quarta-feira, 8 de julho de 2009

Escritor afegão Atiq Rahimi fala sobre "Syngué Sabour" e sobre suas influências literárias


Escritor afegão Atiq Rahimi fala sobre "Syngué Sabour" e sobre suas influências literárias

Após participar da Flip 2009 (Festa Literária Internacional de Paraty) e dividir a mesa "O avesso do Realismo" com o brasileiro Bernardo Carvalho, o escritor afegão Atiq Rahimi participou do evento Caravana de Autores do SESC, na última segunda-feira (6).

Philippe Wojazer/Reuters

Escritor afegão radicado na França Atiq Rahimi marcou presença na Flip
Durante a palestra, que teve mediação de Angel Bojadsen, diretor editorial da Estação da Liberdade, Rahimi falou sobre o seu mais recente trabalho "Syngué Sabour: Pedra-de-paciência" (Estação da Liberdade, 2009), sobre sua fuga do Afeganistão e sobre as dificuldades que teve para aprender o francês.

Syngué Sabour

O autor começou a palestra lendo um trecho do livro "Syngué Sabour: Pedra-de-paciência". Para escrevê-lo, Rahimi se baseou na história da poeta afegã Nadia Anjuman, que foi morta pelo marido com a conivência da própria mãe -- os dois discordavam do seu modo mais liberal de agir, pois ela andava sem véu. Durante a palestra, ele contou que não conhecia Nadia, apenas lia seus poemas em revistas e foi convidado por ela para participar de um evento no Afeganistão.

Porém, uma semana antes de ir ao país, recebeu um telefonema dizendo que a poeta havia morrido. Quando perguntou qual havia sido a causa da morte, responderam que era "coisa de família". Rahimi achou a história muito estranha e decidiu investigar. Descobriu, então, que ela havia sido assassinada pelo marido. O autor foi até a prisão onde o homem se encontrava, mas ele havia tentado suicídio e estava em coma no hospital. Ao vê-lo no leito, imóvel, o escritor ficou pensando que se ele fosse a poeta, iria aproveitar esse momento para falar tudo o que estava guardado a vida inteira.

"Syngué Sabour: Pedra-de-paciência" evoca uma história da mitologia persa na qual uma pedra é utilizada pelos peregrinos para externar suas dores e lamentos. Em um paralelo, na obra de Rahimi, o marido ouve as confissões de sofrimento da esposa. ""Este livro conta a história de uma mulher que vela seu marido que está paralisado. Ela deve recitar durante 90 dias os nomes de 90 deuses, mas pouco a pouco ela abandona as orações para falar de si, para se lamentar, para falar de suas dores, de seus sentimentos", disse o autor durante a palestra.

Divulgação

Livro é dedicado à poeta afegã que foi morta pelo marido
Este foi o primeiro livro de Rahimi escrito originalmente em francês. "Minha língua materna [dari] é a língua com a qual eu conheci o mundo. Se eu tivesse escrito em dari, talvez teria sido mais pudico", afirmou. O escritor afegão também falou que somente quando terminou de escrever o romance e mostrou para outras pessoas que se deu conta da gravidade da história. "Uma amiga minha ficou chocada. Ela disse que se sentiu estuprada ao ler", admitiu. Esta obra acabou dando ao escritor o prêmio de literatura francesa Goncourt em 2008.

O livro ainda não foi publicado no Afeganistão e o autor não sabe se poderia voltar ao país depois da publicação ou qual seria a reação. Por isso até cogitou atrasar um pouco a publicação. Leia aqui um trecho do livro

Família e Afeganistão
Depois do golpe de estado no Afeganistão, quando o país se tornou comunista, o pai de Rahimi foi preso e a mãe teve de cuidar sozinha da família. Ela lutava para tirar o marido da cadeia e para sustentar os filhos. Seu pai era monarquista e primo do rei, por isso foi preso. Nesta época, Atiq estava entrando na puberdade, e isso foi uma espécie de perda do pai. Quando o pai foi solto, ele tinha 16 anos. E os dois decidiram sair do Afeganistão, não queriam mais morar lá. "Após uma caminhada de nove dias e nove noites, chegamos à fronteira do Paquistão. E o guarda disse: 'pare e olhe para trás, pois esse vai ser o seu último olhar para o seu país'. Olhamos para trás e vimos somente os rastros que deixamos. E olhando para o outro lado da fronteira, vimos uma página em branco", relembrou o autor.

O seu irmão, por sua vez, era comunista e foi assassinado no Afeganistão, em 1990. Neste período, os dois estavam brigados, por que o irmão queria que ele fosse estudar cinema em Moscou, chegando até a conseguir uma bolsa, mas o escritor não quis. A partir daí, os dois romperam relações.

Em 1996, ele começou a escrever o livro "Terra e Cinza". Nesta época, os talebans haviam tomado o poder no Afeganistão.

Flip

De acordo com Bojadsen, o livro "Syngué Sabour: Pedra-de-paciência" ficou em segundo lugar entre os livros mais vendidos da Flip.

Ainda segundo o diretor editorial, o escritor foi bastante assediado no evento. "Uma mulher bateu na porta do hotel querendo falar com ele às 6h. Ela tinha acabado de ler o livro e queria muito comentá-lo", contou.

Literatura

Rahimi começou a escrever aos 11 anos. "A primeira coisa que escrevi foi um poema sobre a ausência de meu pai, que na época estava na prisão. Depois, minha mãe e minhas irmãs gostaram, meu pai também me encorajou e comecei a escrever histórias curtas, de um parágrafo", relembra o autor.

O escritor cita como obras de referência "A Conferência dos Pássaros", de Attar Farid Ud Din; "Os Miseráveis", de Victor Hugo; e "Crime e Castigo", de Fiódor Dostoiévski. Questionado sobre autores brasileiros, Rahimi diz que já leu "O Alquimista", de Paulo Coelho; "O Sol se Põe em São Paulo", de Bernardo Carvalho; e um poema de Marco Lucchesi.

"Syngué Sabour: Pedra-de-paciência"
Autor: Atiq Rahimi
Editora: Estação da Liberdade
Páginas: 152
Quanto: R$ 30,00

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