domingo, 28 de junho de 2009

Meus Contos Africanos - Livro de contos selecionados por Nelson Mandela


Escritora comenta contos selecionados por Nelson Mandela

por TATIANA BELINKY
especial para a Folha de S.Paulo


As 32 histórias escolhidas por nada menos que o grande personagem, verdadeiro herói da África do século 20 --Prêmio Nobel da Paz de 1993--, só pelo título do livro já abrem o apetite do leitor brasileiro para esse tesouro caleidoscópico de contos de muitas épocas e lugares da imensa África, para nós ainda bastante desconhecida. Ainda bem que o livro traz um bom mapa da África, mostrando os diversos lugares e origens das histórias.

Em boa hora a editora Martins oferece às nossas crianças este livro precioso, com o não menos precioso prefácio do próprio Nelson Mandela.

Falar de todos os contos não é viável neste pouco espaço. Mas dá para uma breve ideia de toda essa riqueza. E que riqueza! Desde a exuberante e variada natureza do vasto e ainda misterioso continente negro até... até onde a imaginação pode acompanhar tantas e tantas narrativas.

Boa parte das histórias são autênticas fábulas, crendices e crenças e superstições, desde tempos imemoriais, histórias que foram sendo contadas e recontadas... e sendo modificadas, aos poucos, com o passar do tempo. "Quem conta um conto acrescenta um ponto." Nessas fábulas, os animais com características humanas, como é de se esperar, são bons e maus, moralistas e amorais, poéticos e humorados e por aí vai, e até mães "maternais" e outras... nem tanto.

Mas nem todos são os mesmos bichos (e até insetos) iguais aos nossos velhos conhecidos do ocidente europeu --só para dar um exemplo: a "nossa" ardilosa, esperta e nada confiável raposa, que nem aparece nessas histórias africanas, nelas é substituída pela... lebre. E felinos, claro, e serpentes, e aves, e monstros de terra, mar e ar, conhecidos, desconhecidos e surpreendentes.

E mais adiante, em tempos mais "recentes" --só alguns breves 7-8 séculos atrás, já aparecem histórias muçulmanas, demônios bem antigos (como Asmodeus trancafiado numa bela garrafa), princesas e rainhas, jovens bonitos, sultões e criaturas angelicais etc. etc. etc.

Ah, vale lembrar que os bichos, quaisquer que sejam, falam e são citados em frases e expressões (em itálico) nos seus idiomas próprios. E têm nomes, para mim quase impronunciáveis. (Rudyard Kipling dava nomes aos bichos, como Riki-Tiki-Tavi, mas não tão complicados).

E alguns dos contos incluem canções com letras "incompreensíveis" acompanhados, no fim, pelas respectivas pautas musicais! Eu gostaria de falar mais, os assuntos são muitos.

Mas só quero lembrar que, em uma das últimas (e mais longas) histórias, as aventuras africanas acontecem até com uma bicicleta! Sinal dos tempos.

Herói africano

Até parece que terminei. Mas não consigo deixar de acrescentar alguma, melhor dizendo, algumas coisas muito significativas na já longa (mas não suficiente!) vida, significativas para a África e, claro, para o nosso mundo inteiro.

Quem foi que disse que um país feliz não precisa de heróis? Se bem me lembro, foi Brecht. Mas qual é, onde fica, o tal País Feliz? Todos nós precisamos de heróis! O mundo teve muitos mártires, figuras emblemáticas, inspiradoras e "heroicas" --por causas as mais diversas e muitas vezes polêmicas e até discutíveis.

Mas heróis, heróis mesmo, autênticos (e não fantásticos ou mitológicos) --esses são bem mais raros--, em especial os que, através dos séculos, conseguiram resistir aos "revisionismos", também eles discutíveis e polêmicos.

Mas não o herói de quem falamos aqui e agora. Esse fabuloso Nelson Mandela! Bastam apenas uns poucos dados para quem não o conhece avaliar a dimensão dessa figura que é o orgulho da humanidade do século 20 --e do 21, até hoje.

Eis algumas linhas de apresentação da Wikipédia: "É um advogado, ex-líder rebelde e ex-presidente da África do Sul de 1994 a 1999. Principal representante do movimento antiapartheid como ativista, sabotador e guerrilheiro. Considerado pela maioria das pessoas [eu inclusive] um guerreiro em luta pela liberdade, era considerado pelo governo sul-africano um terrorista"...

Por causa da sua luta incessante contra a segregação e o preconceito raciais, foi preso e julgado em 1962. Foi a primeira das suas prisões e condenações, inclusive uma de enforcamento, prisão perpétua etc.

Tudo somado, Mandela passou decênios na prisão --sem jamais ter desistido das suas posições, com inigualável coragem e idealismo. Nesse meio tempo, ganhou simplesmente quase todos os prêmios importantes, dos países e movimentos, da esquerda, da direita, do centro, da Índia, do Canadá, da Anistia Internacional etc. --sem esquecer o Prêmio Nobel da Paz, e outros mais, por todas as "boas causas", como a luta contra a AIDS, os direitos humanos e por aí vai.

Vários livros em um

E mais não adianto. Mas isto eu preciso lembrar: o bonito livro é grande e pesado --suas cerca de 150 páginas, de capa mole, em lustroso papel couché, pesa cerca de um quilo e é desajeitado, quase impossível de segurar e abrir nas mãos, ou mesmo na mesa: as páginas durinhas, abertas, voltam a se fechar. O livro pede um atril para ser lido. Não vejo crianças --às quais as histórias são dedicadas-- com este volume nas mãos. Suas 32 histórias valem, e merecem, ser "distribuídas" em vários livros.

Em tempo: as traduções (assim, no plural, mesmo) de Luciana Garcia, boas, levam o "jeito" de cada narrador. E são muitos, não dá pra citar todos.

Assim como os excelentes ilustradores, uma página inteira para cada conto.

TATIANA BELINKY, 90, é escritora e autora de livros infanto-juvenis.

MEUS CONTOS AFRICANOS
Organizador: Nelson Mandela
Tradução: Luciana Garcia
Editora: Martins (tel. 0/xx/11/ 3116-0000)
Quanto: R$ 54,80 (156 págs.)

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