Antonio Gonçalves Filho, de O Estado de S. Paulo
Mesa promovida por 'O Estado' discute a obra de Euclides da Cunha, que foi repórter do jornal
PARATY, RJ - O escritor, jornalista e engenheiro brasileiro Euclides da Cunha (1866-1909) foi tantos homens em um só que uma vida inteira é insuficiente para conhecer a personalidade multifacetada do autor de Os Sertões, marco na história da literatura brasileira.
Ele e sua obra-prima foram analisados neste sábado, 4, na Casa de Cultura de Paraty, penúltimo dia da 7ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), num encontro de especialistas convidados pelo Estado para integrar a mesa “O Mar e os Sertões”: a professora de Literatura Walnice Nogueira Galvão, que tem 12 livros publicados sobre o escritor, o professor de Teoria Literária e crítico Francisco Foot Hardman, que organiza um volume com sua poesia completa, o escritor amazonense Milton Hatoum, autor de um conto sobre ele, e o colunista do Estado, Daniel Piza, que refez recentemente a viagem de Euclides da Cunha pelo Amazonas, subindo o Alto Purus, onde o escritor de Cantagalo ajudou a demarcar os limites entre o Brasil e o Peru, em 1905.
A apresentação de aspectos pouco conhecidos da vida de Euclides parecia uma tarefa impossível após a publicação de tantos estudos e ensaios sobre como esse intelectual positivista e conservador mudou de posição após cobrir, para o Estado, a insurreição dos seguidores de Antonio Conselheiro em Canudos.
Basicamente, o que todos sabem é que Euclides, no ano de 1897, meteu-se no conflito em que o religioso liderou uma massa de deserdados contra o Exército republicano e acabou comovido pelo drama dos retirantes da seca do nordeste baiano.
No entanto, a mesa organizada pela editora Laura Greenhalgh, coordenadora de Cultura do Estado, mesmo jornal para o qual Euclides escreveu suas impressões sobre o conflito, provou que há ainda fatos desconhecidos sobre o autor e muito a estudar a respeito de suas contribuições nos campos literário, geográfico, científico e político.
Os primeiros poemas de Euclides da Cunha, escritos na adolescência, são, por exemplo, praticamente desconhecidos mesmo entre intelectuais. Lendo um deles, produzido em 1904, em que o escritor fala sobre uma mulher em trajes de banho lendo numa praia da Baixada Santista, o professor de Literatura Francisco Foot Hardman destacou um aspecto pouco considerado pelos estudiosos, a sintonia de Euclides com a modernidade literária embrionária, ele que é invariavelmente associado aos conservadores parnasianos. “Infelizmente, Euclides foi eclipsado pela própria obra-prima, Os Sertões, que mantém em segundo plano sua produção poética, influenciada pela leitura de Leopardi e Byron, entre outros”, comentou o professor.
Um ano depois desse poema da mulher da praia, em que transfere a sensualidade das ondas do mar para as curvas femininas, Euclides da Cunha partiu para uma expedição da Amazônia, experiência que resultou em sua obra póstuma “À Margem da História”. O jornalista Daniel Piza analisou justamente esse período estudado por ele antes de refazer ele próprio essa viagem em março deste ano.
“Um Paraíso Perdido” seria a sua grande obra sobre a Amazônia, segundo Piza, o encontro definitivo de Euclides com a retórica bíblica do Gênesis num lugar onde o nômade passa como descesse o rio Styx, direto para o inferno. Em outras palavras, ele não tinha uma visão idílica da região. Detestou o calor de Manaus e não teve tempo de “rever sua visão determinista da história”. Diz Piza que ele a viagem não foi uma epifania como a de Canudos, “em que esse positivista viu como o Exército se comportava de maneira mais bárbara que os sebastianistas seguidores de Conselheiro”.
De qualquer modo, o uso de expressões bíblicas misturadas ao jargão do cientista fez de suas observações sobre a Amazônia o anúncio de uma mudança de rota em seu escrita.
A professora Walnice Nogueira Galvão, com toda a sua experiência pedagógica, encantou a plateia que lotou a Casa de Cultura de Paraty, fornecendo informações sobre todos os episódios e expedições mencionados por seus colegas de mesa, entre eles Milton Hatoum, que leu um conto seu extraído de seu mais recente livro, “A Cidade Ilhada”, e classificou a viagem de Euclides pelo Alto Purus como “um salto que definiu sua posição entre dois polos, o da reflexão filosófica e da sinuosidade do escritor de ‘Judas Ahsvers’ e seu rigor como engenheiro”.
sábado, 4 de julho de 2009
Paraty revela facetas pouco conhecidas de Euclides da Cunha
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Muito legal suas considerações.
ResponderExcluirFico bastante sentida por não poder participar de eventos tão importantes como este de Paraty, e essa sua postagem revela o quão fundamental e proveitoso para nossa Literatura foi esse grande evento!!!!