terça-feira, 30 de junho de 2009

Encontro especial pelo centenário de Euclides da Cunha


Ubiratan Brasil, de O Estado de S. Paulo

O centenário da morte do escritor e jornalista Euclides da Cunha (1866-1909) terá um encontro especial na Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, entre 1.º e 5 de julho. O autor de Os Sertões, que profetizava "o esmagamento inevitável das raças fracas pelas raças fortes", será tema de discussão da mesa O Mar e Os Sertões - Euclides da Cunha, 360°, que, a partir das 15h30 do sábado, dia 4, vai reunir os professores Walnice Nogueira Galvão e Francisco Foot Hardman, além de Milton Hatoum, escritor e cronista do Caderno 2. O encontro vai acontecer na Casa de Cultura de Paraty e a mediação será de Daniel Piza, editor executivo do Estado.


O autor de Os Sertões também tem sido lembrado por O Ano de Euclides, um projeto jornalístico, cultural e multimídia do Grupo Estado, iniciado em março e que se estenderá com mais encontros (leia mais abaixo). Publicado em 1902, Os Sertões nasceu da cobertura jornalística de um dos conflitos mais sangrentos da história brasileira: a ação vitoriosa do exército contra revoltosos instalados na cidade baiana de Canudos. Euclides viajou para o local em 1897, a convite de Julio Mesquita, então diretor do Estado. Outros correspondentes já acompanhavam as infrutíferas tentativas do exército de derrotar os seguidores de Antônio Conselheiro, no interior da Bahia, e Euclides destacava-se como o escolhido natural para representar o jornal: colaborador havia nove anos, publicara, nos dias 14 de março e 17 de julho daquele ano, dois artigos com o título de ‘A Nossa Vendéia’.



São textos em que Euclides não apenas apresenta aspectos físicos daquela região do sertão como também se aventura a dar palpites sobre as dificuldades táticas e estratégicas do levante. No período em que cobriu o fato, Euclides submeteu-se a um verdadeiro rito de passagem: se quando deixou São Paulo estava seguro da natureza monarquista da rebelião em Canudos, o escritor (republicano convicto) foi obrigado a reformular seu julgamento, forçado pelas contingências. E, se tinha a urgência do repórter, acumulou material para a reflexão profunda sobre o fenômeno, que resultaria em Os Sertões.



"É por isso que não gosto de falar sobre a atualidade da obra", comenta Walnice. "Trata-se de um livro difícil, que não é entretenimento e cuja leitura faz o coração bater forte." Professora de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, ela ressalta o aspecto literário da obra. "Euclides utilizou a linguagem com fins estéticos."



Professor titular do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, Francisco Foot Hardman acredita que Euclides é um daqueles casos de grande escritor que teve o conjunto de escritos ofuscado pelo brilho da obra-prima. "Acho interessante, então, neste, como em outros eventos, cursos e debates, sempre que possível destacar os outros planos de sua atividade literária, que incluíram o ensaio, o jornalismo político e a crítica literária, a correspondência, a crônica e, last but not least, a poesia", comenta. "Além de Os Sertões, ele publicou mais três livros, dois deles em vida (Contrastes e Confrontos e Peru Versus Bolívia, ambos de 1907) e um póstumo, mas organizado ainda em vida (À Margem da História, 1909). Afora isso, uma obra extensa de artigos, crônicas e poesias, tanto dispersos quanto inéditos. Seria bom para o público de hoje ter uma ideia aproximada de toda essa riqueza e variedade."



Já Milton Hatoum pretende ler um conto de seu livro A Cidade Ilhada (Companhia das Letras), Uma Carta de Bancroft. O texto faz referência a uma carta que revela um sonho (ou pesadelo) do escritor quando estava em Manaus, antes de partir para o Purus. "Uma das questões mais recorrentes na obra de Euclides é a relação entre civilização e barbárie", observa Hatoum. "Ele dizia que a Amazônia era uma ‘terra ignota’, ‘a última página, ainda a escrever-se, do Gênese’, onde o homem travaria uma ‘guerra de mil anos contra o desconhecido’."



Hatoum comenta que a ânsia de conhecimento científico e de exercer uma missão civilizadora é latente no escritor. "Euclides, como bom positivista, acreditava no progresso e na ciência, temas que ele aborda nos ensaios sobre a Amazônia", afirma. "Mas ele sabe que a ‘civilização’ e os ideais republicanos falharam, e são mais bárbaros que os nativos que ele, Euclides, critica. Penso que esses temas são importantes."

Nenhum comentário:

Postar um comentário