*do Jornal O Globo
Durante a edição de seu livro de estreia, “A chave de casa” (Record), a escritora Tatiana Salem Levy pediu aos editores que não citassem na publicação dados sobre sua vida pessoal. Temia que os leitores percebessem que a ficção era baseada em sua própria família. No entanto, a escritora Cíntia Moscovich, que escreveu a orelha do livro, destacou a origem de Tatiana, sugerindo ao leitor a proximidade entre vida privada e obra.
Há limites entre fantasia e realidade? A compreensão de um livro muda quando o leitor sabe o que é verdade ou criação? Questões como essas serão debatidas nesta quinta, às 15h, na mesa “Verdades inventadas”, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), por mais dois autores, além de Tatiana, que se apropriaram da História e da vida pessoal para escrever seus livros: Sérgio Rodrigues, autor de “Elza, a garota” (Nova Fronteira), e Arnaldo Bloch, de “Os irmãos Karamabloch” (Companhia das Letras), onde narra de forma romanesca a saga de sua família (ao lado, o trio em foto de André Teixeira).
Na obra de Arnaldo, os fatos contados por seus parentes ganham, em determinados momentos, contornos ficcionais.
— A maneira como a história da minha família foi passada para mim é romanceada. Então, por que eu deveria me divorciar dessa riqueza e fazer uma grande reportagem? — pergunta Bloch, que dá ao leitor a sensação de abrir um baú de memórias, muitas delas bastante íntimas. — Nem todos compreenderam que, quando há luzes e sombras, se tem um retrato humano mais abrangente.
Em relação a obras que trazem a mistura de ficção e realidade, Bloch nota o “vício do leitor em querer saber o que é verdade”, comportamento que hoje estaria exagerado. Tatiana concorda:
— Quando escrevi, não fez diferença para mim se os fatos tinham acontecido ou não. Mas os leitores são muito interessados em saber se é verdade. Há uma fome do real — observa uma das escritoras mais jovens da Flip. — O engraçado é que, às vezes, até eu me pego, como leitora, nessa situação.
Editor do blog Todoprosa, Sérgio Rodrigues acrescenta:
— Talvez exista hoje uma predisposição em achar mais interessante a história real. É uma visão utilitária, como se o livro devesse ensinar algo, e como se a ficção fosse mentira, e a não ficção, realidade. A tensão que a mistura de fantasia e realidade constrói não é confortável para esse leitor.
Para Rodrigues, livros baseados em histórias reais tendem a ter apelo para um público mais amplo. Em “Elza, a garota”, o autor impõe limites definidos entre a história da jovem morta em 1936 pelo Partido Comunista (em itálico) e a ficção inspirada no caso (em letra normal). Ele sentiu necessidade de trabalhar assim por estar lidando com “História com H maiúsculo”.
Ao contrário de Rodrigues e Bloch, Tatiana usou elementos de sua vida para a construção do romance de estreia apenas como base para a criação, de modo que o leitor não distingue o real do ficcional.
— A ideia era expandir esses limites mesmo. Não se trata de uma autobiografia — explica Tatiana.
quinta-feira, 2 de julho de 2009
Os limites da ficção na Flip 2009
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