‘MARÍLIA DE DIRCEU’
Obra representativa do Setecentismo brasileiro, a obra Marília de Dirceu deve ser analisada em sua complexidade, levando-se em conta a sua inserção no Arcadismo (estética racional e permeada por convencionalismos) e, ao mesmo tempo, sua relação com as experiências amorosas e políticas do autor que conferem caráter subjetivo (Pré-Romântico) ao texto.
Aspectos biográficos – reflexos da vida do poeta em sua obra
Quando concebeu as primeiras liras de Marília de Dirceu, Tomás Antônio Gonzaga (Dirceu é seu pseudônimo), então com aproximadamente 40 anos, vivia no Brasil e gozava de estabilidade econômica, pois ocupava um alto cargo judiciário. Nesse contexto, apaixona-se por Maria Dorotéia (a quem cabe o pseudônimo Marília), adolescente com pouco mais de 17 anos. Porém, o envolvimento com a Inconfidência Mineira, somado à relação tumultuada que tinha com as autoridades locais (Luís da Cunha Meneses, o governador satirizado em Cartas Chilenas) leva Gonzaga à prisão e, posteriormente ao exílio em Moçambique.
A interferência desses fatos no poema em estudo fica evidente. Como vamos ver em seguida, há uma grande diferença entre o equilíbrio objetivo da primeira parte e o sentimentalismo melancólico do segundo momento da obra.
Estrutura - A obra se divide em 3 partes:
Primeira parte (1792) – Composta por 33 liras, mostra o poeta apaixonado, otimista, fazendo planos para uma vida conjugal harmoniosa. Aqui se revelam com mais intensidade as tradições árcades.
Segunda parte (1799) – Composta por 38 liras, revela um homem angustiado, envelhecendo e, sobretudo, sentindo-se injustiçado na prisão, longe de sua amada. Com a vazão aos sentimentos do poeta, podemos afirmar o caráter Pré-Romântico da obra.
Terceira parte (1812) – É uma coletânea de textos. Envolve 8 liras que não figuraram nas partes anteriores da obra, e textos que teriam sido escritos antes do envolvimento amoroso com Maria Dorotéia (1 canção, 15 sonetos e 1 ode).
RESUMO E ANÁLISE DE MARÍLIA DE DIRCEU
Primeira parte – Convencionalismo amoroso
Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’ expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
O poeta, dirigindo-se à Marília, se apresenta exaltando qualidades que o fariam digno do amor da donzela: sua condição social, seu aspecto físico e suas habilidades. Isso é feito em um cenário típico do Arcadismo: a atmosfera bucólica, o ideal de vida simples, pastoril.
Lira 2
Pintam, Marília, os Poetas
A um menino vendado,
Com uma aljava de setas,
Arco empunhado na mão;
Ligeiras asas nos ombros,
O tenro corpo despido,
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes, que lhe dão.
Porém eu, Marília, nego,
Que assim seja Amor; pois ele
Nem é moço, nem é cego,
Nem setas, nem asas tem.
Ora pois, eu vou formar-lhe
Um retrato mais perfeito,
Que ele já feriu meu peito;
Por isso o conheço bem.[...]
Uma característica árcade é o uso de alusões mitológicas, que retomam a Antiguidade Clássica. Aqui, o poeta personifica o amor na figura do cupido. A seguir o poeta faz uma detalhada descrição física de Marília e arremata:
Tu, Marília, agora vendo
De Amor o lindo retrato,
Contigo estarás dizendo,
Que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto,
Que ele foi quem me venceu.
Quanto à descrição física de Marília, observe:
Os teus cabelos são uns fios d'ouro;
(Lira 1)
Os seus compridos cabelos,
Que sobre as costas ondeiam,
São que os de Apolo mais belos;
Mas de loura cor não são.
Têm a cor da negra noite;
(Lira 2)
Surpreso? Nesse trecho evidencia-se o convencionalismo amoroso. Contrasta a Marília ‘real’, menina brasileira de olhos e cabelos escuros com a beleza européia que se costumava cantar, imitando os precursores do estilo Neoclássico.
Lira 14
Minha bela Marília, tudo passa;
A sorte deste mundo é mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
[...]
Ornemos nossas testas com as flores.
E façamos de feno um brando leito,
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
Gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;
E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre.
O poeta reflete sobre a passagem do tempo e propõe à Marília que aproveitem o momento presente. Trata-se da versão neoclássica do Carpe diem, tema já explorado pelo barroco.
Lira 22
Tu não habitarás palácios grande,
Nem andarás no coches voadores;
Porém terás um Vate, que te preze,
Que cante os teus louvores.
O tempo não respeita a formosura;
E da pálida morte a mão tirana
Arrasa os edifícios dos Augustos,
E arrasa a vil choupana.
Que belezas, Marília, floresceram,
De quem nem sequer temos a memória!
Só podem conservar um nome eterno
Os versos, ou a história.
Nesse trecho o poeta evidencia sua concepção de indivíduo ilustrado. Reafirma o ideal de vida simples e prefere ao poder e à riqueza, a glória de eternizar em versos a beleza de Marília.
Essa idéia é ratificada na lira 27, em que o poeta se considera verdadeiro herói por ter conquistado sua musa.
O ser herói, Marília, não consiste
Em queimar os Impérios: move a guerra,
Espalha o sangue humano,
E despovoa a terra
Também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo:
E tanto pode ser herói pobre,
Como o maior Augusto.
Eu é que sou herói, Marília bela,
Segundo da virtude a honrosa estrada:
Ganhei, ganhei um trono,
Ah! não manchei a espada,
Não roubei ao dono.
Ergui-o no teu peito, e nos teus braços:
E valem muito mais que o mundo inteiro
Uns tão ditosos laços.
Para finalizar, na lira 33 o poeta pede a seu amigo Glauceste (Cláudio Manuel da Costa) que cante e pinte a figura de Marília.
Pega na lira sonora,
Pega, meu caro Glauceste;
E ferindo as cordas de ouro,
Mostra aos rústicos Pastores
A formosura celeste
De Marília, meus amores.
Ah! pinta, pinta
A minha Bela!
E em nada a cópia
Se afaste dela.
Segunda parte – Vazão aos sentimentos
(Tendências Pré-Romanticas)
Lira 1
Já não cinjo de louro a minha testa;
Nem sonoras canções o Deus me inspira:
Ah! que nem me resta
Uma já quebrada,
Mal sonora Lira!
[...]
Mal meus olhos te riam, ah! nessa hora
Teu retrato fizeram, e tão forte,
Que entendo, que agora
Só pode apagá-lo
O pulso da Morte.
Aqui encontramos Dirceu enclausurado, deprimido, sem inspiração. Permanece, porém a lembrança de Marília, que só se apagará com a morte.
Na lira 2, o poeta reclama das injustiças às quais foi submetido e arremata com a célebre passagem:
Eu tenho um coração maior que o mundo!
Tu, formosa Marília, bem o sabes:
Um coração..., e basta,
Onde tu mesma cabes.
Na lira 3 o poeta angustiado reflete sobre as constantes mudanças da vida e pergunta a Marília por que a sua sorte não muda. Na lira seguinte passa a admitir a mudança do envelhecimento.
Lira 3
Sucede, Marília bela,
À medonha noite o dia;
A estação chuvosa e fria
À quente seca estação.
Muda-se a sorte dos tempos;
Só a minha sorte não?
Lira 4
Já, já me vai, Marília, branquejando
Louro cabelo, que circula a testa;
Este mesmo, que alveja, vai caindo
E pouco já me resta.
As faces vão perdendo as vivas cores,
E vão-se sobre os ossos enrugando,
Vai fugindo a viveza dos meus olhos;
Tudo se vai mudando.
Na lira 12 o poeta não admite a idéia de que sua amada sofra.
Lira 12
Ah! Marília, que tormento
Não tens de sentir saudosa!
[...]
Quando levares, Marília,
Teu ledo rebanho ao prado,
Tu dirás: “Aqui trazia
“Dirceu também o seu gado.”
Verás os sítios ditosos
Onde, Marília, te dava
Doces beijos amorosos
Nos dedos da branca mão.
Mandarás aos surdos Deuses
Novos suspiros em vão.
[...]
Aqui observamos também uma característica constante dessa segunda parte: o contraste entre o passado feliz e a tristeza do presente. A lira 15 é ainda mais elucidativa nesse sentido, pois resgata os versos de abertura da primeira parte:
Lira 15
Eu, Marília, não fui nenhum Vaqueiro,
Fui honrado Pastor da tua aldeia;
Vestia finas lãs, e tinha sempre
A minha choça do preciso cheia.
Tiraram-me o casal, e o manso gado,
Nem tenho, a que me encoste, um só cajado.
Para ter que te dar, é que eu queria
De mor rebanho ainda ser o dono;
Prezava o teu semblante, os teus cabelos
Ainda muito mais que um grande Trono.
Agora que te oferte já não vejo
Além de um puro amor, de um são desejo.
A seguir, Dirceu ainda se revela esperançoso:
Ah! minha Bela, se a Fortuna volta,
Se o bem, que já perdi, alcanço, e provo;
Por essas brancas mãos, por essas faces
Te juro renascer um homem novo;
Romper a nuvem, que os meus olhos cerra,
Amar no Céu a Jove, e a ti na terra.
Fiadas comprarei as ovelhinhas,
Que pagarei dos poucos do meu ganho;
E dentro em pouco tempo nos veremos
Senhores outra vez de um bom rebanho
Entretanto, na lira 20 transparece a insegurança:
Se me viras com teus olhos
Nesta masmorra metido,
De mil idéias funestas,
E cuidados combatido,
Qual seria, ó minha Bela,
Qual seria o teu pesar?
Na lira 33 revelam-se a indignação, o estado físico e a preocupação com a defesa da honra.
Mas vivo neste mundo, ó sorte impia,
E dele só me mostra a estreita fresta
O quando é noite, ou dia.
Olhos baços, e sumidos,
Macilento, e descarnado,
Barba crescida, e hirsuta,
Cabelo desgrenhado;
Ah! que imagem tão digna de piedade!
Mas é, minha Marília, como vive
Um réu de Majestade.
[...]
Tu, Marília, se ouvires,
Que ante o teu rosto aflito
O meu nome se ultraja
C’o suposto delito,
Dize severa assim em meu abono:
“Não toma as armas contra um Cetro justo
“Alma digna de um trono.”
Terceira parte
Como já constatamos, trata-se de uma publicação confusa, irregular e, portanto, de menor valor. Ressalvamos, porém, a antológica lira 3, onde o poeta rompe com a condição ideal de pastor, assumindo sua verdadeira condição social e imaginando a vida conjugal com Marília.
Tu não verás, Marília, cem cativos
Tirarem o cascalho, e a rica, terra,
Ou dos cercos dos rios caudalosos,
Ou da minada serra.
Não verás separar ao hábil negro
Do pesado esmeril a grossa areia,
E já brilharem os granetes de ouro
No fundo da bateia.
Não verás derrubar os virgens matos;
Queimar as capoeiras ainda novas;
Servir de adubo à terra a fértil cinza;
Lançar os grãos nas covas.
Não verás enrolar negros pacotes
Das secas folhas do cheiroso fumo;
Nem espremer entre as dentadas rodas
Da doce cana o sumo.
Verás em cima da espaçosa mesa
Altos volumes de enredados feitos;
Ver-me-ás folhear os grande livros,
E decidir os pleitos.
Enquanto revolver os meus consultos.
Tu me farás gostosa companhia,
Lendo os fatos da sábia mestra história,
E os cantos da poesia.
Lerás em alta voz a imagem bela,
Eu vendo que lhe dás o justo apreço,
Gostoso tornarei a ler de novo
O cansado processo.
quinta-feira, 11 de junho de 2009
Resumos e Análises: Marília de Dirceu (Tomás Antonio Gonzaga)
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Muito bom... realmente me ajudou !!
ResponderExcluirmuito bom!!
ResponderExcluirUm bom resumo pra quem precisa de ajuda eu recomendo :)
Excluirme ajudou muito !
ResponderExcluirótima análise..
ResponderExcluirSó queria saber porque quando ele saiu da prisão não ficou com maria e sim com Juliana. Passou tempos escrevendo para Marília e depois que foi solto não casou-se com ela. -Rafaela
ResponderExcluirAnálise maravilhosa e minuciosa. Realmente, muito bom. Adorei! ^^
ResponderExcluirValeu Luis Carlos!
ResponderExcluirAjudou bastante
ResponderExcluire esse livro e uma bosta como nao consegui ler tudo pq fiquei itediado então eu casei o resumo
ResponderExcluirÓtimo mesmo, pude tirar algumas dúvidas !
ResponderExcluirmermão q livro chatoooo!!!
ResponderExcluirótimo,exelente,me salvou da prova da dona marcia huahua
ResponderExcluirnão entendo por que eles fazem a gente ler isso, sabendo que não vamos ler.
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