"O Caderno" (Companhia das Letras, 224 págs., R$ 45) é, de certa forma, uma contradição em termos. Quem quiser consultar o blog do escritor José Saramago pode acessar diretamente na internet o endereço caderno.josesaramago.org. Então qual é o sentido de reunir em livro seus posts escritos entre setembro de 2008 e março de 2009? Os textos são os mesmos, a ordem cronológica permanece, não há apêndices.
Mas, como Saramago é Saramago, a publicação virou um acontecimento e gerou polêmica que correu o mundo, por conta das impertinências do autor contra políticos. A crítica que detonou a crise teve como alvo o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi.
No texto "Berlusconi & Cia.", Saramago escreveu: "Na terra da máfia e da camorra, que importância poderá ter o facto provado de que o primeiro-ministro seja um delinquente?".
Até aí, a provocação seria apenas mais uma entre tantas que se multiplicam sem consequências pela internet. Mas a Einaudi, que pertence a Berlusconi e publica Saramago na Itália, se recusou a publicar "O Caderno", que inclui esse post. Saramago reagiu, e a polêmica atraiu a imprensa, lembrando a censura branca que "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" sofreu em Portugal, episódio emblemático em sua carreira.
Agora, depois de dar entrevistas indignadas e escrever artigos duros, inclusive no espanhol "El País", Saramago minimiza o episódio. Em entrevista por e-mail à Folha, disse que os dois incidentes "são casos diferentes". Segundo ele, "em Portugal, a decisão foi do governo, na Itália foi a própria editora que, por temor às consequências, resolveu não publicar. De certa maneira, a editora foi mais papista que o papa".
Isso não quer dizer que tenha mudado de opinião: "Que [Berlusconi] promove a corrupção, toda a gente o sabe. Quanto a ser comparável, no seu comportamento, a um 'capo' da máfia, é uma opinião pessoal minha, de que, evidentemente, se pode discordar. Mas os fatos são eloquentes e permitem as piores comparações. Os escândalos [sobre sua relação com garotas de programa] provam o pouco caso que Berlusconi faz das funções que exerce como primeiro-ministro, salvo quando estão em causa os seus interesses".
Bush e Sarkozy
O veto da editora italiana a "O Caderno" certamente não afetará a difusão de Saramago no país ("mais de 30 editoras da Itália se ofereceram para publicar o livro"). Berlusconi não é o único alvo. George W. Bush ("inteligência medíocre, ignorância abissal") e Nicolas Sarkozy ("irresponsável") também despertaram adjetivos no autor, assim como a esquerda ("continua sem ter uma puta ideia do mundo em que vive").
Quando Saramago lançou seu blog, muito se especulou sobre as implicações dessa produção em sua literatura. Qual a sua opinião? "A internet nem estimula nem atrapalha. São dois campos diferentes. A internet poderia desaparecer que eu continuaria com o meu trabalho, sem lhe sentir a falta."
Isso não quer dizer que despreze a repercussão do blog: "Realmente surpreendeu-me. A penetração é enorme".
Os textos reunidos em "O Caderno" permitem compreender as motivações de Saramago e, especialmente, sua relação próxima com o Brasil. Os textos coincidem com sua última viagem ao país, quando começou a escrever seu próximo romance, que ainda não tem título e será lançado até o final do ano.
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
Livro reúne posts polêmicos do blog de José Saramago
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