*Revista EXAME | Por Sérgio Teixeira Jr.
"Grátis pode significar muitas coisas, e esse significado tem mudado ao longo dos anos. Grátis levanta suspeitas, mas não há quase nada que chame tanto a atenção. Quase nunca é tão simples quanto parece, mas é a transação mais natural de todas. Se agora estamos construindo uma economia em torno do Grátis, deveríamos começar entendendo o que ele é e como funciona." Essas são as palavras que abrem o segundo capítulo de um livro lançado nesta semana nos Estados Unidos. O título é Free – The Future of a Radical Price ("Grátis – o futuro de um preço radical", numa tradução livre). A editora Campus-Elsevier deve lançá-lo no Brasil no final deste mês. É preciso reconhecer que o autor não falta com a verdade. "Grátis" pode realmente significar muitas coisas, entre elas cobrar por um livro cuja ideia central é uma defesa apaixonada de tudo o que é gratuito. O preço ainda não está definido, mas já se sabe que não, Grátis não será distribuído de graça. (A edição americana custa 17,81 dólares na Amazon.com.)
O autor desse ato de prestidigitação é Chris Anderson, jornalista anglo-americano que edita a revista Wired, a publicação-símbolo do espírito inovador e libertário do Vale do Silício, e que lançou A Cauda Longa, três anos atrás.
A favor de Anderson, é necessário avisar de saída: em nenhum momento ele escreve que tudo será de graça. Sua tese central é que certos produtos e serviços podem, sim, ser gratuitos – e mesmo assim dá para ganhar dinheiro. Anderson constrói seu argumento sobre as diferenças fundamentais entre o mundo das coisas materiais, ou o mundo dos átomos, e a internet, ou o mundo dos bits. Eis a ideia central: todos os custos dos insumos básicos do mundo digital caem vertiginosamente. A capacidade dos processadores dobra a cada 18 meses, mais ou menos, e os preços caem pela metade. Fenômenos semelhantes acontecem com as redes de telecomunicações e com os discos de armazenamento. Essa constatação é verdadeira. Anderson também escreve que nunca na história houve tantos produtos e serviços gratuitos. O melhor exemplo é o Google. Das buscas ao e-mail, dos vídeos do YouTube ao processador de texto online, a imensa maioria dos quase 100 produtos oferecidos pela empresa é gratuita para o usuário final. O custo de manter essa enorme oferta cai dia após dia, escreve Anderson.
Mas quem paga a conta de erguer e manter funcionando o meio milhão de servidores que mantém o Google no ar? Os anunciantes. E aí se abre o primeiro flanco na tese defendida por Anderson. Ele gasta páginas tentando descrever um mundo novo, baseado na publicidade. No entanto, não há nada de novo aí. O sistema de venda de anúncios do Google é aperfeiçoado automaticamente, a cada instante, sempre com o objetivo de melhorar as receitas. Mas no fundo o Google opera com a mesma lógica das emissoras de rádio e TV. É um negócio mais lucrativo e de alcance global, sem dúvida, mas ainda assim apoiado em uma ideia que tem mais de sete décadas de vida – e ninguém precisa de um guru digital para perceber isso.
Anderson também faz uma defesa pouco convincente da pirataria. O custo de copiar um disco ou um filme é virtualmente zero, como bem sabem as gravadoras e os estúdios de cinema. Talvez esses sejam os dois melhores exemplos de negócios que tenham sido obrigados a repensar seus modelos por causa da avalanche digital. Existem vários exemplos de artistas que não se importam em ver suas músicas circulando livremente pela internet, entre eles a banda brasileira Calypso, cuja história é relatada no livro. O negócio, para os músicos paraenses, está em fazer apresentações ao vivo. Os modelos de distribuição de música gratuita para quem compra telefones celulares ou tocadores de MP3 também se multiplicam. Mas isso não quer dizer que a Apple não esteja construindo um belo negócio com sua loja iTunes. Em janeiro deste ano, a empresa já havia contabilizado mais de 6 bilhões de músicas vendidas. Anderson deixa de mencionar que o atrativo da pirataria não reside somente no preço zero: a comodidade de encontrar o que se busca é igualmente importante.
É por isso que fica difícil acreditar na afirmação grandiosa de que "o Grátis (Anderson escreve assim mesmo, com G maiúsculo) deste século é um modelo econômico inteiramente diferente". Ele estima que essa economia do grátis movimente cerca de 300 bilhões de dólares em todo o mundo. Mas metade desse valor vem justamente daquilo que é baseado em publicidade. Os argumentos que ele usou para defender a tese da cauda longa sempre foram sustentados em dados colhidos de empresas reais. Em Grátis, as histórias que ele conta parecem ser versões atualizadas das promoções que fazem parte do marketing das empresas desde sempre: compre um, leve outro de graça. De todos os modelos descritos no livro, talvez o mais interessante seja o que Anderson chama de freemium, uma mistura de free com premium. Algumas empresas de internet oferecem um serviço gratuito com a intenção de alcançar a maior base de usuários possível. Não se trata de uma amostra grátis. Todas as principais funções são verdadeiramente gratuitas. O objetivo é tentar vender uma versão mais sofisticada a um pequeno grupo de usuários. É assim que operam o site de fotos Flickr, o serviço de telefonia pela internet Skype e as versões online dos jornais The Wall Street Journal e Financial Times.
O livro de Anderson foi recebido com críticas ácidas. A que ganhou mais destaque foi a de outro autor popular, o também anglo-americano Malcolm Gladwell (O Ponto de Desequilíbrio, Fora de Série – Outliers). Numa resenha publicada no site da revista New Yorker, para a qual escreve, Gladwell classifica as ideias de Grátis de utopia tecnológica. Ele lembra que a Wired, de Anderson, foi uma das primeiras publicações a decretar, nos tempos do boom da internet, o nascimento de uma nova economia – que, diga-se, nunca veio. Gladwell menciona o exemplo de uma empresa farmacêutica que criou um remédio para tratar uma doença raríssima. O maior valor de um remédio, como se sabe, é a propriedade intelectual que ele representa. Mas o medicamento de que Gladwell fala não vai ser grátis tão cedo, muito pelo contrário: o tratamento custa 300 000 dólares por ano.
Lidar com críticas faz parte do ofício de um escritor como Anderson. Mas o plágio, não. Uma semana antes da publicação de Grátis, um blogueiro levantou a lebre: trechos inteiros do livro foram copiados da enciclopédia online Wikipédia. Anderson rapidamente se pronunciou. Disse que, por uma confusão causada nos dias finais da edição, os trechos que foram copiados do site acabaram saindo sem a devida atribuição de crédito. Sua editora se disse satisfeita com a explicação. Na blogosfera, porém, muita gente ficou pouco convencida com essa história. Como o autor de A Cauda Longa, um livro apurado com rigor acadêmico (Anderson é físico), seria capaz de copiar informações justamente da Wikipédia, um site que muda de forma a cada segundo? Apesar disso tudo, é pouco provável que Anderson deixe de ser requisitado como palestrante. Com seu primeiro livro, ele entrou definitivamente para o time de estrelas do circuito global de palestrantes – e passou a cobrar caro por suas aparições. Afinal de contas, a verdade é que hoje em dia nem injeção na testa é de graça. Ou você conhece alguém que aplique botox sem cobrar nada?
terça-feira, 21 de julho de 2009
Em seu novo livro, o guru digital Chris Anderson diz que a tecnologia vai levar os preços inevitavelmente a zero. Será?
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