um único parágrafo, com entrelinha simples, em folhas de papel vegetal mais tarde coladas umas às outras, formando um rolo de quase 37 metros de comprimento. Após seis anos e diversas revisões, o livro foi lançado e se tornou um dos mais celebrados e provocativos documentos da história literária contemporânea.

Nesta edição, é apresentada aos leitores brasileiros a versão original, sem revisões, mais crua e sexualmente explícita e com os nomes reais de Kerouac e seus colegas de viagem. "On the Road: O Manuscrito Original" também traz ensaios críticos de estudiosos da obra do autor abordando o universo do livro, a biografia do escritor e a trajetória até a publicação.

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"Geração Beat"


Diálogos entre amigos que revelam o tom de desilusão de uma era
Esta peça escrita por Kerouac em 1957, ano do lançamento de "On the Road", traz um grupo de amigos e amigas --entre operários e desocupados--, que partilham uma garrafa de vinho e tecem diálogos que deixam transparecer o cotidiano das pessoas que vivem e morrem em uma busca vã pelo sonho norte-americano, à margem da cultura e da sociedade do seu tempo.

As falas de "Geração Beat" possuem um ritmo característico que mostra a influência do jazz. Entre uma discussão existencialista e uma corrida de cavalos, uma iluminação mística e uma bebedeira, surge na peça um microcosmo da contracultura.

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"Vagabundos Iluminados"


Após o sucesso explosivo e inesperado de "On the Road", Kerouac se aproximou do budismo e o resultado disso foi "Vagabundos Iluminados" ("Dharma Bums"). O livro conta a história do aspirante a escritor Ray Smith, alter ego de Kerouac, em um jornada em busca de verdade e iluminação ao lado de um jovem zen-budista adepto do montanhismo que vive com um mínimo de dinheiro, alheio à sociedade de consumo norte-americana.

Em meio a festas, bebedeiras, garotas, jam sessions, saraus poéticos, orgias zen-budistas e viagens, "Vagabundos Iluminados" traz o estilo turbinado, superadjetivado e livre de Kerouac e exala doses nunca vistas de humor, sabedoria e contagiante gosto pela vida. O livro mostra a ambiguidade dos ideais de Kerouac, examinando como atividades como escalar, andar de bicicleta e por trilhas teve espaço na sua vida urbana repleta de clubes de jazz, saraus de poesia e festas movidas a drogas e álcool. O autor apresenta aqui uma geração beat mais otimista, tranquila, iluminada.

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"Big Sur"


Muito longe do otimismo de "Vagabundos Iluminados", "Big Sur" mostra a deterioração física e psicológica do autor, incapaz de lidar com seu sucesso e completamente entregue à bebida. Lançada em 1962, a obra foi criada pelo escritor quando ele se retirou três vezes para uma cabana isolada na região de Big Sur, na costa da Califórnia, para se dedicar à escrita. E esta última visita culmina na loucura e paranoia tanto do autor quanto da personagem.

Como outros trabalhos de Kerouac, o livro também é profundamente autobiográfico, mas diferente de diversas obras anteriores, que retratavam viagens e buscas por experiências e conhecimento. "Big Sur" apresenta a estagnação e decadência de Jack Duluoz, alter ego de Kerouac, que se mostra incapaz de se integrar em relacionamentos, com o sucesso literário, com o mito beat criado em torno de si e com a vida suburbana. A publicação revela o que talvez seja a principal característica do escritor: a sua brutal honestidade em escancarar seus medos e suas deficiências e de mostrar como o homem nunca vive à altura do mito.

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