sábado, 24 de outubro de 2009

Lobo Antunes apresenta "Que Cavalos são Aqueles que fazem Sombra no Mar?"


"Criar - ou tentar criar - é um ofício de trevas", defendeu hoje, António Lobo Antunes, no lançamento do seu novo livro, "Que Cavalos são Aqueles que fazem Sombra no Mar?". O escritor apresentou o livro esta quinta-feira no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz em Lisboa.


Depois de afirmar que "é muito difícil falar de um livro" e de citar o seu falecido amigo José Cardoso Pires, que dizia que nenhum escritor gostava de falar sobre o que escrevera, Lobo Antunes tentou, embora admitindo: "Há ali uma parte que me escapa".

Falou de um verso de Ovídio que sempre o obcecou e continua a obcecar - "Lentos, lentos ide, ó cavalos da noite" - do seu quadro preferido, "As Meninas" de Velásquez, e de uma frase de Einstein citada pelo pianista Alfred Brendel: "É preciso fazer as coisas o mais simplesmente possível mas não mais simplesmente do que isso".

Observou, depois, que "a arte é a nossa única hipótese de vitória sobre a morte".

"Daí o medo que existe da arte - é que ela contém em si uma outra forma de olhar para as coisas, que nós recusamos. Então, é muito tranquilizador as telenovelas, aquilo a que chamam 'literatura light', que não sei o que é... todas essas formas de expressão de sentimentos que nos impedem, de facto, de entrar no íntimo de nós", referiu.

Editado pela Dom Quixote, do grupo Leya, "Que Cavalos são Aqueles que fazem Sombra no Mar?" foi apresentado pela vice-reitora da Universidade de Coimbra, Cristina Robalo Cordeiro, amiga de Lobo Antunes, com sala cheia.

A Professora catedrática começou por falar de toda a obra do escritor, para atribuir o seu sucesso a "um paradoxo de enunciação relativamente simples: os romances de Lobo Antunes fascinam apesar de nos incomodarem e, em larga medida, fascinam porque nos incomodam".

Considerando que "estes cavalos saem da mesma matriz que alimentou os livros precedentes", Cristina Robalo Cordeiro sustentou que, "em modo sempre obsessivo, são três as grandes oposições que marcam o texto, como motivos estruturantes e configuradores".

"A primeira - enumerou - incide no próprio tecido textual que, embora desenhado pelas forças da polifonia e do caos, da dissecação de figuras disfóricas e da obstinação de memórias labirínticas, tão nossas conhecidas, controla o fluxo verbal em rigorosa ordenação compositiva".

A segunda oposição - prosseguiu - "desorienta a leitura e instaura uma 'estética do desprazer', provocando no leitor uma oscilação entre o desconforto e a fruição".

Por fim, a terceira oposição - aquela que a académica classificou como "a mais surpreendente" - "inscreve-se de imediato no título: porquê enunciar com uma frase tão lírica o universo sórdido da triste realidade humana em que a narrativa nos fará entrar?".

A terminar a sua intervenção, António Lobo Antunes anunciou a intenção de "continuar a viver com a orgulhosa humildade" com que sempre tem vivido e concluiu com uma frase de Newton: "Não sei o que o futuro pensará de mim. Sempre me imaginei uma criança a brincar na praia, que às vezes encontra um seixo mais polido, uma conchinha mais bonita, enquanto o grande oceano da verdade permanece intacto à minha frente".

Lusa

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