quarta-feira, 1 de julho de 2009

Conto inédito: Sonho desde Velho (Felipe Ventura Vargas)

Era velho desde novo e desde novo já sabia. Velho ali parado na passarela, só espia. Não quero rimar bôbo. Rimar, bôbo não. O problema é que a história pede música, pra não cair na igualdade. A rima vem até sem querer, mas o bôbo aqui, pode rimar não. Não é questão de gosto ou de desgosto, é que rima boba estraga a coisa.


O velho, sempre espectador, com o mesmo chapéu e a calça sempre pra passar. Era guri velho desde novo, só nos filmes e nos livros, um sonhador de muita data, desde os dez por assim dizer. Gente velha já dizia: o guri vai dar em nada se não colocar o pé no chão.


O guri não era solto, só de sonhos naquele canto, cresceu num homem quieto e que a vida não ajudou. Podia passar o dia vendo formigas na fortaleza com as folhas. E desde velho era assim. Era quieto e só pensava, saiu o pai de punho e beiço. O pai também não falava muito, mas quando falava era de se escutar: “O conto muda o mudo”. Era de família, sonhador por si só.


Ouvia um conto em cada canto e já seguia no que fazer, a lição de cada canto era aproveitada com prazer. Ih! Lá vem rima boba, não é por gosto, é que habilidade ajudaria, se estivesse aqui por perto. O velho não ligava pra rima boba, então não sei se conta diferença no conto. Mas tem que tentar evitar, porque rima boba estraga a coisa.


Um dia teve uma idéia, finalmente parou de espiar a vida de fora, se trancou num mausoléu - na verdade não era tão mau, nem tão zoléu, era a casa que só usava pra sono - E o sono deixou de ser capricho da antiga morada, ficava ali o dia todo e ninguém sabe lá motivo.


Era velho desde novo, acho que foi enovecendo com o tempo, a vida passava como um filme e só espiava pra dar corte. Nunca foi muito namorador, acho que a desmotivação de só viver confundia o resto das coisas. Vivia só de sonho que com conto alimentava. Mas de quê serve um conto se não pra se contado? Concordaria o bom Machado.


O guri não tinha jeito, desde velho era assim, no muito por passar, nunca mais vi o guri, mas sei que tinha um brilho no olhar, trancado no mausoléu onde jamais entrar resolvi. Puts, rima boba não! A rima encanta o conto, mas rima boba estraga a coisa.


Num dia de curioso, fui passar no mausoléu, só de bôbo. Lá tava o velho, cada vez mais moço. Sentado numa cadeira com o chapéu por cair, tinha marca do chapéu de tanto usar. E de súbito - não sei se foi de súbito, mas como eu só soube no momento, o súbito foi ali e não antes de alguém saber - nasceu da vida, de tão moço a vida já não mais vivia.


Era velho desde novo, num sonho agora, de guri e fantasia.

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Felipe Ventura Vargas, 18 é natural de Rio Grande, estudante e presta vestibular para o curso de Medicina . Para minha grata surpresa, além de um brilhante aluno, revelou-se um talentoso escritor.
Mais textos do autor em http://silogismonatural.blogspot.com

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